“O problema da herança em vida é
testemunhar o mau uso dos herdeiros”. Enquanto cunhava a frase, pensava no
momento mais importante da minha carreira. A foto do prédio aí em cima é a nova
sede da Pequena Companhia de Teatro. Em janeiro completo quarenta e cinco anos.
Mais de vinte e cinco dedicados ao teatro. Com pouco menos dessa idade, meu pai
chegava a Balsas, oriundo de Buenos Aires. De lá para cá ele soma mais de trinta
e cinco anos de trabalho. Tenho outra frase que diz, “É uma relação de amor e
ódio. Tudo o que tenho foi o teatro que me deu, porém, tudo o que não tenho
também foi o teatro que me deu”. Agora, tenho tudo o que o teatro me deu, e o
que o teatro não me deu, meu pai se encarregou de dar. Segundo ele, é de
direito, por todos os anos dedicados de sacrifício e de trabalho. Papo para boi
dormir. Minha contribuição para esse patrimônio soma alguns períodos na frente
de um forno, uns dias atrás de uma plantadeira ou perseguindo uma
colheitadeira, um frango vendido aqui, um boi perdido acolá (piada interna).
Talvez, a principal contribuição tenha sido não consumir nada desse patrimônio
nestes últimos dezessete anos vividos exclusivamente de teatro. Hoje, a recompensa,
que, para mim, nada mais é do que o maior presente que um pai pode dar para um
filho: a realização de um sonho. Apesar da jocosa frase que abre esta postagem,
vejo no semblante do meu pai uma profunda e sincera alegria. Mesmo sabendo que,
para ele, o melhor destino para o prédio seria uma bela pizzaria!
domingo, 30 de setembro de 2012
sexta-feira, 28 de setembro de 2012
Beckett? Artaud? Extracotidiano?
Quem sentencia a dor é o corpo. Quem
relembra a dor é a facilidade da lembrança do corpo ou da mente. Construímos
nosso registro a partir do que experienciamos e não dá para fugir disso. O que
fazemos, executamos, não se inventa. Constrói-se a partir do nosso repertório.
Ninguém inventa nada. O que apresentamos é o resultado de algo que ficou,
plasmou-se em nós. Quando dos debates após as apresentações, ligo os pontos.
Tudo faz um sentido enorme nas falas dos espectadores. O que eles decodificam é
parte do que viveram e parte daquilo que expomos. A felicidade se reside nos
pequenos momentos que percebo e me reconheço no outro.
domingo, 23 de setembro de 2012
Realidade & Ficção
Estou propenso a crer que a verdade do
artista só se efetiva se falar daquilo que o sangra. Singrar por oceanos
embevecidos da própria vida. O olhar exterior, analítico, diz sobre a coisa,
mas não é a própria. Falar do que não nos toca pode ser útil, todavia, pouco
crível. Essa reflexão surgiu com a montagem de Pai & Filho e, hoje,
reverbera. Apesar da ficção, a obra se interliga nevralgicamente comigo. Em
Velhos caem do céu como canivetes a sensação se assemelha. Seremos, nós, os narradores? Indagava
Gilberto, no nosso último encontro. Suspeito que sim. Sempre (?). Mesmo sem
querer admitir, para parecermos mais inventivos. Não falo de (auto)
biografismos. Digo da sutil tessitura da escrita artística. Uma obra, mesmo que
arrancada das mãos, guarda as digitais do autor. Depois da obra lançada, o
artista pouco importa, contudo, engana-se o público ao acreditar na pureza da
ficção? Sempre recusei a comparação entre vida e obra, por estar na ficção o
fascínio da arte – apesar de a experiência artística sempre me oportunizar a
chance de pensar sobre. Não devia tocar no assunto, pois carece de uma reflexão
mais aguçada. Perdoem-me o hermetismo da abordagem, às vezes é inevitável... Reflexão
em processo.
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
O fazer; o ver; o rever
Faço teatro. Fiz teatro. Vi e vejo espetáculos. Conheci e revejo pessoas. O teatro é espaço de encontro. E de reencontros. Nada de desencontros. Quem faz teatro nunca está só. Não há despedidas. Rever amigos que moram distantes de nós é privilégio de poucos. Sei que faço teatro porque revejo amigos em cena e fora dela, mas sempre gente de teatro. Incluo aí também os espectadores. Mesmo sendo poucos, essa "pouquidão" é efetiva e existe. Encontra-se espalhada pelo país, fora dele, e que nunca morre. A cada reencontro a certeza do que se faz. Nesses momentos sinto orgulho de mim. Momento meu em que o reconhecimento torna-se merecido. Mereço os encontros e reencontros que tenho, as pessoas que povoam minha vida. Este ano é particularmente significativo nesse aspecto. Circular é celebrar a vida.
