sábado, 28 de maio de 2016

Sobre cultura, ministério, leis e artistas milionários


Tenho ouvido tanta necedade a respeito de cultura, ministério, arte, Lei Rouanet e artistas milionários, que chego a pensar em me tornar homem-arte, e passar a explodir com cultura e informação os ingênuos ou energúmenos que propagam disparates ao léu, sem medir as consequências.
 
Recentemente retornamos da 1ª etapa do projeto SESC Amazônia das Artes, onde visitamos algumas capitais de estados da Amazônia Legal – Palmas/TO, Porto Velho/RO, Boa Vista/RR e Rio Branco/AC – e em agosto concluiremos a circulação de Velhos caem do céu como canivetes pelos outros estados da região amazônica – Manaus/AM, Belém/PA, Macapá/AP, Cuiabá/TO e Teresina, no Piauí, que, apesar de não fazer parte da região, é convidado por apresentar condições socioeconômicas parecidas.
 
 
"É a arte que nos ensina que não é necessário ter para ser, e que todo poder sucumbe perante uma forte onda de esclarecimento."

 
Só quem passa por uma experiência similar a essa pode entender o significado de “custo amazônico”, e a importância do conceito de Amazônia Legal para tentar minimizar esse custo tão oprimente para os moradores da região, pois permanecem distantes dos recursos públicos para desenvolver qualquer tipo de atividade, incluindo as ligadas à cultura e arte. O projeto do SESC é inovador, por entender esse custo e tentar diminuir as desigualdades de distribuição artística na região, e favorecer a viabilização financeira do artista amazônico.
 
Por consequência, ao conhecer e reconhecer o Brasil, depois de ter circulado pelo país inteiro durante vinte anos, concluo que comentários sobre artistas ricos só podem sair da boca de pessoas prostradas frete à TV e suas novelas, a imaginar que artista é todo sujeito que aparece na sua frente à noite, na telinha, e desconhecem profundamente seu país, onde 99% dos artistas são massacrados pela escassez de recurso para poder produzir sua arte com dignidade.
 

O Brasil é desigual por natureza, e o que o Ministério da Cultura tentou fazer nos últimos anos foi minimizar essas desigualdades, e, ainda assim, não chegou nem perto dessa tarefa na região que aqui coloco como exemplo. A penúria financeira em que vivemos – sim, primeira pessoa do plural, porque o Maranhão faz parte da Amazônia Legal – é digna de uma revolução, e a resistência artístico-cultural é digna de elogio, e não de achincalhes. A prova de que somos uma região suprimida pela invisibilidade, é o fato de, para os detratores, sermos todos ricos.
 
Esse tipo de comentário, no ouvido de um cidadão minimamente sério, soa como um chiste equivocado, uma anedota nefasta, uma piada de mau gosto. Qualquer cidadão ligado ao fazer cultural da sua cidade conhece as dificuldades em que se encontram seus artistas, as lutas, as frustrações, mas, principalmente, a permanente resistência. É a arte que nos ensina que não é necessário ter para ser, e que todo poder sucumbe perante uma forte onda de esclarecimento.
 
Ou seja, o valor que sobra para a arte não compromete a saúde do cidadão, não desfalca a educação do aluno, não abala a segurança do país; o valor historicamente destinado à cultura não passa daquela velha e famigerada esmola, aquela moedinha que você joga no nosso chapéu depois de lhe dedicarmos duas longas e prazerosas horas do nosso ofício. Não, a arte não vai falir o país. Não, 0,38% do orçamento não vai comprometer o estado. Não, 90% das pessoas que aparecem na TV não são artistas, como já falei aqui. Não. Não. Não. Pare de ser ingênuo ou mal-intencionado. A cultura não precisa disso. Ela já tem moinhos suficientes que enfrentar, para andar se preocupando com a sua desinformação.

sábado, 21 de maio de 2016

Vagabundo, com muito orgulho!

Para a sociedade em geral, desde o primeiro dia em que resolvi viver de teatro, sou um vagabundo. Isso nunca me incomodou, nem deveria, pois decidi abraçar minha profissão, artista, por saber que vivia em uma sociedade conservadora, preconceituosa, desinformada, machista, retrógrada, e por compreender que, através do teatro, eu poderia auxiliar a reverter essa situação, contestando, instigando, questionando, transgredindo, esclarecendo, atuando.
Com o hodierno acaloramento do debate político, essas pechas – vagabundo, viado, maconheiro – ressurgem das trevas, e o artista volta a ser sinônimo de boa-vida, borra-botas, marginal. Confesso que isso não me destempera. Acredito na opção que fiz. Nestes quase trinta anos de arte, são inúmeras as pessoas que, através da minha prática, da minha ética, da busca dialética, da minha cara patética, mudaram de opinião, e, em vez de me injuriar, passaram a compreender que, aquilo que parecia vadiagem, era apenas uma forma diferente de vida, fora da curva, além do óbvio. Ganhei o respeito de muitos, tantos, que eu não poderia quantificar, superando a mais otimista expectativa. Fui muito além do que eu poderia imaginar, e qualquer um que tenha começado a fazer teatro trinta anos atrás, no interior do Maranhão, sabe do que estou falando.
Tenho uma frase que diz: reconhecimento não se busca, se espera. Pois eu nunca esperei ter sequer o reconhecimento dos meus pares, imagine da família, da sociedade, do mercado, do careta. Claro que falta muito, e sinto pena por não ter conseguido ainda fazer com que esses, que enxergam apenas o caminho, não tenham almejado levantar a vista para ver o horizonte. O meu trabalho consiste nisso. É nisso que acredito, é por isso que luto; para construir uma sociedade mais justa, menos reacionária, mais democrática, mais esclarecida.
Compreendo que o momento atual é de confronto, mas acredito que a grande maioria dos que enxergam a arte como uma brincadeira supérflua fazem isso por ignorância. Aqueles que entendem assim, que somos vagabundos, ainda não conseguem olhar além, e encontram-se encerrados, presos, sufocados dentro de um capô de Fusca. Se eu conseguisse chegar a eles com minha arte, sei que um diálogo se abriria. Se eu conseguisse chegar a eles com o argumento da minha opção de vida, tenho certeza que outras pessoas passariam a engordar o coro dos descontentes – digo "grande maioria" porque no mundo sempre há um lugarzinho para um canalha, e esse é outro tipo de gente.
Acredito nisso. Acredito tão profundamente no poder do teatro, da arte, que chego a me surpreender com minha própria tolerância. E penso além. Sempre pensei.  Como vagabundo sempre estive à margem, e a ideia dessa marginalidade sempre me foi cara. O trabalho é uma invenção. Fico com a primeira definição do Houaiss para vagabundo: “que ou quem leva vida errante, perambula, vagueia, vagabundeia”. É o que faço, vagar pelo país levanto o teatro que acredito para todo e qualquer público que queira refletir, discutir e transformar com a gente.
Agora, se você não aceita o argumento, se não lhe interessa dialogar, ou me chama de vagabundo por mera preguiça intelectual, nesse caso, não se preocupe, eu não faço teatro para você.