A falta de reflexão crítica
é o principal fator que amarra o desenvolvimento da cena teatral maranhense.
Falo da nossa aldeia por não possuir nenhum fundamento para alargar a análise
além das fronteiras do nosso umbigo. Nossa produção só adquirirá uma potência
que extrapole as fronteiras do nosso estado quando tivermos condições de
enxergar a nossa mediocridade e, a partir desse exercício, provocar nossa
criatividade na busca da excelência que o teatro exige, pois, arte não admite
meio-termo.
Nossa dificuldade em lidar com
a crítica (tomo o termo em sentido único, pois não acredito em crítica
destrutiva, por menos favorável que ela seja) vem entorpecendo a análise de
nossa produção. E assim, fomos nos tornando uma classe corporativa, onde
elogios superficiais abundam e tudo o que vemos é genial – mesmo que uma
simples virada de costas desconstrua a opinião inicial, e retornemos para o
nosso ego vociferando a real opinião.
Se você precisar de um
companheiro para admitir, eu ajudo. Desde minha adolescência venho lutando com
a dificuldade de assimilar as críticas no que se refere ao meu fazer teatral,
e, frequentemente, me observo estruturando um discurso de compreensão para
abafar minha dolorosa labuta com esse exercício. Por quê? Porque alguns artistas
(estou lhe dando a chance de se isentar) lidam com o fantasma da mediocridade,
a pretensão da genialidade, com a vontade de estar fazendo algo relevante, com a
utopia de mudar o mundo. Só consegui começar a entender a função das críticas
quando comecei a admitir os meus fracassos. Ainda estou tentando.
Nós temos a liberdade de
fazer uma reflexão crítica sobre o trabalho de algum colega e expô-la sem constrangimento?
Estamos preparados para ouvir uma reflexão crítica do nosso colega e recebê-la
sem constrangimento? Arrisco a dizer que não, e, por isso, ouvimos, repetimos e
institucionalizamos os acenos de parabéns, bravos e uhus. Maravilhoso, genial e
fantástico também são adjetivações comuns. Menos. Enxerguemos o lugar do teatro
maranhense na cena teatral brasileira dos últimos trinta anos e perceberemos
que nosso autoelogio não contribuiu em nada para o amadurecimento do nosso
fazer.
Hoje escrevo no contexto do
FestLuso – Festival de Teatro Lusófono, em Teresina, dentro do NORTEA – Núcleo
de Pesquisadores Teatrais do Nordeste, fórum propício para oxigenar o
pensamento, para exercitar a humildade, para identificar nossas falências, para
tentar entender nosso lugar na cena, para perceber a nocividade da vaidade
artística – tema da minha próxima postagem. Aqui, o exercício da reflexão
permanente se estabeleceu, propiciando-me o tempo e a distância necessária para
enxergar o óbvio.
Não saberia diagnosticar por
que nos tornamos essa fonte inesgotável de hipocrisias. Só tenho suspeitas. A
primeira passa pelo afeto. Ao não estar preparado para sofrer críticas (a
utilização do verbo sofrer não é gratuita) nos precavemos elogiando os nossos
pares, por receio de que o efeito desta seja o mesmo que sentimos quando criticados,
e com isso, deixamos de estabelecer parâmetros reflexivos para o artista que
espera (ou deveria esperar) a verdade do nosso olhar perante a obra
apresentada.
Precisamos admitir isto,
sobre pena de cairmos no ostracismo artístico, retroalimentando nosso
egocentrismo. Quem de nós já teve a coragem de dar, sem receio, uma opinião
verdadeira perante o olhar afetuoso, fraterno e esperançoso do artista amigo que
a espera, como se esta fosse a sentença definitiva para a obra em questão?
Reflexão crítica, opinião, ponto de vista, impressão: é apenas isso. O meu
olhar não refletirá a verdade, mas a negação de um olhar verdadeiro refletirá
na trajetória do espetáculo, pois, o silêncio esconderá o contraponto necessário
para os vivas, aplausos e loas.
Precisamos ser mais amigos. Mais
sinceros. Mais delicados. Mais dedicados. Precisamos entender que a arte não resiste
sem verdade, e que a verdade é fundamental para a análise de qualquer obra,
pois os diversos e múltiplos olhares ajudam a reorganizá-la. Não é possível que
sejamos assim com nossos amigos. Digamos a verdade, ou admitamos que não
estamos em condições de dizê-la pelo envolvimento afetivo com o interlocutor. Desconfiemos
se só ouvimos elogios. Cobremos a honestidade dos próximos, dos pares.
Mesclo a condição de artista
e espectador propositadamente, pois em um estado onde não há reflexão crítica
formal, onde os meios de comunicação só se dedicam a reproduzir releases, nós
cumprimos essa dupla função, mesmo que a contragosto. A recente passagem de
Beth Néspoli e Kil Abreu pela Semana do Teatro no Maranhão foi fundamental para
sinalizar os caminhos de uma reflexão crítica delicada, produtiva, atenta,
dedicada; contudo, conseguimos perceber a importância e reavaliamos nosso
posicionamento quanto à forma de receber diferentes opiniões? Espero que sim.
Espero que eu esteja totalmente errado, que seja o único que tenha dificuldade em
lidar com críticas, que seja o único que omita sua real opinião, que a
realidade da cena maranhense seja apenas um problema sócio-político-cultural, e
não tenha nada a ver com falta de autocrítica. Tomara. Dessa maneira, bastaria
me banir e todos viveriam felizes para sempre.