terça-feira, 30 de março de 2010

A estética

O universo estético onde estes dois seres se "simbiotizam” (invento palavras quando meu vocabulário se mostra deficiente) é recheado de signos & símbolos que reforçam os motivos do conflito. O cru, linha de pesquisa estética que nossa companhia desenvolve atualmente, vem com um toque de luxo desgastado, aplicando um leve tratamento aos materiais crus explorados, como a linha, a rolha, o papelão, o tecido, etc. Dizer com uma cor, com um objeto, com uma imagem não é tão desafiador quanto o dizer dos atores em cena, mas tem lá seu charme. Convenhamos que nunca, ou quase nunca, aquele detalhe, aquela escolha de material, aquela dobra obsessivamente milimétrica - mas imprescindivelmente necessária - no elemento confeccionado é percebida pelo espectador, e, mesmo assim, nos desdobramos em pesquisas, estudos e escolhas como se alguém efetivamente fosse se debruçar sobre a obra como quem aprecia um quadro de Dalí. Então por que fazemos? Fetiche? Masturbação mental? É a necessidade de completar nosso dizer. No complexo mundo do teatro tudo é pouco, pouco nunca é suficiente, e muito é menos que nada. O discurso deve estar completo de significado para não morrer com a amargura do que ficou sem se dizer. Dramático assim?

É. Nossa arte é feita de vísceras, calos, dores musculares, cortes nos dedos, ossos quebrados e a utópica fantasia de conseguir dizer tudo de uma vez, para nunca mais ter que fazer.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Apenas uma quarta-feira

Todos os dias pessoas acordam, tomam café reforçado e vão para o trabalho. Seis, oito horas diárias. Retornam às suas casas, comem, dormem. Finais de semana, saem para "curtir" a vida.

Teatro é efêmero - ao menos tentam secularmente vender essa ideia. E quando falam sobre isso, não se restringem às apresentações. É a essência dele, i. e., ela está, inclusive, nos ensaios, na energia do ator, no espaço. Os humores sempre influenciarão.

Um dia é sempre diferente do outro, mesmo que possamos percorrer os mesmos caminhos. É que o tempo é outro, e tem seu próprio ritmo.

A cabeça tem seu próprio ritmo

Na quarta-feira algumas coisas aconteceram. Eu me propus a modular minha energia para aquém do que sempre faço. Não para o que o diretor chama de "ensaio burocrático". Não, eu queria estar mais presente e atento à cena. Com isso, o ator fica mais propenso a analisar as circunstâncias, o discurso, o conflito, e passa a modular, também esse ritmar.

É sempre uma espécie de viagem ensaiar. É que ator é phoda. Quando ele quer, faz. Quando não, é insuportável. Algumas pessoas são muito instáveis. Atores também são pessoas.

Mudamos, por causa da realização da V Semana do Teatro no Maranhão, de local de ensaio. Ao invés da Sala do Coro, fomos para a Sala de Dança, mais ampla, muito mais espelhos (para o teatro isso é terrível), mais clara, mais barulhenta. E isso afetou nosso processo, a partir do aquecimento. Num maior espaço, a atividade aeróbica é mais consistente, o ator se torna mais flexível, ágil.

Sala de dança do Teatro Arthur Azevedo

Ensaiamos mais cedo, já que estamos tentando assistir o máximo de espetáculos da programação da Semana de Teatro.

Atores não são trabalhadores comuns. Alguém uma vez me disse algo como se o teatro existisse para preencher as lacunas do mundo deixadas pela criação divina.

Chegar em casa depois do trabalho, depois do prazer. Jantar, levar o namorado à parada de ônibus, ver House e dormir. Faço das palavras de Próspero as minhas: sou humano!

