domingo, 11 de junho de 2017

Teatro de grupo, IDH e um país desgovernado


Semana passada encerrei minha participação no SESC Dramaturgias, nas cidades de Caxias/MA, Vitória/ES e Maceió/AL, com uma oficina de escrita dramatúrgica, sobre a qual versei muito por aqui. Foram dois meses, entre idas e vindas, e cento e duas horas de atividade, onde facilitei a forma de adaptação aplicada pela Pequena Companhia de Teatro nos seus últimos dois espetáculos, e no próximo, que está em gestação.
Coincidentemente o projeto me levou para as Alagoas, e não menos coincidiu a conversa com um amigo sobre os índices de desenvolvimento humano do país. Dando uma pesquisada virtual, qual foi a nossa surpresa – leia um texto sobre ironia aqui – ao constatarmos que Maranhão, Piauí, Pará e Alagoas encabeçam o ranque dos piores IDHs brasileiros. A conversa nada teria de singular, não fosse o momento de reflexão em que me encontro e a dificuldade do país de se encontrar.
Como um grupo de teatro maranhense – que decidiu atuar em um país que sinaliza com o desmanche da cultura como estratégia de progresso – sobreviverá nos próximos anos estando na periferia do desenvolvimento humano, na vanguarda do atraso, no fim da fila na lembrança dos eixos hegemônicos que controlam a cultura do país?
Esse é o desafio atual da Pequena Companhia de Teatro, que atende pelo apodo de visão estratégica – a ser desenvolvida na busca de opções além do óbvio, fora da curva; alternativas que atravessem os mecanismos da nossa expertise e desemboquem em soluções menos ortodoxas.
Até aqui, a sensação é a de que são apenas palavras bonitas. Um indivíduo, um corpo, uma célula, não sobrevive sem o seu entorno, por mais visão estratégica que tente desenvolver. Qualquer lógica individual sempre será moldada, afetada ou massacrada pelo coletivo, pelo país que habita, pelo sistema que a governa, pela esfera onde circula. É impossível ser criativo se o modelo de gestão entende a cultura como mercado enquanto o criador entende como instrumento de transformação sócio-político-cultural a longo prazo.
Uma diretriz nossa, que norteou a trajetória da Pequena desde sua fundação, foi a de entender o grupo inserido na produção do país, extrapolando as fronteiras da província, pois a interlocução apenas com o nosso estado não seria suficiente para garantir a nossa sustentabilidade criativa, financeira e dialógica. É essa certeza que acentua o nosso desafio quando entendemos que estamos inseridos em um estado de origem pouco acessado como referência de produção teatral, reflexo naturalmente do contexto social que indica o índice que mencionei acima.
Essa triste realidade é comprovada pela nossa própria trajetória, quando fomos o primeiro grupo maranhense a participar de diversos projetos, chamamentos, festivais e editais – inclusive agora, quando finalizo o SESC Dramaturgias como o primeiro maranhense a participar do projeto como facilitador –, fato que devia nos orgulhar, mas que na verdade aponta para a dificuldade de penetração da produção teatral e do pensamento artístico maranhense na cena brasileira.
Exponho essa condição por saber que há inúmeros grupos de teatro pelo país tentando resolver a mesma equação e achando ser o único que está pensando nisso. O que talvez difira da nossa condição seja a posição que ocupa o estado desses grupos no ranque do IDH. Quando o índice de desenvolvimento humano é tão precário, a possibilidade de um olhar mais atento, mais inteligente, mais delicado para com as artes é quase inexistente, pois, as prioridades se acavalam galopantes diante da nossa miséria. Por consequência, conseguir os holofotes do Brasil além de degolas, lagoas, capitanias hereditárias e bumba-meu-boi é uma tarefa hercúlea.
O problemático é saber que dependemos disso. A Pequena Companhia de Teatro não sobrevive sem o Brasil, e o Brasil de hoje está encarregado de exterminar a Pequena Companhia de Teatro e todo e qualquer grupo de teatro do país. O que dá maior ou menor resistência a esses grupos é o índice de desenvolvimento humano do estado de origem. As dificuldades são as mesmas, mas um coletivo que opera em um estado mais desenvolvido e, por consequência, com maior poder hegemônico, naturalmente estará mais próximo do foco daquele holofote, sobrando para nós a penumbra, e a esperança de que os responsáveis pela direção do olhar o ajustem para a sombra, como aconteceu na última década.
Nada trago de novo que não haja vivido nestes quase trinta anos de fazer teatral. A diferença é que durante essas três décadas transitei pela impossibilidade de viver de teatro, pela esperança de que fosse possível, até desembarca na realidade de viver do ofício sem a necessidade de forjar outro ofício complementar que legitimasse o primeiro. Agora, enquanto espremo meu juízo na busca de alternativas estratégias, fórmulas escalafobéticas, mirabolâncias engenhóticas, suspeito ter caído no conto do vigário. Os onze anos de trajetória ininterrupta da Pequena Companhia de Teatro se contrapõem a essa suspeita.