Semana passada encerrei
minha participação no SESC Dramaturgias, nas cidades de Caxias/MA, Vitória/ES e
Maceió/AL, com uma oficina de escrita dramatúrgica, sobre a qual versei muito por
aqui. Foram dois meses, entre idas e vindas, e cento e duas horas de atividade,
onde facilitei a forma de adaptação aplicada pela Pequena Companhia de Teatro
nos seus últimos dois espetáculos, e no próximo, que está em gestação.
Coincidentemente o projeto
me levou para as Alagoas, e não menos coincidiu a conversa com um amigo sobre
os índices de desenvolvimento humano do país. Dando uma pesquisada virtual,
qual foi a nossa surpresa – leia um texto sobre ironia aqui – ao constatarmos
que Maranhão, Piauí, Pará e Alagoas encabeçam o ranque dos piores IDHs
brasileiros. A conversa nada teria de singular, não fosse o momento de reflexão
em que me encontro e a dificuldade do país de se encontrar.
Como um grupo de teatro maranhense
– que decidiu atuar em um país que sinaliza com o desmanche da cultura como
estratégia de progresso – sobreviverá nos próximos anos estando na periferia do
desenvolvimento humano, na vanguarda do atraso, no fim da fila na lembrança dos
eixos hegemônicos que controlam a cultura do país?
Esse é o desafio atual da
Pequena Companhia de Teatro, que atende pelo apodo de visão estratégica – a ser
desenvolvida na busca de opções além do óbvio, fora da curva; alternativas que
atravessem os mecanismos da nossa expertise e desemboquem em soluções menos
ortodoxas.
Até aqui, a sensação é a de
que são apenas palavras bonitas. Um indivíduo, um corpo, uma célula, não
sobrevive sem o seu entorno, por mais visão estratégica que tente desenvolver.
Qualquer lógica individual sempre será moldada, afetada ou massacrada pelo
coletivo, pelo país que habita, pelo sistema que a governa, pela esfera onde
circula. É impossível ser criativo se o modelo de gestão entende a cultura como
mercado enquanto o criador entende como instrumento de transformação sócio-político-cultural
a longo prazo.
Uma diretriz nossa, que
norteou a trajetória da Pequena desde sua fundação, foi a de entender o grupo
inserido na produção do país, extrapolando as fronteiras da província, pois a
interlocução apenas com o nosso estado não seria suficiente para garantir a
nossa sustentabilidade criativa, financeira e dialógica. É essa certeza que
acentua o nosso desafio quando entendemos que estamos inseridos em um estado de
origem pouco acessado como referência de produção teatral, reflexo naturalmente
do contexto social que indica o índice que mencionei acima.
Essa triste realidade é
comprovada pela nossa própria trajetória, quando fomos o primeiro grupo
maranhense a participar de diversos projetos, chamamentos, festivais e editais
– inclusive agora, quando finalizo o SESC Dramaturgias como o primeiro
maranhense a participar do projeto como facilitador –, fato que devia nos
orgulhar, mas que na verdade aponta para a dificuldade de penetração da
produção teatral e do pensamento artístico maranhense na cena brasileira.
Exponho essa condição por
saber que há inúmeros grupos de teatro pelo país tentando resolver a mesma
equação e achando ser o único que está pensando nisso. O que talvez difira da
nossa condição seja a posição que ocupa o estado desses grupos no ranque do
IDH. Quando o índice de desenvolvimento humano é tão precário, a possibilidade
de um olhar mais atento, mais inteligente, mais delicado para com as artes é
quase inexistente, pois, as prioridades se acavalam galopantes diante da nossa
miséria. Por consequência, conseguir os holofotes do Brasil além de degolas,
lagoas, capitanias hereditárias e bumba-meu-boi é uma tarefa hercúlea.
O problemático é saber que
dependemos disso. A Pequena Companhia de Teatro não sobrevive sem o Brasil, e o
Brasil de hoje está encarregado de exterminar a Pequena Companhia de Teatro e
todo e qualquer grupo de teatro do país. O que dá maior ou menor resistência a
esses grupos é o índice de desenvolvimento humano do estado de origem. As
dificuldades são as mesmas, mas um coletivo que opera em um estado mais desenvolvido
e, por consequência, com maior poder hegemônico, naturalmente estará mais
próximo do foco daquele holofote, sobrando para nós a penumbra, e a esperança
de que os responsáveis pela direção do olhar o ajustem para a sombra, como
aconteceu na última década.
Nada trago de novo que não
haja vivido nestes quase trinta anos de fazer teatral. A diferença é que
durante essas três décadas transitei pela impossibilidade de viver de teatro,
pela esperança de que fosse possível, até desembarca na realidade de viver do
ofício sem a necessidade de forjar outro ofício complementar que legitimasse o
primeiro. Agora, enquanto espremo meu juízo na busca de alternativas
estratégias, fórmulas escalafobéticas, mirabolâncias engenhóticas, suspeito ter
caído no conto do vigário. Os onze anos de trajetória ininterrupta da Pequena
Companhia de Teatro se contrapõem a essa suspeita.
2 comentários:
Concordo que a situação se agrava no cenário que os políticos constroem pra nós artistas, segue aquele velho lugar de que a propaganda do teatro é o boca a boca é o que mais funciona. Eu que sai recentemente de sala de aula, acredito que se salvarmos um conscientemente do ato de pensar por si só já fizemos muito. Porque a nossa educação não quer pensadores salvei alguns. Nós no teatro temos um poder maior que o discurso em sala de aula, teremos que ser tão criativos quantos os andantes da comedia dell'arte. Eles conseguiram, nós conseguiremos mesmo com todos os percalços dolorosos eu tenho fé no artista, uma fé maior que a da igreja, uma fé poética. Mas não da pra ficar só nisso, temos é que botar cabeça pra trabalhar e sair a lutar construir uma cena que nos faça sobreviver e vencer, e ser ! Abraços e Obrigada pelos impulsos dado na oficina. Lili
O prazer foi todo meu, Elizandra! É muito bom atravessar este país percebendo que sempre há pessoas dispostas a conversar, compartilhar experiências... é o caminho para a construção de uma rede indestrutível de resistência. Abraço!
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