quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Eu, eu mesmo...

A improvisação, quer como espaço mental, método ou instrumento, reforça a ideia de efêmero existente no teatro enquanto teatro-vida. E a esse teatro é impossível dissociar o ator-encenador, enquanto artista responsável pela estética proposta e o espectador-atuante, num espaço teatral diferente dos teatros com palco italiano, em que as sensações são os detonadores da espontaneidade, que por conseqüência, leitmotiv para a improvisação. 


O homem, com suas inquietações, não poderá obter respostas, se não percorrer um caminho, tendo condições ou não, de consegui-las, pois o importante, para diminuir as inquietações, é caminhar, puro e simplesmente; movimentar-se. Seu duplo será eficaz nessa procura, nesse processo. É ele quem refletirá suas angústias, o provocador de atitudes, mesmo que elas sejam a recusa, o desvio do olhar. Não há condições, na contemporaneidade, de desistir do outro, pois que, desistir do outro é desistir de si. 

O teatro-vida precisa do espectador, mas não aquele que, vicariamente, se realiza através da catarse. E esse processo é, também, referenciado no ator. Então, na mudança de postura e de atitude frente às inquietações é que se fará um espetáculo teatral de ator, em que o espaço teatral aciona o espectador-atuante para viver.

Hoje, no teatro que faço, incorporo isso. E isso é bom, mesmo eu não sendo um cristão.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Livro (-me)

.
O convite
.
Chegou. O livro Cinco Tempos em Cinco Textos está na minha mão. Agora deu. Fu#@u. Dia sete de janeiro vamos fazer o lançamento na Oficina Escola – aquele prédio da Praia Grande onde aconteceu o Salão de Artes. A ideia é passar uma noite agradável com amigos, tentando entender o que é esse momento de publicar uma obra. Vamos nos divertir vendo Jorge e Cláudio ler um dos textos, fazer os convidados participar de intervenções urbanas, tocar, cantar, tomar um vinho, comer um queijo. Nada de mesa para autógrafos ou discursos. Vamos celebrar. Quem receber o convite impresso terá direito a um exemplar do livro. Quem não receber vai comprar e ajudar um autor a não morrer de fome. Até lá vou ficar jogando algumas informações por aqui. Acompanhem.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Reconhecimento, fama e fortuna

Ser artista. Dizer-se um requer certo estofo. Eu cá sempre tenho minhas dúvidas sobre ser artista, sobre o que produzo ter qualidade, sobre estar satisfeito com tudo o que me cerca e me alimenta. Existem duas referências possíveis para que eu me questione ou não: o que vem de dentro e o que vem de fora. Quando alguém diz que gostou do meu trabalho, preciso crer, inicialmente, que essa pessoa está sendo sincera. Acredito na humanidade, mas dizem que pessoas adoram mentir, fazer fita. Quanto sinto uma satisfação ela é sempre sensorial, e mesmo que haja interferências externas, sou eu e meu universo que dizem que estou bem. Sempre é muito pessoal. Já ouvi muita coisa e algumas delas mexem um pouco comigo, fazem com que eu aguce algumas partes adormecidas ou esquecidas, como a necessidade de reconhecimento e do vil metal.

Nunca saberei se estou no caminho ideal. Posso saber se o que faço me satisfaz e seduz, as motivações de continuar ou alterar o ritmo do caminhar. Tudo continua muito subjetivo; as interferências são sempre diferentes, e as conclusões serão sempre passíveis de amparo.

Eu sou um tolo, e já me convenci disso. Gosto de sê-lo. Assim, posso falar besteiras, ser ridicularizado, perdoarem-me por dizer/fazer tolices. 

O homem comum fala, o sábio escuta, o tolo discute, já dizia um provérbio oriental. 

Sou ocidental. Das duas, uma: ou sou homem comum, ou sábio. Com medo de errar, vou ficar com a segunda opção.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Diários, semanários, mensários, anuários...

por Kafka
por Kafka
.
Como Brecht e Cairo, há alguns anos trabalho com diários. Utilizo este instrumento para pautar minhas ações. Toda atividade artística é acompanhada por apontamentos, relações, observações, rotinas – manuscritos que geram um banco de dados para posterior consulta. Entre esses escritos é inevitável que escapem alguns pensamentos... Colhi três que aqui transcrevo:

“... Poupo meus não filhos do conflito com o paterno, com a fúria do ser descendente. Poupo meus não filhos da dor de nunca se ser sem ser imagem e semelhança. Poupo meus não filhos de terem que se esquivar de si na busca da perfeição prometida. Poupo meus não filhos de viver.”

“... Entre lados estou seco. Paredes de solidão. Só batem à porta os deuses. Os semideuses invadem as moradas dos mortais fazendo a festa dos pecadores. Solitário, esfrego minhas mãos à espera. Gotas pingam em gotas. Entre elas as luzes se entendem. Eu não entendo. Desvio a vela e sopro para outro norte mais desnorteado do que outrora. Desapareço de mim e fim. O fim é. Na esfera do absoluto tudo está contido. Em mim, o ser, não é.”

“... Ultimamente tenho a impressão de que todas as retas estão tortas. Minha visão entrega sinuosidade em qualquer estrutura linear. Vejo as curvas tortuosas de toda régua construída para alinhar. As linhas dos cadernos parecem leitos de rios onde minha caneta navega tentando não colidir com as margens...”

Dias
08 de novembro e 12 de dezembro transcrevi outros. E assim vão passando os dias, os meses, os anos... dia 07 de janeiro se aproxima... aguardem novidades... e não guardem segredos.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

O artista, os editais, a estabilidade, a efemeridade e o teatro

Lesados, do Grupo Bagaceira

Somos um grupo que adora editais. Nada mais democrático para distribuir recursos e bens, principalmente quando acreditamos que a cultura deve ser subsidiada pelos entes públicos.

