sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Teatro = Coletivo

Uma companhia de teatro é uma estrutura orgânica. É argilosa, pulsa, se modifica, vive. Por muito tempo acreditei no contrário, e apostei todas as minhas fichas na rigidez das pedras. Hoje entendo que um organismo precisa respirar, e tudo o que dele emana é frutífero, sempre e quando seus fundamentos sejam respeitados. A pulsação de uma companhia está diretamente relacionada à pulsação dos seus membros, e suas conquistas tem a mesma relação progressiva. No final da década de oitenta e início dos noventa – quando morava no interior do estado – vivi algumas das experiências mais significativas da minha vida no que se refere à vida em coletivo. Na época, sonhávamos juntos exatamente aquilo que conquistamos hoje, individualmente. De lá para cá, algo se perdeu. O indivíduo se sobrepôs ao todo, e estamos repletos de coletivos que reúnem indivíduos ilhados, entupidos de companhias de um homem só, entulhados de grupos que não se agrupam, de companhias sem unidade no discurso, de artistas migratórios que saltam de coletivo em coletivo, de grupos que são apenas um selo, de CNPJs de aluguel – tudo com o argumento de preservar o indivíduo. Esses defensores esquecem que o neoliberalismo dos anos noventa se encarregou, não só de preservar, mas de impregnar o individualismo em toda a sociedade. Os grupos que resistem dentro de padrões mínimos de convívio coletivo, de confronto dialético, de efetiva socialização, foram, são e serão o esteio do teatro brasileiro. Quando aqui me contradigo, ao defender a argilosidade necessária para a existência de um grupo de teatro, e ao criticar a pluralidade pulsante nos formatos dos coletivos contemporâneos, é para compartir com o leitor meu questionamento atual, e a reflexão que dele provém. O ato teatral, de fato, na sua essência, pode acontecer na solidão do indivíduo, mesmo que pareça acompanhado?

domingo, 19 de outubro de 2014

Marginal


Margem. Sempre estive à margem. Minha opção marginal — sobre o que eu iria fazer para o resto da vida, a forma como iria me relacionar socialmente, as opções de pensamento — sempre me conduziram para a margem. Teatro, reflexão, discrição, nunca serão centrais no mundo ocidental, portanto, a vida tem me guiado para a margem, de onde se enxerga o mundo de outra forma. Fora do centro continuo andando, e a margem me guia para fora da periferia. O teatro, per se, já é marginal. Na sociedade contemporânea, entre as artes, jamais poderíamos colocá-lo no centro. Música e cinema são as linguagens que ocupam a centralidade do interesse popular. Nossa opção de teatro acentua essa marginalidade, quando acredita nessa linguagem como instrumento de reflexão e transformação social. Por isso, quando ouço — Matem o marginal!, sinto-me na guilhotina. Quando fundamos a Pequena Companhia de Teatro, sabíamos do lugar periférico que ocuparíamos no interesse da sociedade, e nossas ações não buscaram atingir o centro, e sim, trazer esse espectador para experimentar o olhar periférico; um olhar diferente do olhar que costuma ser centralizado no teatro: a diversão, o entretenimento, a glamourização, o riso fácil, a pasteurização do pensamento, e os diversos clichês temáticos. É o que somos. Marginais. Misturo o número da 1ª pessoa propositadamente, porque o que fazemos reflete no que penso, e o que penso encontra eco no que fazemos. Fragmento o discurso desta postagem propositivamente, para gerar no leitor um incômodo marginal. Um convite a sair do óbvio, à mudança do olhar, a romper com a norma, a sair da zona de conforto. Uma música dissonante, um espetáculo hermético, um livro de três mil páginas, um filme em preto e branco, arrisque-se. Venha para a margem. Seja marginal.
 
P.S.: A propósito, amanhã tem Pai & Filho. Última apresentação antes da Mostra SESC Cariri de Cultura. Sua chance de iniciar o exercício.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Você sabia que...


... o espetáculo Velhos caem do céu como canivete foi selecionado para o 9º FENTEPIRA – Festival Nacional de Teatro de Piracicaba? A curadoria ficou a cargo do ator e diretor Roberto Rosa, que selecionou o espetáculo maranhense dentre as 346 peças inscritas, de 89 cidades e 17 estados. A apresentação acontecerá no dia 22/11, no Teatro Municipal de Piracicaba. Para ver detalhes da programação do FENTEPIRA, clique aqui. Recentemente o espetáculo Pai & Filho foi confirmado na XVI  Mostra SESC Cariri de Cultura. As datas das apresentações serão no dia 11/11, as 19h, no Centro Cultural Banco do Nordeste, na cidade de Juazeiro do Norte, e no dia 12/11, as 21h, no Teatro Adalberto Vamozi-Sesc Crato.
 
