O Quadro de Antagônicos compreende dezoito
palavras a receberem representações físicas, conforme relacionadas aqui. Uma
das particularidades que torna o QdA um instrumento eficiente na construção de
uma personagem teatral é o descarte, a exclusão, a via negativa. Diferentemente
de outras práticas teóricas onde a experimentação do ator visa catalogar o que
de melhor é produzido nessa experimentação, no nosso caso é o descarte do que
não é interessante que orienta a prática. Parece a mesma coisa, mas é
diferente. Quando o ator descarta um antagônico, depois de experimentar
fisicamente todo o quadro, na busca do melhor antagônico para a construção da
sua personagem, ele aumenta o tempo de pesquisa, pois, ao descartar um, permanece
experimentando os outros dezessete. Se o ator fizesse previamente a escolha de
apenas um antagônico, baseada no tipo físico que melhor dialoga com a
personagem em questão, e começasse a trabalhar somente com esse antagônico, o
ator reduziria em 95% as chances de encontrar caminhos mais orgânicos na
construção da sua personagem. Para isso, é imperativo não gerar nenhuma preconcepção,
prejuízo ou preconceito, sob pena de limitar a potencialidade criativa das
experimentações. Dando um exemplo grosseiro: se a personagem a se construir é
gorda, a escolha racional do antagônico Peso, além de óbvia, reduziria
significativamente as alternativas de nuances que poderiam aparecer na
construção da personagem, a partir da experimentação física de antagônicos menos
óbvios, como a Tensão, a Lentidão ou, até mesmo, a própria Leveza. O que o
Quadro de Antagônicos propõe é uma ruptura com a ditadura da seleção, da
escolha do melhor, proporcionado ao ator um trânsito por regiões que ele jamais
escolheria. Essa inversão alarga a extensão de alternativas, pluralizando os
caminhos para a construção de uma personagem. Na contramão das estruturas técnico-teóricas
vigentes, a negação, a recusa, a sobra, o descarte, podem ser um caldo de
potência criativa esperando alguém vir sorver.
sábado, 31 de janeiro de 2015
domingo, 18 de janeiro de 2015
Penso, logo, resisto
Creio que
pela idade que me distancia destas, algumas pessoas me chamam de professor. Não
sou professor, não tenho licenciatura. Nem, ao menos, curso superior. Tampouco
sou intelectual, como arriscam outros mais despudorados e gentis. Me considero
um pensador. Penso. Não pensasse, rastejaria. Pensador como você, que pensa por
que estou a elucubrar sobre este assunto. Trato-o em defesa do pensamento. Em
defesa da presença do pensamento no teatro. Em defesa da reflexão. As recentes
experiências sensórias, fragmentadas, desconstruídas, processuais, performateatrais,
pós-qualquer-coisa, estão extinguindo o pensamento. Pensar não é mais uma
condição basilar para a fruição de teatro. A relação do espectador com a
fortuna polissêmica e polifônica contemporânea pode ser a de “um jegue olhando
para um castelo”, como diria o velho Adelmo. Basta contemplar o incompreensível
e se assombrar com a magnitude sensória daquilo que nada contém. Nem pensamento
nem sentimento. Espectador que sou, estão me subtraindo o direito de pensar, e me
coagindo a um sentir não emocional; a um sentir tátil, olfativo, gustativo, esteticovisual,
ruidossonoro. A contemporaneidade não tem esse direito. Quando me percebo
partícipe do fetiche ególatra de algum neoteatrista – ao espectar outras das
tantas experiências modernoarcaicas – a única sensação que emana do meu corpo é
o calor provocado pela ira. Me ofende participar desse joguinho pseudovanguardista.
Me ofende a presunção de acharem que conseguem camuflar o engodo. Me ofende que subestimem
minha inteligência ao recriar o famigerado clichê do choque. Me ofende a
subtração do meu pensar. Já a pecha de antiquado-careta-retrógrado-velho que
começa a se desenhar no pensamento de alguns amigos, durante a leitura deste
artigo, fazendo surgir aquele risinho no canto da boca, não me ofende, me
defende. Porque não renego minha história nem a história da humanidade. Foi a
soma do meu quase meio século de vida, construído a partir do exercício do
pensamento, que me trouxe até aqui. Que me possibilita separar arte de
artistice. Por isso reitero: o estupro ao pensamento deve parar. Parará, com as
décadas. Lamento que, até lá, nosso cérebro já não esteja apto para o pensamento,
e sim, embrutecido pelo instinto sensório peculiar a qualquer animal da fauna
terrestre.
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