Somos um grupo que aprova projetos em editais e ao mesmo tempo, um grupo que não aprova projetos em editais. É que editais dão em árvore. Nossas angústias, idem.

Comumente, Marcelo F. tem encaminhado mensagens pela internet me dando conta dos projetos encaminhados e não aprovados pela Pequena Companhia de Teatro. Eu estou indo morar em São Luís no próximo ano. Do que viver?

Meu pensamento...

[agora estou me viciando. Quando não estou pensando em nada, fico contando mentalmente. Reflexo da academia, dizem]

...não dá para pensar em viver só de editais, isso seria uma espécie de estabilidade que não deveriam provocar, pois eles são públicos, e não de poucos. Como funcionalismo público, um acomodar-se sem igual. Teatro na adversidade... morrerei de fome... não será a primeira vez; possivelmente nem a última.

Minha realidade diz que o teatro me faz vivo, e comungo de um sacrifício incondicional sobre esse labor. Um vigor é perceptível quando a maré sobe, quando o mar fica revolto. A gente não dorme. Sinto-me vivo... em cena.

Faz tempo que não atuo... sinto-me morto.

domingo, 12 de dezembro de 2010

... de véspera!

.
Permitam-me outra liberdade poética. É que amanhã, definitivamente, o livro estará a caminho da impressão. O dia que antecede um dia como esse foi descrito por mim outrora:
.

“Hoje o dia não tem número. É incontável. O tempo existiu sem matemáticas conferências. Apenas um dia passou. Eu passei com ele. Estou, um dia, envelhecido. Um “um” não numérico. Um “um” abstrato, onomatopeico, fechado em tempo. Incontestável. Setas, no relógio sem ponteiro, mostram que sobrevivi. Vivi sem saber que vivia. Revivi sem antecedentes. Desviei dos pormenores para pôr menores atos sobre a mesa. Degustei cada um deles sem me engasgar e digeri ações inesperadas. O homem – posto no tempo oposto à sua ruína – correr a favor do tempo. O fim do dia salva. Outros dias virão e se encaixarão no calendário e somar-se-ão aos outros e, contados, engordarão os séculos: mas este permanecerá suspenso no tempo à espera. O dia anterior ao fracasso é sempre um bom dia. O melhor dia.”

sábado, 11 de dezembro de 2010

No forno


Nesta segunda-feira o livro Cinco Tempos em Cinco Textos, dramaturgia reunida de Marcelo Flecha, será encaminhado para a impressão na Halley Gráfica e Editora. O livro, uma realização da pequena companhia de teatro, tem o patrocínio do BNB e do BNDES através do Programa BNB de Cultura e o apoio cultural do SESC – Maranhão.

A publicação concentra em um volume cinco textos teatrais: Distorções de um dia interminável, Memórias de um mau-caráter, Dois, Privada e Clausura. Sobre o livro, Fernando Yamamoto, diretor do grupo de teatro Clowns de Shakespeare, diz: “... Outro aspecto instigante destas peças aqui apresentadas é a falta de compromisso com uma linha estilística. Flecha transita por referenciais dos mais diversos; ao lermos suas obras, é inevitável passearmos pela ausência de perspectiva beckettiana, pela crueza de Plínio Marcos, pelo niilismo da incursão teatral de Pablo Picasso em seu O Desejo Pego pelo Rabo, o distanciamento ácido brechtiano e, até mesmo, a aproximação ao teatro contemporâneo argentino – fazendo jus às suas raízes – de Daniel Veronese e seu coletivo El Periférico de Objetos...”

Breve nas melhores livrarias.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Diálogo da dança com o teatro

O ator, em situação de representação, necessita de outros elementos, que não o texto dramático, para compor a cena. "Dizemos que essa maneira particular de construção da cena e da personagem é uma maneira não interpretativa de representação", já que "a interpretação está intimamente relacionada com o texto dramático", o que não inviabiliza a utilização do texto em dado momento do treinamento, mas ele não servirá de matriz para a cena. É fundamental que neste momento inicial o ator esteja somente, e tão somente, com seu corpo e com a carga de informação que é inerente ao seu existir. 

Entretanto, esse desejo de usar o corpo para expressar/dizer algo “não determina o que ele deve fazer, os procedimentos que adotará. A expressão do ator, de fato, deriva — quase apesar dele — de suas ações, do uso de sua presença física. É o fazer, e o como é feito, que determina o que um ator expressa". Isso ocorre tanto na dança, como no teatro — obviamente, na visão de um dançator. 

Como improvisação, a dança no teatro pode vir a funcionar como processo para a composição ou enquanto instrumento em cena. A bem da verdade, ela já vem sendo utilizada em quase todos os processos de composição do ator. O diferencial, talvez, seja que ela está diluída, dessacralizada por constituir matéria de dançarinos/bailarinos — visão equivocada e que o autor desta postagem discorda. 

Os mecanismos de análise do movimento coreográfico, como o croqui e o storyboard devem ser utilizados para o ator-compositor ou ator-performer, além do chamado diário-de-bordo, para consubstanciar seu processo criativo e de significação, muito mais do que o vídeo, pois esse último tem uma visão limitada se comparado à planta-baixa. 

As matrizes utilizadas no início do processo devem ser experienciadas ao extremo para que despertem o processo criativo, e transformem os movimentos corporais em expressividade para a cena. 

