domingo, 27 de fevereiro de 2011

A ridícula perfeição

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Independentemente da metodologia aplicada, há uma região no ator onde parece ser impossível penetrar e é de onde saem os momentos mais sublimes. A quebra dessa impenetrabilidade, a busca da codificação para acionar esse universo, deverá ser o objetivo final de qualquer ator, encenador ou teórico de teatro. Alheio à “talentices”, esses momentos são frutos de treinamento, porém, é onde o treinamento chega de forma não consciente. É para esse efeito místico (quando místico quer dizer: onde há mistério ou razão incompreensível) do treinamento que nunca estamos atentos, concentrando sempre o foco no resultado concreto e palpável das aplicações diárias. Eis aí o erro. Muito do que se experimenta armazena-se e acumula-se no núcleo dessa esfera. Uso a palavra “plasmar” para representar essa assimilação. Uma percepção cinestésica, não racional. Propriocepção. O ator pleno será aquele que, de maneira conscientemente técnica, e utilizando-se do corpo total, transite por esses momentos sublimes de acordo com a necessidade do seu ofício. É apenas uma impressão; aquela de quando vemos uma cena tão intensa e temos a sensação de que jamais conseguirá se repetir. Impressão. De fato sabemos que se repete e se supera.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Ser ou estar?


Gilberto F., certa vez, disse que Graça F. não era atriz. Ela meio que se emputeceu e enviou, pelos Correios, o currículo para ele. 

Eu sei que sou ator porque tenho o registro na minha carteira de trabalho. Eu sei que não estou atuando porque estamos em entressafra. Nesse meio tempo, o que um ator faz? 

Eu me masturbo mentalmente sobre processos e sobre coisas. Imagino como será nossa circulação pelo Norte e pelo Nordeste. Faço musculação e não como porcarias. Executo projetos pendentes. Conto as horas para mudar-me para São Luís. Penso no amor tardio de quem me espera. 

Hoje pensei um pouco sobre a impossibilidade de bater cartão, diariamente, para fazer teatro, como fazem os professores, médicos e outros profissionais dignos de terem uma carga horária de trabalho definida. Existe algo estranho nesse aspecto. A arte de atuar não deveria ser profissão. Não se encaixa. Não temos hora para trabalho, não temos salário fixo. Assim, fica uma certa angústia de nunca estar preenchido. Pensei também que não morreremos porque a nossa arte vai viver. Não preciso mais me preocupar com minha saúde física e mental, nem com filhos, nem com árvores. A arte deverá suprir todas as minhas falhas trágicas de ser humano que sou.

E por fim, tem um amigo meu, Jairo M. que diz que, enquanto evangélico, não pode falar de outra coisa a não ser do que ele está preenchido, isto é, de Deus, de amor, de cristianismo, de caridade. Isso é uma verdade. Uma outra verdade, e a descobri há algum tempo, é que a gente só fala daquilo que nos falta. Excesso e falta. 

Quero continuar a ser um fosso sem fundo e jamais me esgotar. E como Walt W. eu canto o corpo elétrico


domingo, 20 de fevereiro de 2011

Ter ou não ter...

É uma relação de amor e ódio. Tudo o que tenho foi o teatro que me deu. Porém, tudo o que não tenho também foi o teatro que não me deu. O que não tenho? Sossego. A paz do alienado. A doce miséria de que não tem o que pensar. Piscina. Dente de ouro. Estoque de Moet Chandon. Sonhos. O teatro transforma tudo em uma dura realidade e amplia com lente de aumento todas as imperfeições da vida. Jatinho para ir comprar “yerba” mate. Lava-louças. Descompromisso com o que me cerca. Queria poder acordar sem me preocupar com meu entorno, com a vida de quem não vive, com a fome. Uma biblioteca maior. Fim de semana na Sicília. Quarto de hóspedes. Paciência. Quero sanar as chagas hoje. O teatro me roubou todo o tempo de espera e não me conformo com os remédios de amanhã. Canivete suíço. Quadra de Squash. Preocupação com a aparência. Medo da velhice. Carnaval, pré-carnaval, carnaval fora de época, pós-carnaval... uma jornada sem atropelos: nascimento, reprodução e morte. O que tenho? Isso é tema para outra postagem. Quanto à piscina? Confesso que não gosto muito de água.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

E como vai o seu saco?

[Pausa para uma lembrança]


Hoje está um saco! Qual o caminho tortuoso que não devo percorrer? Se estava no caminho certo, e isso não é bom pois acomoda, por que insistir no errado para não me acomodar? Quando é que eu vou crescer? Não sei de quase nada e as teorias continuam muito chatas.