domingo, 16 de setembro de 2012
4ª Jornada – Porto Velho/RO
Jornada de tiro curto. Três dias fora,
e já estamos de volta. Mais tempo viajando que aproveitando a acolhedora capital
rondoniense. Muitos realces para poucos dias. O Teatro 1, do SESC Esplanada, uma
espécie de sala multiuso que comporta duzentas e cinquenta pessoas, foi generoso e abrigou em todas as escadas, no mínimo, outros quarenta espectadores. O Palco Giratório nos oferece a experiência
de casas lotadas, um perigo para quem deverá se readaptar às nossas fiéis plateias
de quinze ou vinte pessoas (risos) – Pai & Filho vem aí
com temporada regular em São Luís. Um público entusiasmado e franco. Assim como no Teatro Laura Alvim, no Rio, riram muito (?). Reações curiosas, que variam de plateia para
plateia, apresentando uma oscilação assustadora. Inevitável refletir sobre a
possibilidade de o espetáculo variar tanto quanto as plateias. Não percebo
assim, mas estou atento. A apresentação foi sólida, desfrutada, e revelou
alguns nuances no conflito/jogo/duelo entre as personagens que até então não
haviam aparecido, auxiliando na robustez da cena. É intrigante perceber como,
apesar do rigor formal, ainda é possível amadurecer e melhorar um espetáculo
que passa das oitenta apresentações. O mimo da jornada ficou a cargo da Cia. de
Teatro Mosaico, da qual faz parte o queridíssimo Sandro Lucose. Tivemos a
oportunidade de ver Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, que também circula pela Rede
SESC de Difusão e Intercâmbio das Artes Cênicas. Um espetáculo corajoso e instigante.
Tão bom quanto o espetáculo, a possibilidade de
conversar-discutir-refletir-analisar a vida teatrista, em esbarradas curtas e
informais, típicas de duas Cia. que se cruzam no pleno exercício do seu ofício.
Alegrias múltiplas para dias contados. Continuo grato à sorte, eu, um
incrédulo.
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
Velho jargão
Há Teatro de Grupo aos borbotões. Estou conhecendo alguns tantos por causa da circulação de Pai & Filho. Cada um deles tem uma composição particular. Poucos se sustentam financeiramente com o teatro - somente e tão somente. Os que mantêm uma pesquisa permanente de linguagem e os que experimentam. Gosto de dizer que teatro é ofício, e que os artistas são profissionais como quaisquer outros quando se propõem a viver exclusivamente com a sua arte/ofício. Sindicalizar-se é dar a arte um outro status. Tenho um amigo que conseguia dividir o que era ofício e o que era arte, processo, projeto sério, que de fato queria fazer - isso nas artes visuais. O que se aproximaria disso nas artes cênicas, no teatro especificamente? Quando nos corrompemos? Acho que estou ficando doente.
domingo, 9 de setembro de 2012
Apressado come mais
Há muito tempo ultrapassei a metade da
minha vida. Nem o mais otimista dos amigos, que olhasse meu corpo decrépito,
poderia pressagiar minha chegada aos oitenta e oito anos, portanto, a
descendente já me acompanha há quase uma década – se o otimista agora não sou
eu, pretendendo galgar os setenta. No ponto em que me encontro, só consigo
ruminar o que me falta fazer. Lembro-me de um poema que tratava do
que o poeta não fizera – já resignado. Diferentemente do poeta, minha anciã ansiedade me
apresenta espaços, lapsos e promessas. Angustia-me o tempo, e minha pressa não
contempla um centésimo dos desejos. Ainda não me tornei cantor de tango. Falta
escrever o quíntuplo do que produzi até hoje. Não conheci Cuba. O que encenei é
uma piada de mau gosto para a presunção de um ser que se autoproclama homem de
teatro. Até que idade é possível ser um toureiro? Não vou falar de livros,
morrerei sem ler noventa e nove por cento do que gostaria. Não corri da polícia,
ou corri? Preciso urgentemente comer um foie
gras. Nunca fui ao Louvre... Como alguém pode se satisfazer com um livro,
um filho e uma árvore? Envelheço e mereço. Adoro o preço. A única desvantagem é
a redução do tempo para realizar o que falta. Prometi para Katia não me
vangloriar mais da minha vetustez. Depois desta crônica, pararei. Inocentemente,
nunca percebi que, ao enaltecer a velhice, carregava minha companheira comigo:
que mulher pode almejar isso? Como ela costuma dizer: velho é você, não me leve
junto!
domingo, 2 de setembro de 2012
Olho no livro
Levei um soco da tese de doutorado do
amigo Gilberto Freire de Santana. Injusto, pois eu já lera o escrito. Um soco.
Literalmente. O livro caiu de cima da estante direto no meu olho. Inchou. O
soco metafórico aconteceu bem antes, enquanto lia cada capítulo que o autor me mandava
em doses homeopáticas. Dentre as coisas que mais gosto de fazer na vida estão:
ler e pensar. Logo, o fato não passou despercebido. Fiquei me questionando: não
estaria na hora de toda a literatura impressa do mundo se rebelar contra os
homens? Se cada livro que você deixa, por anos, estacionado em uma prateleira,
esperando uma leitura, se arremessasse ferozmente contra o seu corpo, talvez
ele tivesse uma chance. Na primeira vez, poderia parecer acidente. Na segunda,
você duvidaria. Na terceira, correria de casa assustado ou pararia para lhe dar
a devida atenção. Não consigo mensurar o quanto a vida pode ser insuportável
sem uma boa leitura. Por que o mundo se distancia do livro? Hoje sei quem são
os culpados. Eles. Os livros! Sua passividade, paciência, perseverança. Eles
esperam, e só. Deveriam se rebelar! Pular das estantes! Perseguir seus
leitores! Uma revolução livreira! A antiga revolução silenciosa provocada pela
abertura de um livro – revolução que tanto transformou este mundo – não
funciona mais! Cabe aos livros arregimentar seus leitores na marra! Portanto,
se você passar por uma estante repleta de publicações e permanecer imune,
mantenha distância. Um livro pode querer a sua atenção, e a consequência pode
ser um olho roxo.
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