quinta-feira, 11 de março de 2010

A vida das coisas inanimadas

Espetáculo novo. Cenário, figurino, adereços. Representa-se uma história no hoje, mas ela tem um passado. Qual é o passado dos elementos inanimados existentes na cena? Qual o tempo da camisa? Quantas vezes os tecidos foram manipulados? E a sala de ensaio, quem esteve nela? Qual é a vida que esse espaço incorporou nos últimos anos? E quem vai assistir ao espetáculo?

Marcelo se queixa de nossas queixas. É que alguns elementos ainda nos faltam. E quanto menos eles forem manipulados, menos vida eles terão. Alguns sofrem em nossas mãos: um livro rasgado, caixotes se despregando, tecido sendo rasgado, couro rompendo, porta afundando. Em tudo que tem vida a morte é certa. 

MInha camiseta branca foi recentemente comprada (eu estava ensaiando com a do diretor). Estou lavando-a todos os dias. Ela parece um bebê. Precisa crescer, viver e mostrar as marcas do que passou. 

Kátia Lopes (produtora e esposa de Marcelo) odeia a ideia de ver o par de sapatos dele nos pés de Próspero (o pai). Já o ator bateu o pé e sentenciou: Próspero não vai querer um par de sapatos novo. Os velhos lhe caem bem, como a faca, a tesoura... Quanto mais o tempo é exposto às vistas, mais verdadeira e autêntica será a sensação do outro, tanto na cena quanto na plateia.

E quando manuseamos esse elementos, o respeito a eles é inevitável: fizeram/fazem parte da história de alguém, e esse alguém disponibilizou parte de sua energia para o jogo, para o ator, para o público.Tem arte mais alquímica que o teatro?

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