quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Eu, eu mesmo...

A improvisação, quer como espaço mental, método ou instrumento, reforça a ideia de efêmero existente no teatro enquanto teatro-vida. E a esse teatro é impossível dissociar o ator-encenador, enquanto artista responsável pela estética proposta e o espectador-atuante, num espaço teatral diferente dos teatros com palco italiano, em que as sensações são os detonadores da espontaneidade, que por conseqüência, leitmotiv para a improvisação. 


O homem, com suas inquietações, não poderá obter respostas, se não percorrer um caminho, tendo condições ou não, de consegui-las, pois o importante, para diminuir as inquietações, é caminhar, puro e simplesmente; movimentar-se. Seu duplo será eficaz nessa procura, nesse processo. É ele quem refletirá suas angústias, o provocador de atitudes, mesmo que elas sejam a recusa, o desvio do olhar. Não há condições, na contemporaneidade, de desistir do outro, pois que, desistir do outro é desistir de si. 

O teatro-vida precisa do espectador, mas não aquele que, vicariamente, se realiza através da catarse. E esse processo é, também, referenciado no ator. Então, na mudança de postura e de atitude frente às inquietações é que se fará um espetáculo teatral de ator, em que o espaço teatral aciona o espectador-atuante para viver.

Hoje, no teatro que faço, incorporo isso. E isso é bom, mesmo eu não sendo um cristão.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Livro (-me)

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O convite
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Chegou. O livro Cinco Tempos em Cinco Textos está na minha mão. Agora deu. Fu#@u. Dia sete de janeiro vamos fazer o lançamento na Oficina Escola – aquele prédio da Praia Grande onde aconteceu o Salão de Artes. A ideia é passar uma noite agradável com amigos, tentando entender o que é esse momento de publicar uma obra. Vamos nos divertir vendo Jorge e Cláudio ler um dos textos, fazer os convidados participar de intervenções urbanas, tocar, cantar, tomar um vinho, comer um queijo. Nada de mesa para autógrafos ou discursos. Vamos celebrar. Quem receber o convite impresso terá direito a um exemplar do livro. Quem não receber vai comprar e ajudar um autor a não morrer de fome. Até lá vou ficar jogando algumas informações por aqui. Acompanhem.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Reconhecimento, fama e fortuna

Ser artista. Dizer-se um requer certo estofo. Eu cá sempre tenho minhas dúvidas sobre ser artista, sobre o que produzo ter qualidade, sobre estar satisfeito com tudo o que me cerca e me alimenta. Existem duas referências possíveis para que eu me questione ou não: o que vem de dentro e o que vem de fora. Quando alguém diz que gostou do meu trabalho, preciso crer, inicialmente, que essa pessoa está sendo sincera. Acredito na humanidade, mas dizem que pessoas adoram mentir, fazer fita. Quanto sinto uma satisfação ela é sempre sensorial, e mesmo que haja interferências externas, sou eu e meu universo que dizem que estou bem. Sempre é muito pessoal. Já ouvi muita coisa e algumas delas mexem um pouco comigo, fazem com que eu aguce algumas partes adormecidas ou esquecidas, como a necessidade de reconhecimento e do vil metal.

Nunca saberei se estou no caminho ideal. Posso saber se o que faço me satisfaz e seduz, as motivações de continuar ou alterar o ritmo do caminhar. Tudo continua muito subjetivo; as interferências são sempre diferentes, e as conclusões serão sempre passíveis de amparo.

Eu sou um tolo, e já me convenci disso. Gosto de sê-lo. Assim, posso falar besteiras, ser ridicularizado, perdoarem-me por dizer/fazer tolices. 

O homem comum fala, o sábio escuta, o tolo discute, já dizia um provérbio oriental. 