 

domingo, 5 de outubro de 2014

R.S.V.P.

A expectativa
A nova sede da Pequena Companhia de Teatro forjou uma prática que venho exercitando desde o ano passado, buscando atrair espectadores para as temporadas dos nossos espetáculos. Trata-se de um convite personalizado que faço, via caixa de diálogo, em diversas redes sociais, provocando o espectador a vir nos ver. O fato seria banal, não fosse o comentário da Cris Campos, provocador desta reflexão. Segundo ela, essa minha indelicada atitude, “foi fundamental, não para eu ir, mas para ir diferente”, e completa, “quando a gente gosta muito de algo que fizemos, que consideramos bacana, interessante de ser compartilhado, a gente faz questão de que seja de fato compartilhado, né? Não é só um flyer, é um convite pessoal, semanal e desejoso. E isso é muito bom. Para mim, me trouxe a expetativa de ir, de trocar, de absorver, de ir desarmada para receber o que o universo, daquele instante, queria que eu vivesse”. Quando digo “indelicada atitude”, é porque, as mensagens que envio, normalmente têm um tom provocativo, ora ácido, ora irônico, ora jocoso, brincando com a ideia de que você curte teatro, mas não frequenta. Naturalmente, meu atrevimento fazia com que eu imaginasse certo constrangimento do destinatário da missiva, um espectador sendo cobrando no mais íntimo de todos os meios modernos: a mensagem in box. O que eu não imaginava era que, alguns espectadores, iriam perceber o subtexto que ali deixo, e que a Cris, delicadamente, percebeu: a pessoalidade. Sim, o que eu digo em cada uma dessas mensagens é da importância pessoal e intransferível de que você veja o espetáculo. Do importante que é, para mim, que você veja este ou aquele espetáculo. A pessoalidade aqui, busca a quebra desse espectador genérico, anônimo, insípido, e procura percebê-lo como ser individual, pessoal, possuidor de uma opinião tão diversa e particular que faz com que a cor seja vista descolorida pelo espectador ao lado. Se minhas mensagens não chegam mais, é porque desisti de você, ou porque o constrangimento agora é meu. Se nunca chegaram, é porque minha educação é inversamente proporcional à nossa intimidade. Você deve se perguntar por que ultimamente tenho insistindo tanto no tema espectador. Acontece que sou de um tempo e de um espaço onde o espectador não existia. Fazíamos teatro para ninguém, literalmente. Hoje, esse precioso indivíduo, se apresenta para o diálogo, e, como não tenho muito traquejo para lidar com ele, vou construindo essa conversa com a sensibilidade de um cavalo. Por tanto, se receber uma mensagem, sinta-se acariciado, mesmo que seja com um coice.
 
O resultado
P.S.: Amanhã tem Pai & Filho, não vai ficar esperando minha mensagem. Vai?

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Teatro é espaço de encontro


Quem vai assistir a um espetáculo teatral sempre tem a certeza de que vai encontrar pessoas, tanto na plateia quanto no palco. Conhecidos e desconhecidos. Pode-se sentar na frente, atrás, lateralmente, no chão, ficar de pé. Em cada local e situação, perspectivas diferentes do encontro: manter-se à distância ou aproximar-se?

Mesmo plateias diferentes, são plateias de teatro, e sempre se reencontram. Fazedores teatrais também são assim: se fazem teatro, se encontram, se reencontram. De uma forma que não sei ao certo, se solidarizam nas dificuldades e se confraternizam nas conquistas.

A dinâmica da vida de cada um faz com que as escolhas interfiram nesses encontros, de diferentes modos. Aos fazedores, a conquista dos espaços. A circulação não só oportuniza o conhecimento de outros espaços como amplia as oportunidades de encontro. Não estamos imunes às interferências do meio e das gentes. O que fica, fica. A partir dai, os reencontros são inevitáveis: sensação de amparo, de aconchego. Uma felicidade descomunal em rever pessoas que continuam a fazer da sua arte seu ofício, apesar dos atropelos. Como que por uma reflexo no espelho conseguíssemos ver neles também a nossa vida. Percebê-los em cena faz-nos ainda vivos. 

Gosto de me reencontrar nos espaços num recorte temporal diverso. As sensações sempre diferem numa comparação mesmo que grosseira.

Numa época eu me sentia meio nômade, mas consegui identificar alguns espaços nos quais me sentia pertencente. Quando os revisito, encho-me de esperanças. Não sou de todo ruim. Faço teatro.