Semana passada estive em
Mossoró, para a serenata surpresa e íntima, promovida pela “A Máscara”, e
dirigida por Damásio Costa, para uma das minhas amigas mais queridas, a atriz Tony
Silva. Aproveitando a ocasião, pudemos espremer o tempo e avançar nas
discussões e procedimentos da próxima montagem do grupo, prevista para 2019,
com direção minha, como você já sabe, pois leu aqui.
Nossa discussão, que se
encaminhava para a adaptação do romance “A Polaquinha”, de Dalton Trevisan,
sofreu um pequeno revés, e nos percebemos discutindo pertinência,
contemporaneidade, desejos, oportunidades; definindo que será uma das nossas
três montagens juntos, mas não necessariamente a primeira.
Esse titubeio oxigenou meu
discernimento e alimentou o assunto da escrita semanal que me imponho aqui, e
que tem sido motivo de análise severa quanto a efetiva necessidade da
permanência do exercício, tendo a falta de frequência como aliada na
argumentação para a suspensão do martírio de me revelar semanalmente.
Inflamável, o conflito explodiu nas entranhas e sangrou, expondo as vísceras do
teatro de grupo na contemporaneidade: o que dizer?
Minha tentativa hoje é
discorrer sobre todas as influências que afetam uma opção orgânica de temática
definida por um grupo e as consequências que essa ponderação possam infligir na
obra de arte em questão.
Como sempre me apresento
como vidraça, digo: a Mulher, personagem emblemática da nossa próxima montagem,
foi vestida durante um período pela atriz Jyesse Ferreira, em um desempenho
preciso que oferecia a representação exata que a personagem demandava.
Somava-se a essa sorte, a imagem estética do corpo total da atriz, que traduzia
a Mulher com acerto. Em um determinando momento do processo, quando nos
deliciávamos em descompromisso criativo experimentando aleatoriamente propostas
dos atores para o figurinos das personagens, me deparo com a concretude da
Mulher: Jyesse, com sua particular beleza, descalça, com uma saia volumosa e
patética, e nua no que se refere a todas as partes do corpo que o pano não
cobria. A Mulher perfeita. Não como símbolo de perfeição, percebam que escrevi
com maiúscula, pois a personagem se chama Mulher, logo, a personagem perfeita.
Tergiverso para atiçar a sua curiosidade.
Você deve estar se
perguntando, o que essa glosa significa? Qual a relação com o dizer desta
postagem? Revelo: após o registro da imagem epifânica pelas minhas retinas, me
deparei questionando a opção. Em trinta anos de teatro, nunca havia vivido a
sensação de confrontar uma demanda orgânica da cena com o entorno com a qual
ela vai dialogar. Falamos de censura, de conveniência, de cuidados, de
enquadramento, de todas uma hermenêutica que jamais deveria habitar o diálogo
de uma obra de arte em construção.
Eis a questão. O quanto o
mercado, as curadorias, o espectador, o viés político tem
influenciado as opções do teatro de grupo na contemporaneidade? Quanto a conveniência
influencia a cena? Tenho me deparado com uma frequência fenomenal com
comentários referentes às motivações que determinaram o destino de encenações
das mais diversas: ter uma pegada mais contemporânea; uma estética mais enxuta
para facilitar a circulação; o problema da internacionalização é o idioma;
preferimos não arriscar para não limitar; o espectador quer se divertir; melhor
evitar polêmica; melhor provocar polêmica...
O que deve ser
incorruptível em um dizer artístico? Até que ponto a concessão é uma arma ou
uma farsa? Não caberia à arte a crueza da verdade necessária, independentemente
do diálogo com o seu entorno? Não caberiam às vanguardas o não enquadramento?
Fazemos teatro ou promovemos unanimidades? Provocamos ou pasteurizamos?
Mesmo depois de trinta
anos tropegando nos trilhos tortos do teatro de grupo e seus azares, a
experiência não me brinda com a serenidade típica e cadenciada da idade. Hoje,
estou pouco confortável com a nova ordem que se desenha. Não me sinto em
condições de arbitrar valor ao caminho mais acertado para decompor tudo o que
está posto e provocar uma nova desordem. Insistir na ruptura? Investir no
decote? Como se estrutura a cena cíclica do mundo? Como progride um universo;
do caos ou da harmonia? Queremos aceitação ou queremos transgredir? Qual é o
meu lugar na cena? Qual é o lugar do teatro de grupo?
Outro dia escrevi que
decidi ser jovem depois de velho, e cheguei atrasado. Blefe? Continuo um velho
empedernido? Você me vê transigindo com o que não me representa pelo valor
atribuído aos vinténs da contemporaneidade? Você me enxerga enquadrando uma
obra para ampliar a repercussão do seu dizer? Você me entende como sujeito de
uma construção pré-moldada? Você reconhece o dilema ou acredita no meu jogo de
cena? Não, não são perguntas retóricas. Me responda: como você me vê?