segunda-feira, 22 de março de 2010

Contando o final


O espetáculo tem seis finais. Isso. Seis alternativas diferentes de final. Inclinar-nos-emos por uma quando chegar a hora. Como assim? É que o final é menos importante. No centro está o nosso fim, o fim é o todo. Já o final é uma mera formalidade para você espectador/leitor, ávido por conclusões. É que, antes mesmo do início, o destino do pai, muito bem alcunhado de Próspero pelo próprio ator que o protagoniza, já está traçado e materialmente consolidado de acordo com a sua vontade, ou não. O filho, vazio de nome e de norte, transita entre seus seis possíveis destinos sem necessariamente importar-se com eles, porque ser um nada esvazia. Este anti-herói nos oferece como isca o enfrentamento. Nos conduz pelas entranhas do desamparo sem nos deixar acreditar na sorte. Contra um pai que é visto ao mesmo tempo como deus, juiz, estado, tirano e carrasco o que pode um filho que se vê como mártir, escravo, inseto, réu e vítima? A força está na tentativa. A ilusão também. Cada ator, na nobre função de defender sua personagem tem um final predileto. Eu tenho os meus. É a consolidação de toda a montagem que vem mostrando a tendência do final, mas, no fim, a busca da verdade exigirá de nós o consenso ou a resignação. Quem é que não gostaria de poder escolher o seu destino e prever o seu futuro? Faça teatro e brinque de ser deus. Se não quiser fazer, assista. Nós oferecemos o pai e o filho. O espírito santo ficaria por sua conta, já que a estreia está próxima.

domingo, 21 de março de 2010

V Semana do Teatro no Maranhão


A Pequena Companhia de Teatro se fará presente na Semana com o espetáculo Entrelaços, de Gilberto Freire, com direção de Marcelo Flecha e atuação de Cláudio Marconcine e Lio Ribeiro, no dia 25 de março (quinta-feira), às 21 horas, no Teatro Arthur Avezedo. 

No dia seguinte, às 9h, haverá debate sobre o processo de encenação na pousada Portas da Amazônia, na Praia Grande (Reviver). A programação completa pode ser acessada no blog do Tramando Teatro, clicando aqui.

quinta-feira, 18 de março de 2010

A, at, ato, ator, atores

Uma das poucas coisas que sei que sou é ator. A minha carteira de trabalho diz isso. Nunca me senti prostituto em qualquer montagem, e isso quase me enternece. Sei que existem muitas companhias de teatro. Centenas de grupos - registrados ou não. Cada um com um dizer diferente. 

Me afino com o processo que se estabelece para a montagem. Meu prazer está no processo, não no resultado - importa mais para o público. 

 Atores unidos por um processo, por uma companhia

Existem atores para qualquer tipo de trabalho. O mercado está cheio deles. Os que bebem, que fumam, que não praticam alguma atividade física regular, os que paralelamente desempenham outras atividades para sobreviver...

Com essa diversidade de atores, o diálogo entre eles, em uma montagem, precisa estar afinado com o dizer da companhia, do grupo. Não precisam ser amigos, mas partilhar a criatividade em cena. Tolerar é algo humano - acreditem. E num universo de egos fenomenais aplausos, prêmios e flores nos camarins não são futilidades ou extravagâncias.

Antes de tudo, o ator

Minha relação para com o teatro deixou de ser o onanismo dos espetáculos-solo para dialogar com os procedimentos metodológicos de um grupo que pensa. Assim, além do diálogo com o outro em cena, e da assinatura na obra teatral do encenador/diretor - quando exposta à apreciação da plateia - está o dizer do ator, em seu processo representativo.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Diário de montagem

“ (...) Acho que a ressonância deve ser produto da experimentação física. O ator deve perceber quais as influências que cada antagônico provoca no fluxo do ar e na projeção do som a partir da estrutura física particular que cada antagônico possui (...) Acho que qualquer caminho que não este (sempre e quando estejamos falando da aplicação do quadro de antagônicos) será uma tentativa de encurtar caminhos (...) e provocará a quebra da organicidade, gerando estereótipos e clichês de estranheza gratuita que não se justifica por si só, se essa estranheza estiver deslocada do corpo vivo que a solicita.” Slz, 18/02/10

“ (...) Acho que o que se busca no treinamento e na construção de uma personagem é um estado energético que se sustente até o fim, reverberando em todas as ações e dizeres (...) Se isso não ocorre, tudo vira marca independentemente da técnica utilizada, tornando a personagem burocrática. Essa busca deve se despertar no ator, identificando esse estado a partir da percepção cinestésica (...) Acho que esse estado pode ser fisicamente conseguido e possivelmente codificado. Não me refiro a um “estado de espírito” até porque sou ateu, mas a um estado de consciência cênica produto de um ator pleno. Acho que codificar esse caminho é o que todo método busca.”Slz, 23/02/10

