domingo, 20 de novembro de 2016

Da arte de não dizer nada sobre coisa alguma


O blog tem sido a conexão do meu pensamento com o exterior, a minha relação com o mundo outro que o meu mundo mesmo de sempre. Este instrumento conecta os conhecidos íntimos e os poucos amigos com alguma opinião minha mais organizada, um pensamento meu mais extravagante, uma reflexão um pouco mais desenvolvida, e me brinda com a saborosa interlocução dos mais atenciosos e delicados, com seus comentários escassos e provocativos. Pessoalmente, apenas dois ou três amigos íntimos me visitam para trocar uma ideia nesta masmorra construída por Katia para me isolar do mundo, e que atende pela alcunha de Residência Lopes Flecha para momentos privados, e de Pequena Companhia de Teatro para temas de ofício. Sorte a minha, porque nem de gente eu gosto.

Por outro lado, tenho recebido convites que reforçaram o que exercito no blog, quando convidado para uma sorte de encontros, aulas, palestras, mesas redondas e retangulares. Essa prática tem me provocado imensamente, e servido para me relacionar de maneira mais presencial com o pensamento teatral e seus provocadores, que em grande parte, são queridos e generosos amigos. As mais recentes jornadas de pensamento foram no FestLuso – Festival de Teatro Lusófono, em Teresina/PI, e no Festival O Mundo Inteiro é um Palco, em Natal/RN. Não pude ir para o Festival de Teatro Velha Joana, em Primavera do Leste/MT, mas pagarei a dívida na próxima edição. Todos esses encontros acabam se tornando espaços para reverberar as reflexões que já faço aqui.

Estou enrolando para ver se você percebe que estou há dois domingos sem postar, pois, preciso dessa constatação para fundamentar a pergunta que perpassará o desenvolvimento desta postagem. A sensação de alívio de passar quinze dias sem escrever não abranda minha culpa, sem saber direito com quem firmei este compromisso. Como todo e qualquer fato insignificante gera aqui uma inútil reflexão, foi inevitável que o silêncio das teclas durante duas semanas me provocasse a pergunta que se reitera com certa frequência durante os últimos seis anos em que decidi compartilhar minhas opiniões, seja virtual ou pessoalmente: qual o motivo disso? E as outras: o que valora um pensamento ao ponto de torná-lo útil ao público? O que sobrevive de uma reflexão, a não ser a vaidade do autor de sentir-se tão importante ao ponto de achar que sua ideia merece alçar horizontes além do seu banheiro? Por que a autoafirmação contemporânea passa por expormos nossa opinião publicamente sobre qualquer assunto, polêmica, notícia, sem nem saber ao certo quem é o nosso interlocutor? Por que tememos tanto a nossa insignificância, e evitamos nos confrontar com o fato de que nossa opinião não tem a menor relevância perante a magnitude da crueldade dos assuntos que assolam e carcomem nossa sociedade?

Não sei. Os fóruns específicos, como os encontros e mesas que citei acima, ainda me parecem menos estéreis, e consigo voltar de cada um deles com a sensação de ter contribuído para coisa alguma, de estar em contato com a opinião de muitos que respeito, mas, sobretudo, das gargalhadas entre os pares, das ironias ao constatar nossa pretensão de achar que estamos mudando algo. Já as reflexões virtuais, essas onde somos seduzidos a falar de tudo e todos, ainda me despertam do sono – nada me tira o sono; por isso me esforço há anos para utilizar o teatro como epicentro provocador do meu pensamento e das consequentes reflexões.

Tenho percebido – é apenas uma suspeita – que no meu caso se estabelece uma necessidade de dizer, e está diretamente relacionada com o fazer teatral da Pequena Companhia de Teatro. Meu caminho de expressão desse dizer sempre foi o teatro. Como nós montamos, em média, um espetáculo a cada três anos e meio, a lacuna deixada pelo tempo de silêncio atentou meu juízo, levando-o a assentar minhas ponderações em outros veículos, e o blog, os encontros e as escassas visitas canalizaram essas elucubrações. Como a ideia agora é tentar reduzir esse tempo, fazer um esforço para montar um espetáculo a cada ano e meio ou dois anos, pela urgência de dizeres que o momento atual exige, eu me pergunto: essas reflexões devem minguar? Deveriam? Se o artista se expressa a partir da sua obra, é necessária a exposição do seu pensamento através de outros meios? Ou seria o momento de repensar a frase do prólogo de Oscar Wilde para o Retrato de Dorian Gray, quando diz que “revelar a arte e ocultar o artista é a finalidade da arte”? Não sei. Hoje o dia foi de perguntas. Espero não estar falando com as paredes, pois, nesse caso, bastaria entrar no banheiro.