Da mesma maneira que no teatro se utiliza de elementos pré-expressivos, a dança também o faz. Não esqueçamos que tudo faz parte de um único treinamento, que coloca o ator-dançarino em prontidão. Não que eu esteja dizendo que o trabalho com as danças de salão estejam na pré-expressividade, não. Ao contrário, é exemplo de treinamento expressivo. Falo dos alongamentos, que diferem, em muito, dos praticados pelos atores em teatro, pelos atletas em academias. Os propostos ampliam o corpo no espaço, conscientizam a musculatura de forma mais expressiva, interferindo, sobremodo, na fluidez, nas estruturas espaciais e nas dinâmicas. 

domingo, 5 de dezembro de 2010

O Papel do cru na pequena companhia de teatro


“...Cru. A encenação deve conter a crueza do ser. O não cozido. O natural, sem precisar ser naturalista. O rude, porém, espontâneo. O ser, só. Uma estética sem temperos ou preparos excessivos que cozinhem o ator deixando-o pronto para a degustação. Encenação indigerível, não degustável para aqueles que perderam o contato com o inigualável sabor do cru. Arte vendida em lata tem data de validade. Vence. Apodrece. A encenação pronta para o consumo padece.”

Este fragmento do Manifesto Danado, escrito para a estreia do espetáculo Deus Danado em Mossoró, sintetiza o conceito da crueza. Quando a pequena fala em cru, quer dizer da não diluição das percepções. Não falamos apenas da estética, falamos da encenação como um todo. De não facilitar para o espectador. Os materiais trabalhados e a crueza do acabamento reforçam isso. Exige do espectador uma disposição para a leitura. Uma disposição para a compreensão além do óbvio. Quando Deusdete Dias, membro da Nação Acadêmica De Artes (N. A. D. A.), pergunta sobre os livros de Pai & Filho toca no ponto. O papelão está aparente, cru, tosco. É o trabalho do ator e a disposição do espectador que transformam aquele amontoado de papelão em elementos vivos da narrativa. Já a crueza da representação dos atores escapa ao naturalismo. Exige do espectador um olhar não televisivo. As personagens nunca são aquelas do cotidiano. São seres ampliados, cuja lente de aumento revela as imperfeições, não só da alma, mas do corpo. Em outro fragmento o manifesto diz: “... Evitemos o desperdício do tempo alheio com obviedades, com composições televisivas, com burocracia cênica.” Evitemos. Ofereçamos ao espectador um novo desafio a cada encenação. Não deixemos que a “zona de conforto”, de que tanto fogem os artistas, caia no colo do espectador, aquele que é o destino final da arte, queiramos ou não.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Eu me manifesto


O teatro não é casa de ninguém. Não há ditadura do texto, do cenário, da indumentária, da estética da fome de um povo secularmente faminto por manifestações do seu próprio ser, tão pouco a ditadura do corpo que se molda. Teatro não precisa ser conflituoso ao extremo. O conflito é interno, o expectador é o seu próprio ator-autor-encenador. A exigência da existência do teatro deixou de ser a catarse. Ele é visceral. Não é ator sem órgãos, mas sim como potência de ser preenchido esse vazio. Quando se diz sem órgãos evita-se pensar no vazio enquanto potência. Ela vem daquilo que o ator-compositor-dançarino-encenador-performer-expectador exerceu, viu, experienciou em todos os minutos desta vida, da vida de seus pais, de seus avós, de seus ancestrais. São essas referências que interferem nesse espaço vazio que jamais será preenchido. E é essa insaciedade que fará o teatro crer ser vida, gênero de primeira necessidade. O pão deixará de ser posto à mesa para ser devorado, consumido nos palcos existentes no interior e fora de nós. Essa percepção do teatro-vida existirá quando o espaço-vazio possível, dos que fazem,  for povoado de matizes coletivas que exercerão uma espécie de transe àqueles experienciadores devidamente fisicizados  participarem e se sentirem pertencentes à não-ação. Teatro é ação na não-ação. O não-conflito existente no conflito. Teatro-vida é anterior ao teatro; anterior à ação. A força motriz, a energia vital, o impulso, essa sensação de virilidade, da protuberância entre as pernas juvenis é o teatro que se mostra capaz de ser potência criadora. O não, existente em uma boca carcomida pelo tempo, pela técnica apurada, pela virtuose, será ineficiente sempre. O hoje se efetiva na improvisação enquanto instrumento, na essência das coisas. O que fica, fica. O que se dilui, se dilui. Teatro é efêmero, surge da necessidade de incorporar a ineficiência divina. A performatividade é inerente ao teatro do ator solitariamente completo, pois que ele sempre permanecerá sendo parte. Parte daquilo que se constrói, buscando destruir sempre. Remodelar, reformular, nunca! Construir para destruir, sempre! A saída deixa de ser uma porta entreaberta para ser paredes sólidas e flexivelmente leves,  com asas...