“ (...) Acho que devo dedicar maior energia à preparação. Ser mais exigente no rito de chegada, alongamento e aquecimento para que os atores cheguem com melhor energia para o trabalho experimental. Um deslize nessa preparação e as coisas ficam um pouco fora do eixo (...) Acho que o resultado depende da minha energia no período de ensaio (...) Nesta etapa final, devo administrar bem minhas atividades, horários, desgaste e sono para não comprometer meu rendimento na sala de ensaio.” Slz, 08/03/10.

Como se vê/lê, o estado teatral é de dúvidas, incertezas, inseguranças e incompreensões, ou seja, estado de dor permanente. Durma com um processo desses.

Convocação para a estreia de Pai & Filho

quinta-feira, 11 de março de 2010

A vida das coisas inanimadas

Espetáculo novo. Cenário, figurino, adereços. Representa-se uma história no hoje, mas ela tem um passado. Qual é o passado dos elementos inanimados existentes na cena? Qual o tempo da camisa? Quantas vezes os tecidos foram manipulados? E a sala de ensaio, quem esteve nela? Qual é a vida que esse espaço incorporou nos últimos anos? E quem vai assistir ao espetáculo?

Marcelo se queixa de nossas queixas. É que alguns elementos ainda nos faltam. E quanto menos eles forem manipulados, menos vida eles terão. Alguns sofrem em nossas mãos: um livro rasgado, caixotes se despregando, tecido sendo rasgado, couro rompendo, porta afundando. Em tudo que tem vida a morte é certa. 

MInha camiseta branca foi recentemente comprada (eu estava ensaiando com a do diretor). Estou lavando-a todos os dias. Ela parece um bebê. Precisa crescer, viver e mostrar as marcas do que passou. 

Kátia Lopes (produtora e esposa de Marcelo) odeia a ideia de ver o par de sapatos dele nos pés de Próspero (o pai). Já o ator bateu o pé e sentenciou: Próspero não vai querer um par de sapatos novo. Os velhos lhe caem bem, como a faca, a tesoura... Quanto mais o tempo é exposto às vistas, mais verdadeira e autêntica será a sensação do outro, tanto na cena quanto na plateia.

E quando manuseamos esse elementos, o respeito a eles é inevitável: fizeram/fazem parte da história de alguém, e esse alguém disponibilizou parte de sua energia para o jogo, para o ator, para o público.Tem arte mais alquímica que o teatro?

segunda-feira, 8 de março de 2010

Opinião pessoal


Temos tantos leitores quanto espectadores. É para eles que escrevo. É para eles que enceno? Acho que vão gostar. Do espetáculo. Do pai e do filho. Gostarem do texto é menos importante. Estamos a duas semanas de concluir a montagem de todas as cenas para depois podermos dedicar três prazerosas semanas ao cuidado dos detalhes: particularização da generalização. Estes seres, pai e filho, estão preparando para as visitas/espectadores um banquete cênico que, até aqui, me permite dizer que será vigorosamente calórico. O treinamento e as opções de antagônicos que foram se materializando no perfil das personagens revelam um filho que transita entre fragilidade, vigor, mágoa, ironia, raiva e impotência para conseguir sobreviver a um pai que se equilibra entre autoridade, desprezo, contundência, tranquilidade, decepção e afeto. São percepções que tenho até aqui. Por incrível que pareça, nessa violenta relação familiar que resolvemos retratar, percebo também que, como encenador, a montagem é o mais próximo que chegarei um dia de uma comédia. Falo sério. O tom, talvez imperceptível, reorganiza o rigor e o conduz para a doçura de um lar sem mel. Como faltam duas semanas para concluir as cenas não vou cantar vitória antes do tempo, mas, se o rumo se mantiver criativo, me atreverei a recomendar o espetáculo ao espectador que agora me lê, fato não muito comum quando me refiro a uma encenação que leva minha assinatura. E lembrem-se do título, é apenas uma opinião pessoal.

quinta-feira, 4 de março de 2010

A respiração no ator como fluxo de energia

Por anos, a compreensão e/ou a sistematização dos conhecimentos teatrais, enquanto técnica de interpretação, separava a voz do corpo do ator, mesmo porque o ator, em dado momento da história, era exclusivamente um leitor, que seguia à risca, os textos elaborados pelos dramaturgos de gabinete.