Sou ocidental. Das duas, uma: ou sou homem comum, ou sábio. Com medo de errar, vou ficar com a segunda opção.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Diários, semanários, mensários, anuários...

por Kafka
por Kafka
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Como Brecht e Cairo, há alguns anos trabalho com diários. Utilizo este instrumento para pautar minhas ações. Toda atividade artística é acompanhada por apontamentos, relações, observações, rotinas – manuscritos que geram um banco de dados para posterior consulta. Entre esses escritos é inevitável que escapem alguns pensamentos... Colhi três que aqui transcrevo:

“... Poupo meus não filhos do conflito com o paterno, com a fúria do ser descendente. Poupo meus não filhos da dor de nunca se ser sem ser imagem e semelhança. Poupo meus não filhos de terem que se esquivar de si na busca da perfeição prometida. Poupo meus não filhos de viver.”

“... Entre lados estou seco. Paredes de solidão. Só batem à porta os deuses. Os semideuses invadem as moradas dos mortais fazendo a festa dos pecadores. Solitário, esfrego minhas mãos à espera. Gotas pingam em gotas. Entre elas as luzes se entendem. Eu não entendo. Desvio a vela e sopro para outro norte mais desnorteado do que outrora. Desapareço de mim e fim. O fim é. Na esfera do absoluto tudo está contido. Em mim, o ser, não é.”

“... Ultimamente tenho a impressão de que todas as retas estão tortas. Minha visão entrega sinuosidade em qualquer estrutura linear. Vejo as curvas tortuosas de toda régua construída para alinhar. As linhas dos cadernos parecem leitos de rios onde minha caneta navega tentando não colidir com as margens...”

Dias
08 de novembro e 12 de dezembro transcrevi outros. E assim vão passando os dias, os meses, os anos... dia 07 de janeiro se aproxima... aguardem novidades... e não guardem segredos.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O artista, os editais, a estabilidade, a efemeridade e o teatro

Lesados, do Grupo Bagaceira

Somos um grupo que adora editais. Nada mais democrático para distribuir recursos e bens, principalmente quando acreditamos que a cultura deve ser subsidiada pelos entes públicos.

Somos um grupo que aprova projetos em editais e ao mesmo tempo, um grupo que não aprova projetos em editais. É que editais dão em árvore. Nossas angústias, idem.

Comumente, Marcelo F. tem encaminhado mensagens pela internet me dando conta dos projetos encaminhados e não aprovados pela Pequena Companhia de Teatro. Eu estou indo morar em São Luís no próximo ano. Do que viver?

Meu pensamento...

[agora estou me viciando. Quando não estou pensando em nada, fico contando mentalmente. Reflexo da academia, dizem]

...não dá para pensar em viver só de editais, isso seria uma espécie de estabilidade que não deveriam provocar, pois eles são públicos, e não de poucos. Como funcionalismo público, um acomodar-se sem igual. Teatro na adversidade... morrerei de fome... não será a primeira vez; possivelmente nem a última.

Minha realidade diz que o teatro me faz vivo, e comungo de um sacrifício incondicional sobre esse labor. Um vigor é perceptível quando a maré sobe, quando o mar fica revolto. A gente não dorme. Sinto-me vivo... em cena.

Faz tempo que não atuo... sinto-me morto.

domingo, 12 de dezembro de 2010

... de véspera!

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Permitam-me outra liberdade poética. É que amanhã, definitivamente, o livro estará a caminho da impressão. O dia que antecede um dia como esse foi descrito por mim outrora:
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“Hoje o dia não tem número. É incontável. O tempo existiu sem matemáticas conferências. Apenas um dia passou. Eu passei com ele. Estou, um dia, envelhecido. Um “um” não numérico. Um “um” abstrato, onomatopeico, fechado em tempo. Incontestável. Setas, no relógio sem ponteiro, mostram que sobrevivi. Vivi sem saber que vivia. Revivi sem antecedentes. Desviei dos pormenores para pôr menores atos sobre a mesa. Degustei cada um deles sem me engasgar e digeri ações inesperadas. O homem – posto no tempo oposto à sua ruína – correr a favor do tempo. O fim do dia salva. Outros dias virão e se encaixarão no calendário e somar-se-ão aos outros e, contados, engordarão os séculos: mas este permanecerá suspenso no tempo à espera. O dia anterior ao fracasso é sempre um bom dia. O melhor dia.”

sábado, 11 de dezembro de 2010

No forno


Nesta segunda-feira o livro Cinco Tempos em Cinco Textos, dramaturgia reunida de Marcelo Flecha, será encaminhado para a impressão na Halley Gráfica e Editora. O livro, uma realização da pequena companhia de teatro, tem o patrocínio do BNB e do BNDES através do Programa BNB de Cultura e o apoio cultural do SESC – Maranhão.