domingo, 28 de novembro de 2010

O papel da manufatura em Pai & Filho

“Ninguém vai ver!” O comentário é comum em teatro quando algum acabamento ficou ruim: uma manchinha, um corte torto, uma costura mal feita etc. Eu digo: o ator vê. A manufatura e a dedicação ao detalhe nas produções da pequena companhia de teatro são motivadas por esse argumento. Na busca da verdade, o ator constrói seu universo através das referências disponibilizadas. Os elementos ao seu redor repercutem na sua percepção e, por consequência, na das personagens (Próspero que o diga, com o seu bendito sapato!). O contato com o aparelhamento estético, seja ele cru ou cozido, instrumentaliza o caminho do ator na busca da construção dessa realidade, mapeando seu horizonte.
No caso de Pai & Filho a manufatura está diretamente ligada ao universo kafkiano. Pinta o ambiente do espetáculo. A meticulosidade na construção de cada objeto repele a realidade e apresenta um mundo de coerente desconexão, buscando reproduzir essa atmosfera não natural, quase delirante, como o quarto onde são realizados castigos corporais no local de trabalho de Josef K. Busca-se a distância para aproximar. O que é um alfaiateiro? Um escrevedor? Um linheiro? Caixotes a la matrioshka? Vários elementos desfilam pelo espetáculo fazendo parte da narrativa imagética sem levantar as suspeitas do espectador quanto à sua veracidade, mesmo sabendo que ninguém escreve com rolha nem em um caderno tão grande.
Por outro lado, a manufatura de tudo aquilo que está em cena dá a imprecisão necessária para compreender estes seres, em especial o pai, de quem pensamos saber menos. A execução manual, a imperfeição do que é construído com as mãos, nos remete imediatamente à ideia de trabalho, e da sobrevivência a partir dele, imagem da obsessão por prosperidade do pai – o que nos leva imediatamente à linha, assunto de uma próxima postagem.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Schopenhauer


Ele diz: "Minha longa experiência pessoal levou-me a presumir que a loucura aparece com frequência desproporcionalmente maior nos atores. Pudera! Qual não é o abuso que fazem da própria memória! Todos os dias devem ora decorar um papel, ora relembrar um antigo: no entanto, esses papéis não são ligados por um contexto, ao contrário, estão sempre em contradição e em contraste uns com os outros, de modo que toda noite o ator tem de se esforçar para se esquecer por completo e ser um outro, totalmente diferente. Uma vida como essa leva-os diretamente para a loucura".


E quanto a mim, há tempos eu quebrara o CD A tempestade, da Legião Urbana. Dia desses reencontrei-me diante de uma prateleira e lá estava ele a me observar. Comprei-o. Limpar o quarto ouvindo-o é produtivo. Distante dele, parece-me que se amplia o foco para com a liberdade e a insuficiência de justificativas para o viver. E o teatro preenche toda a parte do lado de fora e toda a parte do lado de dentro. Transborda pelo ladrão. Resta a casca frágil que serve de sustentáculo às vísceras. Além da linha, o trem. Aquém de nós, a linha. Não há limites. Há infinitas alternativas. Reclamo de barriga cheia, diria minha mãe. Cheia não se sabe de quê. Se vierem as fezes, dialogarei sobre o conteúdo. Se não, só a forma me permite. 

Mais um dia, mais um tempo, mais um ciclo. Quando será a próxima apresentação de Pai&Filho?

domingo, 21 de novembro de 2010

O papel das cores em Pai & Filho

Com a pausa nas apresentações, aproveito para me deter sobre o papel das cores em Pai & Filho. É claro que se sabe que nada em cena é gratuito. Mas, no caso das cores, às vezes pode parecer aleatório.Como nenhum comentário ainda foi relacionado a esse tema, e como já temos uma trajetória considerável, me adianto à leitura dos que virão e digo: duas cores se destacam entre a predominância pastel da crueza que acompanha as últimas encenações da pequena – o azul e o vinho. Que azul? No início do espetáculo, quando as personagens ainda não entraram em casa, a relação com o mundo exterior se dá na cor azul: a luz, a porta e as camisas das personagens. O desaparecimento do azul – lembrando que a porta cai, a luz azul some e as camisas são retiradas e penduradas do lado de trás do porta-objetos, escondidas do olhar do espectador – subtrai do filho a referência de mundo e a possibilidade de liberdade. Esta cor só aparecerá novamente no tecido azul, quando o filho compara o pai a um mapa-múndi. Já a cor vinho, predominante no interior da casa a partir dos cubos, da toalha de mesa e da cor da linha que coze as camisetas debaixo, é a cor da nobreza, da aristocracia, puída e desgastada pela decadência desse pai que já foi próspero, mas ainda preserva a dignidade da pose.
Somam-se a essas cores, a paz, no tecido branco estendido pelo pai no único momento de trégua, o tecido preto que enterra o filho quando o pai cobre-o com o peso de ser sua única esperança, o amarelosolarpoente que ilumina o filho quando ascende a vela para escrever e a cor natural do cru, que reforça nossa proposta de deixar para o ator e o espectador o desafio de transformar os objetos com aparente crueza em elementos vivos em cena. Mas isso já se refere também à manufatura, tema de uma próxima postagem. A obra não se explica, eu sei, mas o estudo e o processo de construção da cena podem ser úteis para um leitor mais curioso, sem contar que preciso alimentar este faminto blog.
Próximos títulos:
O papel da reciclagem na pequena companhia de teatro
O papel da manufatura em Pai & Filho
O papel do cru na pequena companhia de teatro
O papel da manipulação do cenário em Pai & Filho

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Não me ensine; me fascine

Quem ensina e quem aprende? O que é passível de repasse ou de construção e quem determina isso? Qual a motivação que faz com que o teatro seja objeto de pesquisa e análise? Oficinas de formação? Debates? O que temos a ensinar a alguém? 

Não me sinto capaz de ensinar nada a ninguém, pois cada um tem suas necessidades, seus prazeres. Quando me vejo frente a um mundaréu de gente, sendo o foco, percebo que algum equívoco há. Não pode ser assim.

E o teatro? Escolhe-se um conteúdo imenso de coisas e tudo é exposto. Quem faz, o faz por uma motivação. Quem vislumbra, redescobre outras. Ninguém aprende com o teatro. Não dá. Teatro é além disso. Daí, vem o fascínio. Teatro bom é aquele que fascina. Conteúdo bom é aquele que ilumina os olhos. Conhecer é fácil. O difícil é deixar-se seduzir.

sábado, 13 de novembro de 2010

Teatro, fracasso & Cia. Ltda.

