Lendo (e vendo) Os Livros de Miranda,
uma pergunta feita durante um dos diálogos entre Maurice e Fernando me tomou de
assalto: O que falta para esse ator? A pergunta atinge o cerne do ofício de
diretor, pois, sua função, cabe na fenda apresentada por essa indagação. O ator
é o ser absoluto do rito teatral; é ele que produz o estado, determina a
ambiência, constrói a atmosfera, provoca o diálogo, materializa a ideia. Quanto
maior a presença do ator, menor o interstício deixado pela pergunta – não se trata
aqui de maior ou menor qualidade, e sim, das dúvidas, bloqueios, vacilações que
qualquer processo de montagem gera no ator, com maior ou menor intensidade,
dependendo de cada caso. Quando essa greta surge, o desafio de preenchê-la se
apresenta para o encenador, e este é convocado para sanar, com suas falências,
as incertezas dos seus pares. É o exercício de quebrar-se, para que o som vindo
dos ossos partidos ecoe além do óbvio, e chegue ao ator em forma de magma –
quente e barroso, para que o ator possa laborar. O que falta para esse ator? No
teatro, uma pergunta não deve receber respostas, e sim, caminhos. O segredo do
nosso ofício está na forma de sugerir caminhos, e na coragem para acompanhar a
caminhada. Se o caminho for tortuoso, a dor será conjunta. Se circular,
retornaremos juntos ao mesmo lugar, para partir de novo. Se árduo, a fadiga
será mútua. Se certeiro, o gozo só durará até a próxima pergunta. No teatro, as
encruzilhadas são de tão diverso mistério, que não há possibilidade de ensaiar
uma alternativa, uma solução, um procedimento, antes que o imbróglio aconteça;
por isso os caminhos, por isso a permanente suspensão da certeza, por isso o
virginal sobressalto, e o exercício criativo que advém dessa pressão. Quando um
encenador pensa saber, sabe menos do que pensa. Quando oferece o que não sabe,
proporciona a construção de um saber coletivo – fenômeno basilar para a
constituição do fenômeno teatral. Para tal, o diretor de teatro precisa se
apresentar em estado permanente de presença criativa, mesmo que não consiga
criar nada. Se essa presença arrefecer, corra para debaixo da mesa.
domingo, 15 de fevereiro de 2015
domingo, 8 de fevereiro de 2015
Ler & Escrever
O exercício de escrever semanalmente
requer disciplina, opinião, inventividade e coragem. O exercício de ler
semanalmente o que o amigo escreveu requer paciência, generosidade e
disposição. Ler e escrever são gumes da mesma faca. Opostos, se encontram em
ações complementares. Enquanto o cursor corre formalizando a opinião, o olhar
corre redimensionando o conceito. Escrevo porque algumas coisas me são urgentes,
e não conseguem esperar o próximo espetáculo. Porém, também escrevo porque não
há mais nada para dizer. Claro está que o valor das opiniões que aqui expresso
não superam a simples desnecessidade de escrever. Quando Jorge sugeriu este
espaço – vão-se cinco anos de insistência – eu conjecturava solitário tudo
aquilo que agora aqui despejo, e permaneço só, munido da ilusão de que algum
leitor ainda exista, porque sozinho está aquele que se arriscou e pegou uma
caneta pela primeira vez. Escrevinhando. Um escritor é um amontoado de poemas.
Um escritor é um emaranhado de romances. Um escritor é um labirinto de contos,
ensaios, crônicas, a esconder aquela palavra maldita capaz de sintetizar a
linguagem e fazê-lo calar. Se a vida é o desencontro do todo com o nada, a
existência do escritor só se justifica se for para falar do nada e escrever de
tudo. É o que faço hoje aqui, escrevo; sem conteúdo, sem coesão, mas com a
coerência de quem acredita no que escreve, porque vêm do rascunho da minha vida
as experiências que transformo em texto. Ao encontrar um leitor, esse texto se
renova na experiência do outro, e a trivialidade das palavras escritas ganham
cor, uma a uma, pintadas pelos olhos de quem lê, num mosaico multicor único e
exclusivo daquele leitor, naquele momento, com aquele texto. Experiência
intransferível. Cores inimagináveis. Ler e escrever são como unha e carne, se
separadas, sangram. Ao conseguir sua atenção até aqui, torno-me afortunado,
porque você já percebeu que hoje trato de algo sem dizer nada, e, ainda assim,
você está aqui, atendendo ao meu convite: deslizar o olhar pelas frases que compõem
um texto. É um dos meus mais caros desafios: garimpar leitores. Por isso me
causa espanto uma expressão utilizada em blogs e redes sociais: seguidores. Eu
não tenho seguidores, tenho perseguidos.
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