[Pausa para um desabafo anterior à lembrança]


Quanto ao teatro, quero o lugar nenhum. 
Minha tristeza é só minha.
Produzir/dirigir/atuar.
Morrer de fome e só.
A morte nunca chegará.
Quero dormir um sono intranquilo, sempre. 
Sempre e sempre.
E os corpos?
E o meu corpo?
Talvez eu esteja ficando velho e desejosos do vazio.
Meus espetáculos-solo não diziam nada.
Nada não é o nada, é a potência do tudo.
Um cigarro e uma cerveja


[Pausa para um descarrego]


Amanhã, dia bom. Verei o que fazer. Quanto a mim, digo que o ser ainda vale à pena. Que tal a mim? E o mundo? E depois? Só quero fazer teatro.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Existem dias...

que a gente não pensa em quase nada. Funciona como sinal de internet ou de operadora de celular. Minha conexão vai para o espaço quase sempre às quintas-feiras - e não é história de trancoso. É facto.

Fui a Açailândia anteontem e ontem para assistir a dois espetáculos e filmar um, fazendo parte do I Festival de Teatro da cidade, realizado pelo Grupo Cordão de Teatro (Açailândia-MA) e a Santa Ignorância Cia. das Artes (São Luís-MA). A proposta é ótima. Gosto do dinamismo de grupos que insistem em fazer, mesmo com a ausência dos Governos, lembrando que estamos em um estado dos Sarney e que o Bulcão (vitalício secretário de cultura) só enxerga Manifestações das Culturas Populares (nem sei bem ao certo o que vem a ser isso. Só quero alfinetar, nada mais). O primeiro deles foi "Que trem é esse?" e "O miolo da estória". Caso queiram saber mais dos espetáculos, é só clicar nas imagens abaixo. Há sinopse. 

Lauande Aires faz o Miolo (quase que integralmente), treinou conosco dia desses, em conjunto com Marcelo F., Jorge C. e Cláudio M. O treinamento foi tema de uma outra postagem. Quer saber mais, clique aqui.

Minha versão sobre o fato é que o ator ainda é muito subjetivo em expressar suas sensações, e como trabalhamos com níveis de energia e somos sempre diferentes com o passar do tempo, não dá para comparar sensações, atribuir sentenças como se fossem verdades num universo que é volatilizado permanentemente. O treinamento funcionou para que Marcelo F. pudesse identificar uma melhor equalização para um público que está por vir na nossa circulação com o espetáculo Pai & Filho.
Cláudio M. + Jorge C. + Lauande A. (foto de Marcelo F.)

As percepções são múltiplas. O conteúdo é o mesmo, mas a compreensão o que o corpo exige e sonega, é diversa nos seres. Falta-nos um treinamento diário que justifique nossas escolhas quanto aos antagônicos (quer saber mais sobre os antagônicos, clique aqui). Meu desejo é utilizar essas formações para brincar, jogar um pouco com o quadro, me familiarizar mais com os antagônicos no corpo. Nosso processo de treinamento sempre esteve atrelado a alguma montagem. Assim, estávamos mais focados em construir uma personagem, outro direcionamento. Quando não se tem esse compromisso, a possibilidade de jogar é ampliada. Vou me divertir muito com essas formações. Sentir-me-ei como pinto na merda!

Adeus Ford Ka


Teresina, Bacabal, Pai & Filho, 2005, Canoa Quebrada, Festluso, Cinco Tempos em Cinco Textos, São Bento, Circulação, Medeia, Guajajara, Tibau, Quinta Cultural, Santa Inês, Balsas, Oficina, Fest em cena, Literatura Viva, 2010, Mossoró, BNB de Cultura, Riachão, Ciclo de Leituras, O Acompanhamento, Debate, 2009, Imperatriz, Estreia, Semana do Teatro no Maranhão, 2008, Natal, Myriam Muniz, São José de Ribamar, Fortaleza, 2007, Barreirinhas, Auto da Liberdade, Feira do Livro, 2004, Deus Danado, Entrelaços, 2011, São Luís, Semana Imperatrizense de Teatro, 2006, montagem, travessa da Trindade.