Nesse caso, a técnica vocal deveria contemplar o que lhe era exigido: dicção, cadência, afinação, volume, altura, potência, timbre, coloração, pois que o próprio canto coral na tragédia grega assim o requeria.

Entretanto, mudanças consideráveis acerca do teatro foram ocorrendo: os dramaturgos deixaram seus gabinetes e voltaram-se à cena; o ator ocupou o seu espaço; o oriente começou a interferir no modo de fazer teatral do ocidente. Com isso, a voz torna-se “um prolongamento do corpo” (BURNIER, 2001) e, em sendo, o corpo que se projeta, que age, necessita de energia; um corpo energético, absorvido por práticas teatrais do oriente; energia como “capacidade de produzir; firmeza; força” (BUENO, 2002). Então, nossa voz provém de “uma tensão dialética entre o corpo e texto” (PAVIS, 1999), e como energia, ela só se efetiva a partir do tencionamento de sua natureza dupla: anima e animus (BARBA, SAVARESE, 1995). 

Animus

Enquanto “anima é uma energia suave, animus é uma energia vigorosa” (BARBA, SAVARESE, 1995). Em Artaud, essas energias repercutem na respiração e em “ANDRÓGINO (...) MACHO (...) FÊMEA” (ARTAUD, 1985).

A ação vocal não se relaciona, exclusivamente, com as palavras: “A ação vocal é o texto da voz e não das palavras”, diz Burnier.

Essa afirmativa sugere uma multiplicidade de ações em uma mesma palavra: verbalizar refresco de forma ríspida, agressiva, doce, carinhosa, silabada, por exemplo. A emissão tem que estar “em acordo com a ação cênica e não uma voz apenas dramatizada” (GAYOTTO, 1997).

As múltiplas ações de uma palavra estabelece-se mediante: a entonação, quando “diz respeito tanto ao enunciado quanto à enunciação, tanto ao sentido do texto quanto àquele do trabalho do ator, tanto à semântica quanto à pragmática” (PAVIS, 1999); a teatralização, quando evita os “efeitos de naturalidade, de psicologia ou de expressividade” (PAVIS, 1999), e mostra “claramente a localização da fala no corpo e sua enunciação como um gesto que estira o corpo inteiro” (PAVIS, 1999); a materialidade, quando corporifica no ator, seu ritmo, o discurso no espaço, a “polifonia das falas” (PAVIS, 1999); a análise, quando levanta “efeitos de velocidade ou de lentidão, a freqüência, a duração da função das pausas” (PAVIS, 1999).

Quando tratamos de emissão, estamos falando de energias que potencializadas por músculos, cartilagens e nervos, exercem a respiração. Desta feita, a ação vocal tem em si a respiração como energia potencial da ação.

Anima

Essas energias são perceptíveis, para o espectador, no ator. Caso contrário, o ator não desprende energia o suficiente para tal. No ocidente, chamamos essa energia de vida ou presença do ator. No oriente, há expressões como “prana ou shakti na Índia; koshi, ki-hai e yugen no Japão; chikara, taxu e bayu em Bali; kung-fu na China” (BARBA, SAVARESE, 1995).

As energias são ativas quando são acionadas; oscilam entre a energia animus e anima. É essa alternância de energias que fará com que o ator tenha vida no palco. Como essa manipulação de energias permite “a muitos atores fascinar e surpreender por contradizer o comportamento social estereotipado homem-mulher” (BARBA, SAVARESE, 1995), o corpo dilata e torna-se extracotidiano.

ARTAUD (1985), em seu Teatro da Crueldade, redesenha essas energias em 03 (três) tempos — Andrógino, Macho e Fêmea — e em 06 (seis) arcanos principais: equilibrado e neutro no andrógino; expansivo e positivo no macho; atrativo e negativo na fêmea, o que confirma a posição de COELHO (1994) quando diz que “o movimento correto do pulmão para a boa respiração vocal precisa ser tridimensional e não apenas antero-posterior, como a maioria das pessoas sujeitas a muitas tensões realiza” (COELHO, 1994).

Fazendo uma analogia a ambos os autores, teremos o Quadro 1:


Com esses esquemas, podemos elaborar 06 (seis) combinações respiratórias possíveis, fazendo com que cada uma delas acompanhe 1 (um) sentimento específico, i. e., a respiração materializa o sentido da palavra, do texto. Tais materializações “requalificam a palavra” (BONFITTO, 2002). Segundo esse itinerário, “a respiração responde imediatamente aos estímulos externos ou internos” (CARVALHO FILHO,  2002), pois que “os seres humanos possuem padrões respiratórios básicos que variam de acordo com os diferentes estados emotivos” (CARVALHO FILHO, 2002), como a raiva, o medo, a alegria, visto que “a voz nasce do corpo para exprimir o que nele se passa” (CARVALHO FILHO, 2002), quando isso não ocorre, não há energia, não há vida.

Próspero e o inseto daninho

E quanto ao pai? Inominável? Carinhosamente alcunhado por Próspero, ele tem em si uma respiração contida, fêmea/atrativa/negativa/abdominal-intercostal que estrutura a personagem. Evidente que as mudanças de situação fazem com que essa respiração-energia module para outros esquemas.

Essa racionalização do fazer só me é possível a partir da prática da sala de ensaio. A gente não pensa a respiração. Ela acontece. O corpo age e reage a tudo. Quando ele quer ressoa, ele o faz. Quando não, se cala, emudece.

No trabalho pré-expressivo, o masculino e o feminino são trabalhados como antagônicos. Entretanto, essa energia proveniente da respiração está em todos os demais. Teatro é respiração.

O corpo é uno em si. Então, não só os sistemas e aparelhos estão interligados, como também temos impresso em nossa memória cerebral, emotiva e muscular, experiências múltiplas pelas quais passamos e experienciamos.

É essa multiplicidade de sentires num corpo elétrico, que nos faz aptos a manipular energia em uma ação vocal e física, de forma extracotidiana, na cena.

Essa manipulação de energias suaves ou vigorosas, variando o esquema — se torácico-clavicular, costa-diafragmático ou abdominal-intercostal — nos dá uma gama de possibilidades, de alternativas para expressar, de forma não interpretativa, o que buscamos.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Da verdade cênica


Quando tratamos da “verdade” logo vem à mente o naturalismo/realismo tanto teatral quanto televisivo ou cinematográfico e claramente se apresenta como o caminho mais eficiente para essa verdade. Mas quando a opção é não-naturalista o desafio é totalmente diferente e os caminhos outros que reproduções fiéis da realidade. Começa no olhar do espectador, que, deslocado para um estranhamento distante do cotidiano, reage de maneira reticente à opção apresentada, ancorado na padronização estética vigente. Convencê-lo a perceber uma verdade diferenciada da corriqueira requer do ator clara organicidade onde a vida apresentada não permita ao espectador outra opção aparente do que a oferecida pela personagem como forma única e possível de representar essa vida. Este desafio não permite deslizes e para isso deve-se aguçar a percepção, tanto do ator quanto do encenador. Ver ou ver-se orgânico não significa sê-lo. Para o ator, o trabalho pré-expressivo e expressivo deve ser tratado como único caminho exaustivo de repetições e percepções que plasmem nesse corpo as opções tomadas para as personagens. Repito o termo plasmar, já utilizado anteriormente, porque depois de longo treinamento essas opções não podem mais ser pensadas ou percebidas, correndo-se o risco de cair no fácil caminho de estereótipo, caso o grau de apropriação seja insuficiente. Já para o encenador a dificuldade é se livrar da sedução do acerto. O perigo é “querer” gostar do que está vendo. Ele deve apenas se concentrar no que vê, se distanciar do entusiasmo e recuperar permanentemente o olhar virginal, como se fosse o primeiro contato com a experiência apresentada, exigindo um cruel descompromisso emocional com a encenação e com o elenco envolvido. O que tudo isso tem a ver com Pai e Filho? Nesses últimos dias, depois do caos criativo, tivemos alguns momentos orgânicos que começaram a sinalizar como será a vida desses dois seres.