Não sei lidar com a aceitação, me acostumei ao fracasso. É mais instigante, desafiador. Foram os sucessivos fracassos que colecionei na vida artística que adoçaram minha passagem. É no fracasso que desenvolvemos discursos de incompreensão, intransigência, rebelião, revolução e dúvida. O sucesso é puro consenso. O fracasso tem estilo, o sucesso é brega. No sucesso precisamos estar atentos aos sinais para não haver desvios. No fracasso o desvio é o sinal. A exclusão é a norma dos fracassados, já o sucesso é um programa de inclusão social. O envelhecimento traz um reconhecimento desconfortável: somos o que fomos, só estamos mais velhos... então o que mudou? Nós ou o olhar dos outros sobre nós? Se o sucesso é cult, o fracasso é cool. No fracasso, cinco espectadores é casa cheia, no sucesso, “todos” é pouco. O fracasso é barato, o sucesso é caro. Eu fracasso desde a infância: bola de gude, pião, figurinha – perder era minha rotina. O desejo de sucesso é o início do fracasso... o temor ao fracasso é sua porta de entrada... ignorando o sucesso se fracassa com dignidade. O sucesso tem fórmula, programa, caminho, chave, o fracasso é irresponsável. Alinho-me com Beckett e roubo a forma de Jabor. Só posso contar com o sucesso se o fracasso for o fiador. O sucesso se busca, o fracasso te acompanha.



segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Poema em prosa

Permitam-me uma liberdade poética. É que, como vocês sabem, estou em plena crise, motivada pela edição iminente do livro – duvidando do teor fundamental que justifique sua publicação. Esta permanente e angustiante sensação em relação ao meu fazer artístico já foi capturada anteriormente em palavras que agora transcrevo:

Projeto gráfico de Raquel Noronha

“Qual o destino deste ser-cérebro achacado pela incerteza do haver? Dúvidas desatadas, infernais – de trilhos tortos, e escuridões cruas – multifurcam a reta orientadora. O livro – o filme – a peça – a música, a dor do dizer sem saber ler – ver – fazer – ouvir. Tudo de uma só vez. Torpor, no redemoinho da luz, soca o futuro no saco do passado e nada mais é. Sortes, coincidências e esperas conduzem o meio homem à falência e o (des)norte "carnifica" o desespero do desconhecimento. Sabedor do nada, conhecedor de coisa alguma, fazedor de vazios camuflados: o não ser é o ser de quem não é. Apelativos trocadilhos, no jogo da falta, desviam a impossível transformação das agonias mentais em obras. A obra sempre aniquila a crueza do dizer; vilipendia, maltrata, adorna e consagra a estupidez da inconsistência. Seria só uma desatenção da lógica e o fato havido. Mas, com a implacável custódia, o médio prevalece para motorizar nossa repetição e vitalizar a dissimulada dor da incompetência. Sobra o fim, e, de tão distante, não sobra nada.”

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O corpo e as situações de descontrução

Ouço, desde que nasci, que o ator em cena deve esconder-se, sumir, para que o corpo criativo, da personagem, possa ocupar seu espaço, como se o corpo do ator deixasse de existir. Desde criança, também,  contam-me que os espectadores são sempre passivos, sentados em suas poltronas reclináveis, como se não fosse dado a eles qualquer opção de alteração de estado. Outro mito. 

Dependendo da situação, o corpo vai se construindo, se reconstruindo e se desconstruindo. Ator e expectador estão, não são. Por isso, esse processo é permanente, os estados se alteram. E mesmo que o ator desconstrua seu corpo cotidiano, formatando um outro, esse outro vai também estar em processo, sempre. Buscamos uma certa estabilidade na vida, em tudo o que nos predispomos a fazer, sem levarmos em conta que as coisas se reformulam, se alternam e alteram a elas mesmas e aos que estão ao redor. Tudo está aberto - menos eu.

domingo, 31 de outubro de 2010

Pai & Filho na Guajajara


A apresentação de Pai & Filho no Teatro João do Vale fez parte da 5a Mostra SESC Guajajara de Artes. Havíamos decidido aproveitar melhor o tempo juntos, e, neste caso, treinamos e ensaiamos na segunda, dia da chegada de Cláudio e véspera da apresentação. Como observado aqui, a necessidade de manutenção começava a se apresentar, e pudemos comprovar isso no resultado da apresentação depois do intenso trabalho do dia anterior. O espetáculo fluiu melhor (piada interna em homenagem a Amir Haddad). A ação entreatores se fez presente com maior intensidade do que nas últimas duas récitas – momento onde começamos a sentir a falta da sala de ensaio. A apresentação foi vigorosa, precisa, com resultado patente para aqueles que melhor se posicionaram. O João do Vale não é generoso com o espectador que opta pelas últimas fileiras, e, no nosso caso, o alerta verbal na entrada do teatro não foi suficiente para evitar que alguns se distanciassem da cena – lembrando que a montagem não levou o espectador para cima do palco, mantendo a plateia tradicional. Delimitar o acesso continua sendo uma necessidade para preservar o espectador e a encenação. Estarei ficando velho e transigente? Lembro de uma apresentação de Medeia no Teatro Municipal Dix-Huit Rosado, em Mossoró, quando cobri 70% das poltronas da plateia com pernas e bambolinas pretas para impedir que espectadores sentassem em lugares com visibilidade parcial. Acharam-me intransigente, mas cada espectador viu o que tinha que ver e fomos felizes para sempre... Assim como no debate, espero comentários da turma do gargarejo e da turma do fundão para continuarmos nossa avaliação e aperfeiçoamento.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A unanimidade é burra

Apresentações nunca são idênticas. Muita coisa muda. De posse dessa mudança, a sensação de prazer em ver ou fazer é diferenciada. Pai & Filho, na Mostra Guajajara 2010, em São Luís - MA foi, diferentemente de outras apresentações, diferente. Cláudio M. e Marcelo F. gostaram do resultado do que fora mostrado. Primeira vez que ambos concordaram com a felicidade sentida acerca do que se apresentou. Jorge C., não. Resta-nos, então, acentuar os desejos e ficar atentos à burrice da unanimidade. Nos debates, ouvir elogios e críticas continuam sendo um aprendizado de humildade, reflexão e questionamento acerca do que se faz e para quem se apresenta.

domingo, 24 de outubro de 2010

Reflexões de um escritor solitário


Estamos comemorando a chegada do septuagésimo primeiro seguidor! Sim, é meu primo, já falei disso aqui (risos). Também vão mais de cem postagens no ano. Me pergunto se vale a pena. Dividido ao meio – Cláudio escreveu a outra metade – são cinquenta e uma postagem, treze mil palavras... contei, no Word. Sou homem de teatro, “as gentes” sempre estão lá – ora muitas ora poucas. A vida de textos é mais solitária. Vazia. Masturbatória. Desenho o(a) leitor(a) no cérebro. Alta, moreno, gorda, pálido e de olhos cerrados... Desenho de novo. E novamente o(a) leitor(a) não lê. Deve ser o tema: quem, em sã consciência, pausa para ler sobre teatro? E o insano que escreve sobre, que planeta habita? Se ver é chato, quanto mais ler. Vocês devem se perguntar: e os seguidores? Não me iludo com isso. São setenta seguidores e dois ou três leitores encabeçados pelo meu fiel leitor de Canterville. Ser estranho esse nosso ser que sabe e insiste. Levanto a questão porque se fez presente este ano. Nunca tive relação com leitor algum. Escrevo dede 1986 e jamais publiquei um livro: tenho uma dezena de livros de poemas, alguns textos de teatro, uma dúzia de crônicas, ensaios, teorização sobe teatro, mas, nenhum volume viu uma editora de perto. Poucos leram o que escrevi. Nunca me interessei em publicar... ou sempre temi o contato com esse leitor. De repente 2010 chega e me vejo escrevendo para um blog e prestes a lançar uma dramaturgia reunida. Agora o leitor se torna um ser verdadeiro... verdadeiro fantasma a pairar sobre as ideias que transcrevo do meu cérebro. Como cheguei a isto? É o que estou me perguntando agora, enquanto escrevo minha 52ª postagem. Plagiando minha querida amiga Flávia Teixeira: Tem alguém aí?

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O que vem de fora

Original Photo by Eduardo Segura

Antagônicos, diferentemente do realismo, busca a construção das personagens a partir do que está fora do ator. A organicidade está em distanciar-se de si, dos seus vícios e do psicologismo que é evocado com a identificação do ator com a personagem, por exemplo. Estive refletindo isso ontem a partir de uma leitura de Jacques Lecoq e percebo que algumas inquietações têm eco em muita coisa que desconhecemos. A primeira delas é que a máxima "a gente só fala do que tem em excesso" pode ser surpreendentemente o contrário: "a gente fala do que falta". Nosso teatro é da falta, do que é exterior a nós. Todo o referencial para a construção das personagens está fora de nós, de atividades puramente físicas que nos fazem estar em um estágio de composição que não só cerebral ou o da busca de referências vivenciadas, experienciadas por nós. É mais concreto, mais objetivo, mais presente, mais vivo,  mais verdadeiro, mais autêntico. Se no teatro vivemos o que não somos, nada mais justo.

domingo, 17 de outubro de 2010

Debate a gosto

.
Saudades dos 80. Três festivais – FENTEPP, FNT e FAT – e o fórum não se efetiva. Digo: as discussões, os conflitos, as análises não acontecem na dimensão devida, por falta de disponibilidade – ora dos festivais, ora das Cia.s, ora dos debatedores, ora das comunidades contempladas. O debate se limita ao encontro dos pareceristas com os grupos que se apresentam no dia anterior. Raramente se vê um espectador ou um membro de algum outro coletivo. Quando reunidas várias Cia. no mesmo debate, uma não viu o espetáculo da outra.

Parece-me que a prática da pequena companhia, de debater após as apresentações, continua sendo o melhor recurso para integrar o espectador às opiniões especializadas, tornando-se um importante instrumento para o aperfeiçoamento da leitura teatral.

No caso do nosso debate no Festival Agosto de Teatro, a dissertação de Amir Haddad acabou suprimindo o tempo das réplicas e das possíveis tréplicas que acalorariam o diálogo. Muito ficou por se dizer e pouco foi dito. O reencontro com Kil Abreu – diálogo produtivo no FENTEPP – acabou sendo curto. Pena.

Se esses encontros nos possibilitam discutir os processos de construção da cena teatral contemporânea, por que não o fazemos? Talvez a resposta esteja nas palavras de Amir, quando comenta sobre a necessidade de subsistência dos grupos, ou no comentário de Sávio Araújo quando aborda a burocratização da arte. Sempre há um troco esperando no porto seguinte. Eu vou continuar insistindo, batendo na tecla até que acordemos fora do nosso umbigo. Já falei disso aqui... e olha quem fala!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

A pequena no Festival Agosto de Teatro


12.10.10

Doze horas de viagem e estamos em Natal. Avião até Fortaleza. Em fortal alugamos um carro rumo à Cidade do Sol. Um longo pit stop em Mossoró para um almoço no Candidu’s e o reencontro com a Cia. irmã A Máscara. Tony, Luciana e Jeyzon. O Damásio seria nosso "anjo" na cidade de destino. Gosto de viajar com amigos. Aqui, chegamos e fomos muito bem recebidos e instalados. A atenção de Ivonete Albano e o espetáculo As Bondosas no cardápio. A esta altura somávamos 36 horas sem dormir. Um delicioso jantar – Camarões à Thermidor foi a minha escolha – e cama. Acreditam que ainda rolou um namoro? Nem tudo é tão declinante nos quarenta.



13.10.10

Pré-produção durante a manhã toda para Katia. Os meninos respirando ares natalenses. Eu pensando em qual seria a melhor opção para a montagem de Pai & Filho no Alberto Maranhão: público no palco ou na plateia? Uma da tarde e estávamos montando. Atendendo aos apelos da queridíssima Ivontete, o palco italiano venceu, mas continuo receoso às apresentações em espaços tão amplos. Os lustrezinhos continuam sendo a pedra no sapato da montagem, mas foi resolvido. Boa apresentação, porém uma manutenção mais efetiva começa a fazer falta. Desmontagem e correr para pegar o restaurante aberto. Não deu. Jantamos em um dos quartos. Vinho, risos, sonhos e sono.



14.10.10

Nove da manhã no debate. Presença de Kil Abreu, Sávio Araújo e Amir Haddad. Ecos muito positivos do nosso trabalho, principalmente nas impressões do Kil, sempre muito generoso e pertinente nas suas observações. Ecos também na Revista Catorze e no comentário dos amigos, sempre suspeitos. Almoço de despedida e estrada. Brevíssimo pit stop em Mossoró: um beijo e um queijo. Avião em Fortaleza e São Luís nos recebe através dos braços de Marinaldo e André – o Lucap. Ainda achamos tempo para um peixe. Às cinco da manhã Cláudio seguiu para imperosa. Saudades. O fino das impressões fica para a próxima postagem.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Natal em Agosto

E terminamos nossa jornada aqui em Natal-RN, no II Festival Agosto de Teatro. Estamos saindo para Fortaleza, para pegarmos um voo com destino a São Luís, e depois eu vou a Imperatriz. Hoje pela manhã, um debate sobre os espetáculos apresentados ontem. Dentre eles, Pai & Filho. 

Algumas coisas ficam:
1) O olhar de quem vê é único, como o do diretor, o do ator.
2) A efemeridade do teatro provoca discussões desnecessárias sobre um rigor que jamais teremos controle. Podemos diminuir ruídos, mas nunca suprimí-los por completo.
3) Estudar, ler, discutir, ver, ouvir ainda é o melhor remédio para a ignorância.
4) Estar no palco é sentir-se vivo, pulsante.
5) Determinados quartos de hotel fazem uma diferença assombrosa na vida da gente.
6) Envelhecer é para poucos. Preciso ser um deles.
7) O bicho-homem não morde. Só grunhe.
8) Ensaiar nunca é excessivo.

domingo, 10 de outubro de 2010

Pequena


Mestrado e Europa. Acho que devemos continuar investindo no futuro – outra piada interna. Penso na pequenina. Uma pré-pequena. Uma antepequena. Convidar um pequeno grupo de alunos e jovens atores para experimentar e explorar nosso treinamento. Algo como um estágio para o ingresso à pequena. Sem compromisso de montagens, sem compromisso de incorporação. Apenas para treinar e construir experiências a partir dessa experimentação. E mostrar os resultados sem maiores formalidades. Essa ideia ganhou corpo algumas semanas atrás em comentários com KL e JC (não o Cristo). Katia comentava sobre uma safra de jovens fazedores interessados em conhecer nossa forma de fazer teatro – comentários sobre admiração e ecos do nosso trabalho. Às vezes é bom saber. Faz bem. Ameniza o desgaste do longo tempo de trabalhos prestados à tentativa de compreender esta ausência de concretude cheia de vazios palpáveis chamada teatro.

Por outro lado também pensamos numa pequena editora. Viagem. Um selo para começar a reunir nossas publicações. Nossa ousadia está começando a tomar proporções megalomaníacas. É divertido. Sonhar. Também pensamos na nossa sede definitiva, jurada para o ano de 2011 custe o que custar. É isso. Enquanto aguardamos a viagem de amanhã para a apresentação de Pai & Filho no Festival Agosto de Teatro, nossas cabeças se encarregam de perturbar o já perturbado ano de 2010 – lembrando que ainda temos para este a Mostra Guajajaras e um livro para publicar e lançar. 2011 promete.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Academia, teatro e filosofia

Penso. Penso muito. Academia é lugar privilegiado. Teatro é uma espécie de não lugar e ao mesmo tempo todos eles. A filosofia... quem saber falar alemão?

Estou fazendo um anteprojeto de mestrado para a UFRN, cujo título ainda não definitivo é: Quadro de Antagônicos - a dramaturgia do ator na Pequena Companhia de Teatro.Quero discutir algumas questões pertinentes à dramaturgia do ator num processo com e sem a dramaturgia de autor e tentar encontrar uma ressignificação para o corpo do ator a partir da utilização do treinamento com o Quadro de Antagônicos.

Fiquei pensando nos dribles do Garrincha (apenas uma piada interna) e me atentei para a inexistência de referências filosóficas no meu trabalho. Sim, porque Aristóteles criou uma necessidade para o teatro. Arte não é ciência. Filosofia, idem. Preciso de Derrida ou Deleuze para sentenciar o meu fazer, a minha inquietação, como algo passível de ser discutido, de ser analisado? Teatro não é auto-suficiente em si?

