sábado, 15 de fevereiro de 2014

Artistice

 

Uma coisa é ser artista, outra coisa é fazer artistices. Chamo de artistices aquelas ações que tem por objetivo demostrar uma atividade artística, mas, na verdade, não passam de meras jogadas de estilo, palavras de efeito, ações para a construção de um mito pessoal, como se isso fosse possível. São atitudes autopromocionais, estudadas com o mero propósito de chamar a atenção para o agente artístico, o indivíduo operante, a persona. Sabemos que persona deriva do latim persõna e que significa a máscara de ator, o papel atribuído a essa máscara, blábláblá, contudo, em castelhano – possuindo a mesma derivação do latim –, persona quer dizer pessoa. Simples assim. É o que a contemporaneidade tenta fazer: tornar a pessoa a própria obra de arte, e, com isso, reduzir o tema. Imaginem um cabôco entrando em várias casas de pessoas desconhecidas, sem pedir licença, sentando-se, tomando café com elas e saindo, sem dizer palavra – a la Teorema, de Pasolini. Seria massa, não? Não. Seria uma artistice. Pensem no irmão desse cabôco postando um peido e sendo banido do mundo virtual pelo teor fétido do seu conteúdo. Seria uma atitude revolucionária, não? Não. Seria artisticie. E o cunhado do cabôco chacoalhado guizos nos guetos? Artistice. Tem artistice demais circulando por aí. As redes sociais cumprem uma fundamental função para o amadurecimento social do nosso tempo (?), contudo, são também uma fábrica incomensurável de artistices. Não falo de alta e baixa cultura, não falo de produção artística medíocre, não falo do lugar da arte no mundo atual, falo de artistice. De usar o subterfúgio artístico como mero pretexto para aparecer. Utilizar o instrumento artístico para ganhar visibilidade, fama, celebração – mesmo que seja apenas entre os pares de uma mesma corriola. Escrever um romance, montar um espetáculo, compor uma sinfonia, fazer um filme, leva tempo, pesquisa, trabalho. Tirar as calças no meio da rua, não. O mais curioso é que o esvaziamento do discurso contemporâneo apresenta um sem-fim de seguidores fiéis para cada artistice plantada na contramão da arte. Blábláblá. Tudo artistice. O pior é que, de vez em quando, eu faço as minha também. Cada corriola tem as artistices que merece.