sábado, 15 de janeiro de 2011

Chuva, suor e vinho

O melhor leitor do nosso lançamento foi Ubiratan Teixeira. Suas palavras descrevem o que foi a noite:


“Lançamento de livro, para mim, é algo semelhante ao ritual promovido pela parturiente até meados dos anos 50 do século passado reunindo em torno de sua cama os parentes e as pessoas gradas para apresentar seu pimpolho quando servia um cálice de vinho moscatel.

Nos lançamentos de livros, muitos vão para filar o grogue e o dicumê, outros para se exibirem diante das câmeras de televisão e microfones das raras emissoras de raio, um razoável número dos presentes comprará a obra considerando que é chique ficar na fila do autógrafo, mas raros a lerão.

Não sou fanzoca de lançamentos por essas e outras circunstâncias: o rango é péssimo e as presenças geralmente azedas e depois, conhecendo meu povo como conheço, mesmo havendo exceções excepcionais, sei quem produz o quê e por que.

Conhecendo o trabalho de ourivesaria que Marcelo Flecha desenvolve no teatro, encarei o temporal que desabava sobre a cidade na noite e na hora do lançamento deste precioso “Cinco Tempos em Cinco Textos” e me dei infinitamente gratificado por lá ter ido. O ambiente era saudável e descontraído, tudo informal, lá estavam as pessoas despidas dos preconceitos e dos gestos mesquinhos, gente que fala minha própria língua; pessoas com o olhar saudável sobre nosso mundo, velhos parceiros que não via fazia largos tempos, antigos “amores” encastoados nos meus sentimentos mais nobres, imagine o leitor aquela zona sem atropelos!

Boaes, Mariano, Dyl Pires, Gilson Cesar, Jeane, Lúcia, todas as lúcias, todos os souzas, e pedros e glórias, dezenas de nomes e rostos amigos que não os via desde o século passado, abraços autenticamente fraternos, apertos de mãos sem nojo, nada daquelas palmadinhas despidas de calor & vida nas nossas costas e mãos molengas e sem tato; e, sem falar no autor, figura imprescindível, também essa criatura que está se tornando tão especial para a história cultural do Maranhão, que é Bruno Azevêdo me obsequiando de cara com o que presumo ser sua última produção literária, o romance fastifud “O Monstro Souza" (Pitomba, São Luís/2010, próximo capítulo do meu Hoje é dia de...).

“Cinco Tempos em Cinco Textos” desmente o que o autor andou falando, já em esperta defensiva, em uma entrevista que o próprio concedera ao nosso assanhado editor do Alternativo, de que depois de ícones como Brecht, Shakespeare, O’Neil, Ibsen era temeridade encarar o gênero: se seguisse esse raciocínio a dramaturgia mundial não teria hoje esses personalíssimos (re)criadores e outra centena deles, considerando que já havia acontecido os gregos Sófocles, Eurípedes e Aristófanes. Os cinco textos de Marcelo Flecha incluídos nesse volume seriam assinados por qualquer um desses “tolos” que fizeram – e fazem – a história do teatro planetário, Artaud (criador da Crueldade, onde não havia nenhuma distância entre ator e platéia – mais ou menos aquilo mostrado na noite de lançamento), Ionesco, Beckett, Genet, Stoppard: autores incluídos na categoria de criadores que aceitavam o princípio defendido por Grotowski pra quem cenários, figurinos e luzes são apenas armadilhas desnecessárias ao significado central que o teatro pode gerar.

Marcelo Flecha completou seu ciclo; pertence à família: pode permanecer sem susto.

Nenhum comentário: