segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O aprisionamento da pesquisa


Sempre que surge um tema, recebo dezenas de nenhuns pedidos para escrever sobre. Desta feita é quanto a mensuração de valor e qualificação da pesquisa teatral realizada fora da universidade. Para o Houaiss pesquisa é um conjunto de atividades que têm por finalidade a descoberta de novos conhecimentos no domínio científico literário, artístico etc. A apropriação indébita dessa palavra por parte da academia gerou uma cruel ditadura que parece preconizar que uma pesquisa só tem valor investigativo se referendada por alguma universidade. Não estou aqui a satanizar a pesquisa acadêmica, até porque ela possui um prestigio que fala per se. O meu bedelho meto-o na defesa das pesquisas realizadas fora da órbita universitária, região que compreende o resto do mundo. A defesa ocorre no intuito de incitar a prática, porque sem o endosso canônico, percebo que artistas depreciam suas investigações ou correm em busca de um aval cientificista – se advogo em causa própria é por não ter visto outros muitos advogando por nós. A maioria dos fazedores teatrais desenvolve pesquisa de campo, ou bibliográfica, ou empírica, ou laboratorial, ou descritiva, ou experimental, mesmo que, às vezes, ela não tenha a menor noção disso; porque arte não é ciência, mesmo que tentem enquadrá-la com tal. Essa vantagem faz da arte a única atividade humana capaz de desconstruir as rígidas estruturas formais e possibilitar um leque de caminhos outros na abordagem de uma investigação. Você pode pesquisar teatro a partir do seu corpo ou pode fazer do desprezo pelo seu corpo um objeto de pesquisa. O que digo é que a liberdade artística pode ser tão fértil quanto a metodologia acadêmica. Digamos que um grupo de teatro trabalhe décadas na busca de conhecimentos que auxiliem os seus membros no domínio de uma técnica que possibilite o acesso a uma representação orgânica, e logre seu objetivo. Essa pesquisa não é mais importante para o teatro que a teorização sobre a influência de Bach no trabalho de Brecht? Respeitar a pesquisa fora da universidade não subtrai valor à pesquisa acadêmica. Apenas reconhece esforços no desenvolvimento de tecnologias teatrais em todos os âmbitos possíveis, e a sala de ensaio é um dos espaços mais fecundos para a pesquisa teatral. Digo, o desenvolvimento de qualquer conhecimento teatral depende da harmonia entre o que se investiga no campus e o que se experimenta no mundo.

 

 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Uma observação


Releio um livro por necessidade. Gosto de livros técnicos. Reassisto a um filme porque alguns me emocionam (o cinema como um todo). Revejo espetáculos teatrais por dois motivos: um deles é assisti-los até compreendê-los. O outro, é se o espaço em que eles são mostrados se altera: caixa cênica, espaço alternativo, rua. Isso, obviamente, quando tenho essa possibilidade.

Nestes dias consegui reassistir a dois espetáculo em São Luís. Um deles por ambos os motivos; o outro, somente por um. Fui surpreendido pelo óbvio: se comparadas, as apresentações, dos mesmos espetáculos, são diferentes.

Recuperei o que Marcelo F. sempre fala nos debates da Pequena Companhia: apresentamos o mesmo espetáculo em qualquer lugar que a gente possa ir. Iluminação, partitura corporal e vocal, cenografia, maquiagem... rigor.

Quando isso não ocorre, a apresentação fica comprometida. Todo o trabalho que a montagem exigiu com o objetivo do público compreender e decodificar os signos, fica nebuloso. 

Recupero aqui o nível de exigência e comprometimento que temos com a nossa arte: Temos a obrigação de assumir um pretenso profissionalismo e apresentar em qualquer espaço inadequado ou com o mesmo espírito só nos apresentarmos em condições adequadas para a fruição de nossa obra?

Como espectador, quero ver e compreender aquilo para o qual a arte fora elaborada. Como artista, quero que meu trabalho seja respeitado.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Entre luz e sombra

