domingo, 18 de outubro de 2015

Estética profética para um mundo pré-apocalíptico


Papelão, rolha, jornal, lixas,  madeiras de descarte, lâmpadas caseiras,  banners, latas de refrigerantes, tubos e cones de papelão, sucata de ferro, CDs, cintos, ventilador, carreteis, plástico, estrela do PT, resíduos de cobre, pingômetro, linha, refletor de jardim, molduras, carcaça de vitrola, vela, tesoura da dona Zilma, couro, para-brisas de carro, cabos de vassoura, panelas, porta, embalagem de cigarro, latas de conserva, papel de imprensa, farol, tecidos, presente da Sílvia, penas, sacos de sapatos, tábua de carne, resíduos elétricos, faca de açougue, arame, agulhas, colares, colheres de pau, porta partitura, fios de nylon,  sem contar os inomináveis penduricalhos das caixas de som do ser humano – personagem da nossa última montagem.

Todos esses materiais estão contidos nas cenografias e iluminações de “Velhos caem do céu como canivetes” e “Pai & Filho”, nossos últimos espetáculos, que permanecem em repertório. Alguns desses elementos você não consegue identificá-los, não os reconhece, e é esse o nosso proposito estético quando desenvolvemos nossos cenários e iluminações. Esses elementos encontram-se, mesmo aparentes, ressignificados em seus dizeres, e tentam auxiliar as personagens nas suas narrativas. Revelar a cênica ocultando a matéria-prima é a finalidade da estética – parafraseando toscamente Oscar Wilde.

A palestra “Desconstrução estética de uma companhia”, que passaremos a oferecer junto com a circulação dos nossos espetáculos, na última apresentação em cada cidade, enquanto acontece a desmontagem de cenário e luz, busca aproximar o espectador especializado das tecnologias desenvolvidas pela Pequena Companhia de Teatro para formar seu arcabouço cenográfico (a partir de materiais recicláveis) e de iluminação (a partir de fontes luminosas de baixo consumo). Nela o espectador poderá não só dialogar sobre o nosso processo, mas principalmente manipular elementos, tocar texturas, descobrir efeitos, questionar soluções, e aprofundar o debate sobre os motivos das escolhas estéticas para os dizeres artísticos.

Paralelo às questões artísticas – absolutas e primordiais na escolha dos materiais –, a formatação da palestra e a lida com essa inúmera quantidade de resíduos tem me provocado a reflexão quanto ao que, efetivamente, precisamos para viver, e o quanto vamos somando proporcionalmente ao que vamos descartando. O consumo é o grande conceito a ser problematizado na contemporaneidade, e o teatro pode ser um instrumento de exposição do nosso desperdício.

Caberia apenas incorporar um conceito sustentável. Para se construir uma encenação a partir de elementos residuais não é necessário incorporar uma estética suja, feia, pensada como lixo, fedor, decadência. A sociedade atual oferece a variedade de resíduos e descartes que o espetáculo demandar, sempre e quando se tenha o olhar atento para o entorno, e um diálogo permanente com a cidade que nos abriga. Quer madeira? Tem. Quer plástico? Tem. Quer ferro? Tem. Quer papel? Tem. Quer dióxido de silício? Tem.

Sem contar o auxílio na viabilidade financeira. Quantos grupos de teatro hoje esbarram em orçamentos estratosféricos para a confecção de cenografia e aquisição ou locação de iluminação, sem perceber que há um entorno pulsante oferecendo-se para o usufruto? Basta estabelecer uma visão estratégica, identificação e catalogando os locais e ciclos de descarte das mais diversas matérias-primas disponíveis na cidade, o armazenamento exclusivo dos materiais mais raros, o passeio esporádico para identificar novas fontes, e o cuidado para não se tornar um acumulador compulsivo – etapa mais difícil da empreitada. Com esse simples procedimento chega-se a uma economia em torno de 80% do valor final das despesas com recursos materiais de qualquer encenação. Sustentabilidade e economia, em um só procedimento. Como sei disso? Em maior ou menor escala, essa vem sendo a nossa prática nos últimos dez anos.

domingo, 4 de outubro de 2015

A Pequena na Semana do Teatro no Maranhão


Aposto que você não sabia que a Pequena Companhia de Teatro, direta ou indiretamente, esteve presente nas nove edições da Semana do Teatro no Maranhão? Nem eu, até parar para pensar no assunto, depois de recusar um convite que me foi feito.