Ah, o meu existencialismo sartriano..

sábado, 2 de outubro de 2010

Teatro na tela

Lembram do meu comentário – recorrente em postagens recentes – de não ter visto ultimamente nenhum espetáculo que me encantasse? (Peço que entendam a ironia da pergunta, já que, para “lembrarem”, alguém tem que “ter lido” e, nesse caso, mudo a pessoa do verbo e ressuscito o leitor de Canterville: é para ele que escrevo.) Pois vi. Dos à Deux, da companhia homônima de Andre Curti e Artur Ribeiro. Eles se dedicam a construir um espetáculo inspiração em Esperando Godot, através do teatro gestual, utilizando apenas duas palavras: “povrável” e provável. Magnífico. O mais curioso é que – assim como havia acontecido com o Vau da Sarapalha nos idos anos noventa – vi o espetáculo em vídeo, pelo SESCTV, o que me leva ao assunto desta postagem.

Sempre fui reticente ao registro em vídeo de espetáculos teatrais. Inicialmente acho que o teatro – muito além do seu discurso – é uma experiência física, energética e sensorial preparada para aqueles que se predispuseram a comparecer. A atmosfera é intransponível. O efeito presencial é insubstituível. Nada pode se comparar à sensação de estar em uma plateia de teatro – talvez um estádio de futebol. Mas se Dos à Deux não houvesse sido filmado eu jamais o assistiria, tendo em vista que a companhia está radicada em Paris desde sua origem. Jamais talvez seja exagero, mas, enfim.

Outra argumentação, que me tornava avesso ao registro, era quanto à perda da qualidade do espetáculo filmado e como ela reduzia as consequências artísticas da proposta. Então me pergunto: e neste caso? Respondo: talvez a qualidade artística de uma proposta, quando esta se torna verdadeiramente uma obra de arte, seja incorruptível. Se a obra é “maravilhosa”, o vídeo, no mínimo, pode torná-la “muito boa”, e, nesse caso, o lucro ainda é do espectador.

Não digo com isso que mudei de ideia. Digo apenas que sou um ser vivo, e, como tal, estou em declinante transformação: pele arrugando, cabelos embranquecendo e uma que outra ideia insistindo em se apresentar para revisão.

Pai & Filho em Natal

A pequena companhia de teatro foi convidada para apresentar o espetáculo Pai & Filho no Festival Agosto de Teatro 2010, mostra estadual realizada na cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, que acontece de 9 a 16 de outubro. O festival, que está na segunda edição, completa sua programação com espetáculos convidados de outros estados. Em 2009 os convidados foram: “Aqueles Dois”, da Cia Luna Lunera e “O Circo de um homem só”, da Cia João Lima. A curadoria estadual deste ano ficou a cargo de Kil Abreu, Eleonora Montenegro e Anderson Guedes. A apresentação de Pai & Filho está prevista para o dia 13 de outubro, no teatro Alberto Maranhão.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A(gosto) de deus

Trecho do texto "Dois", de Marcelo Flecha

A Pequena Companhia de Teatro foi convidada para participar do Festival Agosto de Teatro, em Natal, promovido pelo governo do estado do Rio Grande de Norte. A atividade está meio controversa, pois alguns grupos de Natal não tiveram suas inscrições aceitas, e alguns de fora do estado foram/estão sendo convidados. Outros potiguares não foram selecionados. Notícias correm. E gente de teatro conhece gente de teatro. 

Estou lendo a boneca do livro que Marcelo F. irá publicar através do edital BNB/BNDES de Cultura. "Dois" é um texto que fará parte do livro. Trata de dois atores que põem em xeque o seu fazer. Num desses questionamentos, eles analisam a inexistência de público, o desinteresse deles pelas escolhas da dupla. 

Quanto tempo faz que não me apresento, não ensaio, não estou em processo de montagem? A sensação é de 5 vidas e 2 dissabores. 

O convite para a apresentação caiu como um unguento na ferida pútrida. Sensação de desconforto com as animosidades dos outros? Onde não há política ou politicagem? Qual a postura de quem é e de quem está? E esse público interessado, existe? E a participação dele nesse jogo de interesses? Sinto saudades da minha ingenuidade e ignorância. Vou sugerir aos amigos de Natal um protesto idêntico ao que fizeram em Presidente Prudente (quer saber mais, clique aqui).

Sinto-me capaz, neste instante, de fazer meu ofício, posicionar-me politicamente fazendo meu discurso, no palco, enquanto ator. Meu público é aquele que me assiste, aqui ou lá. Vamos com fé. Ficamos a pé eu e meu umbigo.

domingo, 26 de setembro de 2010

O miolo da estória


Lauande e a Literatura Viva

Sábado, dia 18, fui ver o último espetáculo solo de Lauande Aires. É sempre bom ver nossos amigos em cena, principalmente quando a encenação é contundente. Não vou aqui fazer nenhuma crítica aprofundada, não é meu ofício, mas quero registrar minhas impressões. Gostei muito. Vi em cena uma ator íntegro, consciente e bem preparado. A narrativa me envolveu e cheguei a me emocionar em vários momentos. Também dei boas risadas. Os únicos pontos que me fizeram distanciar da cena foram a iluminação – não me agradou, as transições – há algo nelas que não dão a fluidez necessária para o desenrolar da ação, e a traquitana da cena final – tem tudo para ser bela, mas precisa ser melhor resolvida. No mais, é lindo, comovente, lúdico, coerente e – em tempos de discursos vazios – político, sem ser panfletário; ainda que eu não incorra no equívoco de achar que o “ser panfletário” seja um defeito. O solo também serve para reforçar meu parecer sobre a cena teatral maranhense em relação à produção Brasil afora. Estamos fazendo. Quão todos. Nem pior nem melhor. Competentemente quanto.