Em ritmo de férias acentuam-se os devaneios cotidianos que eu, presunçosamente, costumo catalogar, ora como pequenos ensaios, ora como croniquetas, ora como micro teses. Aproveito a Conexão Teatro para lembrar de uma perturbadora pergunta lançada em uma demonstração técnica que assisti na década passada e que fora oportunizada novamente no evento supracitado: quem são os seus mestres? Sempre tive inveja daqueles que têm a oportunidade de citar e enaltecer seus mestres. Artisticamente, fui nascido e criado em Balsas, no interior do Maranhão, na década de 80. Época sem internet, cidade sem livraria, sem universidade, sem teatro, sem cinema, sem arte – salvo a tímida resistência de manifestações culturais como o Reisado. Não tive mestres de teatro, e tive todos os que precisei. Aprendemos juntos, uns com os outros, o que ninguém sabia. Nesse caso, seriam meus mestres os livros? Se fossem, por consequência, poderia citar seus autores como tais, e eu teria o privilégio de ter mestres como Kantor, Barba, Grotowski, Artaud, mas não. Os ensinamentos que esses livros preconizavam não foram assimilados por mim como esses autores postularam. Eram apenas as tortas e trôpegas leituras que minha ignorância possibilitava fazer, desvirtuando totalmente seus objetos, objetivos e metodologias, contudo, era o que havia. As raras obras chegavam na mala de um primo, nos braços de um amigo, ou transviadas do seu caminho original e tratadas por nós como relíquias contrabandeadas de um mundo dito civilizado, ao qual não tínhamos acesso. Quando chegavam às nossas mãos obras como El Teatro de La Muerte, Hacia um Teatro Pobre, El Teatro y su Doble – todas versões castelhanas – um oásis parecia apresentar-se à nossa frente. Porém, o oásis era seco. Não havia mentor, um mestre que mediasse a leitura facilitando a compreensão dos dizeres. Tudo era um entender sem entender direito. Um estupro à teoria. Crueldade para nós era não haver universidade na cidade. Teatro pobre, para nós, era fazer teatro em uma cidade sem livrarias. Teatro da morte era sonhar em viver de teatro e saber que se morreria de fome. Oficina era a marcenaria do meu pai. Laboratório era o que se levava para a cena, e quem padecia com a experimentação era o espectador. Quando migrei para São Luís, mais de uma década havia caído desde o teatro de colégio, passando pelo teatro amador até receber minha primeira proposta profissional. O desastre já estava feito. Eu havia forjado uma maneira de lidar com o teatro, modelado um jeito de encenar, de fazer teatro; um jeito tosco, porém, autônomo – no melhor e pior sentido da palavra. Quando surgiu a oportunidade de conhecer meus novos mestres, eles me foram apresentados como pares, pelo simples fato de eu viver do ofício. Esse fator fizera com que as relações se estabelecessem horizontalmente. Quando digo que o mestre generoso é um eterno aprendiz, é porque a generosidade e humildade dos meus mestres me impediram de tratá-los como tal. Portanto, se eu tivesse que responder à pergunta eu diria, dissimulando certo constrangimento: meus mestres são os meus pares. Com eles aprendi tudo o que sei e aprendo tudo o que não sei. Companheiros, amigos, parceiros, irmão de arte. Atores, pesquisadores, diretores, produtores, dramaturgos, cenógrafos, iluminadores, teatrólogos, figurinistas, críticos, sonoplastas. Foi cada orientação generosa, cada papo interminável, cada imersão filosófica, cada crítica aguda, cada palestra oficina fórum ou acalorado debate que formaram o artista que sou. Sempre vampirizei meus achegados. Chupei cada gota de sangue no afã de suprir esse vazio deixado pela falta de uma formação com mentores. Penso que o vazio permanecerá. Uma eterna sensação de acefalia. Não me orgulho disso. Mas agradeço a cada um dos meus contrafeitos mestres que amenizam essa falta.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Ecos espontâneos continuam caindo...


Forte. Denso. Altamente reflexivo. Texto ótimo. Direção bem pensada. Cenografia (cenário e iluminação) trabalhada na sua essência, de forma que vocês podem apresentar em qualquer tipo de espaço. Atores com talento e técnica. Trabalho de corpo ótimo, mantendo a expressividade durante todo o espetáculo. Todo espetáculo e atores com embasamento teórico sobre o processo e “produto cultural”. Parabéns pela escolha desse tema através de Gabriel. Parabéns pelo trabalho.
 
Thyago Cordeiro
 
 
O texto de Marcelo Flecha no espetáculo "Velhos caem do céu como canivetes" me remeteu muito ao niilismo de Beckett, ao angustiante discurso "não resta nada a fazer" a este estado de sobreviventes que o homem contemporâneo está fadado como afirma o filósofo Giorgio Agamben, ou também como Pál Perbart diz que "estamos todos reduzidos ao sobrevivencialismo biológico. E estamos todos à mercê da gestão biopolítica, cultuando formas de vida de baixa intensidade, submetidos à mera hipnose, mesmo quando essa anestesia sensorial é travestida de hiper excitação. É a existência de Cyber Zumbis". Um espetáculo para refletir ... (busca o sentido do existir)
 
Cássia Pires
 

domingo, 12 de janeiro de 2014

Você sabia que...