A publicação concentra em um volume cinco textos teatrais: Distorções de um dia interminável, Memórias de um mau-caráter, Dois, Privada e Clausura. Sobre o livro, Fernando Yamamoto, diretor do grupo de teatro Clowns de Shakespeare, diz: “... Outro aspecto instigante destas peças aqui apresentadas é a falta de compromisso com uma linha estilística. Flecha transita por referenciais dos mais diversos; ao lermos suas obras, é inevitável passearmos pela ausência de perspectiva beckettiana, pela crueza de Plínio Marcos, pelo niilismo da incursão teatral de Pablo Picasso em seu O Desejo Pego pelo Rabo, o distanciamento ácido brechtiano e, até mesmo, a aproximação ao teatro contemporâneo argentino – fazendo jus às suas raízes – de Daniel Veronese e seu coletivo El Periférico de Objetos...”

Breve nas melhores livrarias.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Diálogo da dança com o teatro

O ator, em situação de representação, necessita de outros elementos, que não o texto dramático, para compor a cena. "Dizemos que essa maneira particular de construção da cena e da personagem é uma maneira não interpretativa de representação", já que "a interpretação está intimamente relacionada com o texto dramático", o que não inviabiliza a utilização do texto em dado momento do treinamento, mas ele não servirá de matriz para a cena. É fundamental que neste momento inicial o ator esteja somente, e tão somente, com seu corpo e com a carga de informação que é inerente ao seu existir. 

Entretanto, esse desejo de usar o corpo para expressar/dizer algo “não determina o que ele deve fazer, os procedimentos que adotará. A expressão do ator, de fato, deriva — quase apesar dele — de suas ações, do uso de sua presença física. É o fazer, e o como é feito, que determina o que um ator expressa". Isso ocorre tanto na dança, como no teatro — obviamente, na visão de um dançator. 

Como improvisação, a dança no teatro pode vir a funcionar como processo para a composição ou enquanto instrumento em cena. A bem da verdade, ela já vem sendo utilizada em quase todos os processos de composição do ator. O diferencial, talvez, seja que ela está diluída, dessacralizada por constituir matéria de dançarinos/bailarinos — visão equivocada e que o autor desta postagem discorda. 

Os mecanismos de análise do movimento coreográfico, como o croqui e o storyboard devem ser utilizados para o ator-compositor ou ator-performer, além do chamado diário-de-bordo, para consubstanciar seu processo criativo e de significação, muito mais do que o vídeo, pois esse último tem uma visão limitada se comparado à planta-baixa. 

As matrizes utilizadas no início do processo devem ser experienciadas ao extremo para que despertem o processo criativo, e transformem os movimentos corporais em expressividade para a cena. 

Da mesma maneira que no teatro se utiliza de elementos pré-expressivos, a dança também o faz. Não esqueçamos que tudo faz parte de um único treinamento, que coloca o ator-dançarino em prontidão. Não que eu esteja dizendo que o trabalho com as danças de salão estejam na pré-expressividade, não. Ao contrário, é exemplo de treinamento expressivo. Falo dos alongamentos, que diferem, em muito, dos praticados pelos atores em teatro, pelos atletas em academias. Os propostos ampliam o corpo no espaço, conscientizam a musculatura de forma mais expressiva, interferindo, sobremodo, na fluidez, nas estruturas espaciais e nas dinâmicas. 

domingo, 5 de dezembro de 2010

O Papel do cru na pequena companhia de teatro


“...Cru. A encenação deve conter a crueza do ser. O não cozido. O natural, sem precisar ser naturalista. O rude, porém, espontâneo. O ser, só. Uma estética sem temperos ou preparos excessivos que cozinhem o ator deixando-o pronto para a degustação. Encenação indigerível, não degustável para aqueles que perderam o contato com o inigualável sabor do cru. Arte vendida em lata tem data de validade. Vence. Apodrece. A encenação pronta para o consumo padece.”