Criamos a Pequena Companhia de Teatro um ano antes do surgimento da mostra maranhense, e de lá para cá, vimos mantendo um diálogo fluido com o evento, diversificando nossa participação ora com espetáculos, ora com palestras, música, oficinas, encontros, e percebo que nossas histórias se confundem, assim como se confundem com as histórias dos poucos que se mantiveram fazendo teatro durante a última década.

Tentando fazer memória, e já sabendo que vou me equivocar, suprimir, inverter, trocar ou delirar, segue uma possível sequência da nossa participação, esperando que o leitor mais atento me ajude a corrigi-la através de comentários aqui no blog:

I (2006) – “O acompanhamento”, de Carlos Gorostiza, espetáculo da Pequena Companhia de Teatro, estreado em 2005.

II (2007) – “O segredo do labirinto”, de Lio Ribeiro, espetáculo-solo com Cláudio Marconcine, e “Memórias de um mau-caráter”, de Marcelo Flecha, monólogo com César Boaes e direção de Urias de Oliveira.

III (2008) – “Deus danado”, de João Denys, espetáculo da Cia. A Máscara de Teatro, dirigido por Marcelo Flecha.

IV (2009) – "Interstício", de Márcio Gledson, Cláudio Marconcine e Rummenigge Medeiros, espetáculo-solo com Cláudio Marconcine, e festa de confraternização, com o DJ Jorge Choairy.

V (2010) – “Entre laços”, de Gilberto Freire de Santana, espetáculo da Pequena Companhia de Teatro, estreado em 2009.

VI (2011) – “Pai & Filho”, de Marcelo Flecha, espetáculo da Pequena Companhia de Teatro, estreado em 2010.

VII (2012) – Mesa de debate “Dramaturgia Maranhense – Desafios da publicação”, com Marcelo Flecha.

VIII (2013) – “O Quadro de Antagônicos como instrumento de treinamento para o ator”, oficina da Pequena Companhia de Teatro.

IX (2014) – “Velhos caem do céu como canivetes”, de Marcelo Flecha, espetáculo da Pequena Companhia de Teatro, estreado em 2013.

Dessa década de encontros e desencontros só guardo uma única magoazinha. Minha montagem de Medeia, com a Cia. A Máscara, de Mossoró, foi preteria em uma dessa edições, e a única cidade maranhense que teve a possiblidade de ver o espetáculo foi Imperatriz. Uma pena, pois meu pai dizia que era muito boa.

Durante esses dez anos venho acompanhando os caminhos e descaminhos da mostra. Passaram governos, comissões, protestos, patrocinadores, gestores, formatos, mas nós não. Estamos aqui, fazendo teatro. Não fosse isso, a mostra mostraria o quê?

A semana sobreviveu graças ao seu principal sustentáculo que alicerça qualquer festival, mostra ou encontro teatral: o trabalho ininterrupto dos poucos fazedores de teatro que existem no Maranhão. Quantos ficaram pelo caminho? Quantos novos gênios nasceram e morreram de uma mostra para outra? Quantos venderam seu sonho por patacas? Onde você estava em 2006, em 1996, em 1986?

Agora a Semana chega a uma dezena de edições, após sérios riscos. Andou trôpega, cambaleante, mas hoje se firma com data, edital e orçamento.  Ao governo que dá os primeiros passos na construção de um estado melhor para todos, sugiro não perder de vista o barro que constrói o evento, pois sei que a Pequena Companhia de Teatro sobreviveria sem a Semana do Teatro no Maranhão, só não sei se a Semana sobreviveria sem grupos de teatro.

Medeia, um fragmento