... o espetáculo "Velhos caem do céu como canivetes" será apresentado novamente nesta quarta, dia 15/01, às 20h, na sede da Pequena Companhia de Teatro? A apresentação faz parte da programação da Conexão Teatro, promovida pelo bailarino Erivelto Viana, que apresenta uma plataforma para articulação entre fazer e pensar teatro no Maranhão e sua conexão com o Brasil. O projeto ocorre entre os dias 13 e 25 de janeiro, e é o terceiro encontro de artes (festivais, mostras etc.) em que o espetáculo "Velhos caem do céu como canivetes" participa, apesar da sua recente estreia. A entrada é gratuita, os ingressos limitados (50 lugares), e serão distribuídos uma hora antes do início do espetáculo, na sede da Pequena Companhia de Teatro, que fica na Rua do Giz (Vinte Oito de Julho), 295, na Praia Grande, centro de São Luís. A participação interrompe as férias da Pequena Companhia de Teatro, que participa da ação gratuitamente, por conhecer a escassez de recursos do projeto e acreditar na importância deste tipo de iniciativa para o desenvolvimento do fazer teatral maranhense. Como o recesso da Pequena Companhia de Teatro se estenderá até meados de março, esta é uma oportunidade imprevista de ver o espetáculo que recentemente ganhou o V Prêmio SATED-MA de Artes Cênicas, nas categorias de Melhor Ator, Melhor Diretor e Melhor Espetáculo. Confira a fortuna critica do espetáculo aqui e compareça!

domingo, 5 de janeiro de 2014

Retrospectiva 2013


O ano mal começava e a reforma da não sonhada sede – não tão precisa nem tão grande – intoxicava meu juízo com palavras como empreita, cimento, cal e a nova realidade que esse fato apresentaria ao nosso coletivo. Toda mudança é uma mudança. Mudamos. Estávamos no final de março e o dia 1° de abril se avizinhava com a promessa do início do processo de montagem de Velhos caem do céu como canivetes. Toda promessa é uma mentira enquanto o pagamento não a confirme. No dia da mentira, iniciávamos os ensaios. Promessa salvaguardada por um fato: a Pequena Companhia de Teatro não dependia mais de locar espaços para ensaios e apresentações. A montagem fora o principal desafio do ano e absorvera nossas maiores energias. Pessoalmente, credito a esta montagem nosso maior desafio criativo. Estreava em outubro, depois de seis meses de preparação. São Luís, Caxias, Balsas, Fortaleza dos Nogueiras e Imperatriz formaram o circuito da temporada de estreia estadual, com catorze apresentações e generosas críticas. Felizes por propiciarmos um espaço para a reflexão, avalio que acentuamos nossa condição de agente provocador no cenário artístico regional. Enquanto isso, Pai & Filho alargava sua trajetória circulando pelo interior de São Paulo, garças ao projeto Viagem Teatral, do SESI. A oportunidade de estar um dia no interior de São Paulo, com Pai & Filho, e outro no interior do Maranhão, com Velhos caem do céu como canivetes, aguçou a nossa percepção quanto à condição de miséria plena que assola nosso estado. Toda experiência artística é uma experiência de vida, e vivemos menos quando nos escondemos dentro do nosso gueto. Para mal ou para bem, o teatro é a nossa âncora e a nossa seta. O oxigênio sempre necessário veio com a participação no projeto Troca-troca no Nordeste, experiência de intercambio entre coletivos, promovido pela querida e parceira A Outra Companhia de Teatro, e a participação no 8° FENTEPIRA, na 8ª Aldeia SESC Guajajara de Artes e na Semana de Artes de Balsas. Um 2013 já agônico ainda guardaria uma surpresa: o resultado do Prêmio FUNARTE de Teatro Myriam Muniz nos contemplava com a possibilidade de manter nosso projeto de ocupação da sede para 2014, com o projeto Teatralidades. Temporadas do repertório, oficinas, fóruns e leituras dramáticas serão algumas das atividades oferecidas gratuitamente no ano que vem. Quando tudo parecia no fim, eis que o fim chega.  A Pequena Companhia de Teatro encerrava o ano com Velhos caem do céu como canivetes sendo o principal destaque no V Prêmio SATED-MA de Artes Cênica, com os prêmios de Melhor Ator (Jorge Choairy), Melhor Direção e Melhor Espetáculo. Melhor impossível. Um 2013 para não esquecer. Claro que esqueço de muita coisa. É para isso que escrevo. Para realçar a falta.