Este fragmento do Manifesto Danado, escrito para a estreia do espetáculo Deus Danado em Mossoró, sintetiza o conceito da crueza. Quando a pequena fala em cru, quer dizer da não diluição das percepções. Não falamos apenas da estética, falamos da encenação como um todo. De não facilitar para o espectador. Os materiais trabalhados e a crueza do acabamento reforçam isso. Exige do espectador uma disposição para a leitura. Uma disposição para a compreensão além do óbvio. Quando Deusdete Dias, membro da Nação Acadêmica De Artes (N. A. D. A.), pergunta sobre os livros de Pai & Filho toca no ponto. O papelão está aparente, cru, tosco. É o trabalho do ator e a disposição do espectador que transformam aquele amontoado de papelão em elementos vivos da narrativa. Já a crueza da representação dos atores escapa ao naturalismo. Exige do espectador um olhar não televisivo. As personagens nunca são aquelas do cotidiano. São seres ampliados, cuja lente de aumento revela as imperfeições, não só da alma, mas do corpo. Em outro fragmento o manifesto diz: “... Evitemos o desperdício do tempo alheio com obviedades, com composições televisivas, com burocracia cênica.” Evitemos. Ofereçamos ao espectador um novo desafio a cada encenação. Não deixemos que a “zona de conforto”, de que tanto fogem os artistas, caia no colo do espectador, aquele que é o destino final da arte, queiramos ou não.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Eu me manifesto


O teatro não é casa de ninguém. Não há ditadura do texto, do cenário, da indumentária, da estética da fome de um povo secularmente faminto por manifestações do seu próprio ser, tão pouco a ditadura do corpo que se molda. Teatro não precisa ser conflituoso ao extremo. O conflito é interno, o expectador é o seu próprio ator-autor-encenador. A exigência da existência do teatro deixou de ser a catarse. Ele é visceral. Não é ator sem órgãos, mas sim como potência de ser preenchido esse vazio. Quando se diz sem órgãos evita-se pensar no vazio enquanto potência. Ela vem daquilo que o ator-compositor-dançarino-encenador-performer-expectador exerceu, viu, experienciou em todos os minutos desta vida, da vida de seus pais, de seus avós, de seus ancestrais. São essas referências que interferem nesse espaço vazio que jamais será preenchido. E é essa insaciedade que fará o teatro crer ser vida, gênero de primeira necessidade. O pão deixará de ser posto à mesa para ser devorado, consumido nos palcos existentes no interior e fora de nós. Essa percepção do teatro-vida existirá quando o espaço-vazio possível, dos que fazem,  for povoado de matizes coletivas que exercerão uma espécie de transe àqueles experienciadores devidamente fisicizados  participarem e se sentirem pertencentes à não-ação. Teatro é ação na não-ação. O não-conflito existente no conflito. Teatro-vida é anterior ao teatro; anterior à ação. A força motriz, a energia vital, o impulso, essa sensação de virilidade, da protuberância entre as pernas juvenis é o teatro que se mostra capaz de ser potência criadora. O não, existente em uma boca carcomida pelo tempo, pela técnica apurada, pela virtuose, será ineficiente sempre. O hoje se efetiva na improvisação enquanto instrumento, na essência das coisas. O que fica, fica. O que se dilui, se dilui. Teatro é efêmero, surge da necessidade de incorporar a ineficiência divina. A performatividade é inerente ao teatro do ator solitariamente completo, pois que ele sempre permanecerá sendo parte. Parte daquilo que se constrói, buscando destruir sempre. Remodelar, reformular, nunca! Construir para destruir, sempre! A saída deixa de ser uma porta entreaberta para ser paredes sólidas e flexivelmente leves,  com asas...