O futuro proprietário do HPS 3277 levará consigo parte da história da pequena companhia de teatro.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Sob os olhos de Kafka

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A experiência de adaptar Kafka para o teatro coincidiu com a publicação da minha dramaturgia reunida e o surgimento deste blog. Um ano para assumir que escrevo. Sob o olhar impiedoso de Kafka – e tantos outros fantasmas que me açoitam – escrevo porque preciso. Sempre foi assim. Desde o quinto poema anterior ao do dia vinte e nove de junho de mil novecentos e oitenta e seis – primeiro manuscrito meu que possui data de referência – escrevo pela necessidade de espantar as agruras que me cercam. Doloroso, sempre. Um exercício permanente que mistura angústia, incompreensão, nostalgia, revolta e sofrimento. Prazeroso, nunca. Meu prazer está no efêmero, no que ninguém atrapa. O peso do olhar desses monstros transforma meu exercício em detalhe mal concluído, em lente desfocada; uma nota em desafino solta num canto mudo. Penso cada palavra por mim escrita como um natimorto. Nasce morta. Ceifada pelos grandes escritores que sorvi durante a vida: com eles, para que escrever? Ubiratan Teixeira chamou minha tese de “esperta defensiva”. Talvez seja. Em defesa da literatura.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

O teatro ou o jogo das ilusões


Joga bilhar. Religiosamente ao acordar, olha-se no  espelho. Observa  se  apareceu alguma espinha. Olha nos olhos  de  cor  escura. Procura  alguém. Tenta encontrar a personagem ideal para  aquele dia. Encontra com a mesma facilidade de sempre. É perfeito em tudo que faz. Sai. 

Joga bilhar. Religiosamente ao acordar, olha-se no  espelho. Conta  as rugas que persistem em não aparecer. Olha nos olhos  de  cor clara,  buscando  forças  para  conseguir viver. Pensa  em todas  as tentativas  fracassadas  que  teve. Vislumbra  outra  possibilidade, sorri e sai para mais um dia de estafante trabalho.

Joga bilhar. Ao levantar não vai ao espelho. Sai com a  cara que só ele tem. Sai sem personagem alguma.

Joga bilhar. Acorda e não se observa no espelho. Naquele dia surge  uma  ruga que não é notada. Não percebe que envelheceu e sai feliz para o trabalho.

Jogam bilhar. À noite se encontram no  salão  para  jogar. Jogam  lado a lado, mas não se conhecem. São parceiros  naquela  noite, mas não se conhecem. Simultaneamente vão ao banheiro, urinam no chão, defecam  na latrina, vomitam nos pés. Percebem o que tinham comido no almoço:  arroz, feijão e carne. Vão à pia, lavam as mãos.  Observam o espelho à frente. Enxergam-se como verdadeiramente são.  Espantam-se com  as "caras limpas" do espelho. Gritam. O espelho se  quebra. Como que  unidos  por  um único impulso, descem ao chão catando os cacos espalhados por toda a extensão do banheiro. Ferem-se. Sangram. Tudo fica  vermelho: paredes, braços, roupas. Tocam-se e não se sentem. Cacos por todo o chão. Desistem de recolher todos eles. Levantam-se e saem do banheiro, do salão, levando para casa os cacos que cataram.

No dia seguinte, juntam os cacos para comporem o espelho. E conseguem. Olham. Em cada mosaico a imagem é composta.  Ficam  felizes com  o que veem, apagando das mentes as imagens que anteriormente  se formaram nos espelhos de suas vidas.

Mal sabiam eles que as que viam eram  trocadas. A partir de então, ao amanhecer, viam um a imagem do outro. 

No passar de três dias deixam de jogar bilhar. 

Quarto dia. No necrotério local, dois corpos lado a lado, sem uma gota de sangue. Ninguém reclama os corpos. Causa desconhecida. Sem parentes, são enterrados como indigentes. Ninguém os acompanhou no enterro. O coveiro cava a cova de ambos, lado a lado.  Os  corpos descem. A terra é jogada. São consumidos, devorados pelos vermes.

Cemitério clandestino. Tiveram que exumá-los. Estavam totalmente decompostos. Só restavam os ossos e os cacos do espelho que ambos tinham engolido. 

Se alguém juntasse os cacos, veria que as imagens continuavam lá, como que vivas, sem rugas, sem espinhas,  com  olhos claros,  escuros.  Ninguém o fez. Foram novamente enterrados,  sem os cacos que  foram recolhidos e logo  em seguida  jogados fora. Só então morreram.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Resultado


Segue a relação dos premiados na nossa promoção. Cada contemplado receberá gratuitamente um exemplar do livro Cinco Tempos em Cinco Textos.

Categoria Comentários:

Xico Cruz
Cairo Morais
Hamilton Oliveira
Elizandra Rocha
Flávia Teixeira

Da categoria Novos Seguidores ainda restam três exemplares em disputa. Os já contemplados são:

Quadrilha Saia Rodada
A Tramando Teatro
Elizandra Rocha (de novo)

Boa leitura!