domingo, 31 de julho de 2011

Leyendo a los que leen

Há leituras e leituras. Aqui em casa há uma hierarquia. De acordo com a qualidade que atribuo ao livro, o ritual de leitura se estabelece. Entre as categorias, em decrescente nível de prestígio, estão: leitura no escritório, com livro apoiado na bancada; na cadeira da sala, com o livro em mãos; na cama, com livro em mãos e, às vezes, sem óculos; em qualquer lugar, sem ordenamento; e a derradeira e desprestigiada leitura no banheiro. Fora do meu habitat, essa hierarquia desaparece e leio qualquer coisa em qualquer lugar.

Alguns livros são promovidos durante o processo de leitura. Começam no banheiro e terminam na escrivaninha. Outros já são estrelas reconhecidas: possuo um exemplar da prosa de Borges que ganhei dia 27 de fevereiro de 1987, a bancada nem existia. A edição limitada do “Grande Sertão: Veredas” exigiu bancada pela forma física, antes mesmo do conteúdo chegar. Não revelarei títulos de banheiro: também escrevo e não suportaria a represália de ver minha obra entre papel higiênico e sabonetes.


Livros teóricos de teatro ganham bancada, diretamente. Confesso que alguns não mereceriam passar do banheiro, mas o ofício me exige certos cuidados prévios. Outros passam de leitura a estudo, imediatamente, e me debruço sobre eles. Nesses casos, somam-se aos óculos, BIC preta e bloco de anotações. Jamais tracei uma única linha de caneta ou lápis em um livro. Fruto de uma educação conservadora, em Buenos Aires, quando aprendíamos também a forma de como segurá-los – o que me parece um exagero.


Quando o livro é teórico, o desconhecimento provoca uma das melhores sensações para quem está diante dele. Essa sensação de estar prestes a desvendar seu conteúdo, entendê-lo, analisá-lo, assimilá-lo ou desprezá-lo, confunde-se entre ansiedade e desespero. Adoro a sensação.


Já o prazer da ficção é outro. Seja lírico, épico ou dramático, o livro impressiona pelo seu mistério. A sensação aproxima-se à perda da virgindade. Passo a passo a obra se desvenda, lentamente. Primeiro o contato físico, o toque, o cheiro, a capa, o papel. Depois a forma, o estilo, os nuances. Em crescente, o conteúdo, seus dizeres, seu teor, seu ser, em si. Prazeres.

Agora percebo que o filho, de “Pai & Filho”, lê mais do que escreve. Será sintomático?

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Bola cantada

Estar em São Paulo é sempre brincar com a ausência das coisas. Teatro e cinema não saem da cabeça, da memória. Lembranças que precisam sempre estar presentes como algo a ser manifesto. O ar, a comida, o cinema, o teatro. Quando digo que não gosto de assistir a espetáculos teatrais, deem descontos generosos.


Minha programação, foi: terça-feira, dia 19: A pantera, de Camila Appel; quarta-feira, dia 20: Absinto, de Cássio Scapin; quinta-feira, dia 21: Fragmentos do desejo, da Cia dos à deux; sábado, dia 23: Louise Bourgeois: Faço, Desfaço, Refaço, com Denise Stoklos e domingo, dia 24: Nomes do pai, da cia. da memória.

Três merecem destaque: Denise me emocionou profundamente por eu perceber como o teatro físico funciona. É uma mulher que quero ser quando crescer. Nomes do pai... eu fui ver porque tomam como base, também, Kafka e seu Carta ao Pai. Uma montagem de época, algumas cenas muito próximas de nós, enquanto  ação física. Nenhuma palavra é pronunciada. Mas, o treinamento dos atores é outro. Não os percebi vivos. Fragmentos do desejo é puro cinema. Temática ruim. Excetuando alguns momentos, os atores foram sugados pela precisão técnica do espetáculo.

Hoje estou assim, pulsando. Ainda sinto-me capaz de ir além. Ferve em mim o desejo de expor o que me consome – quase sempre penso e digo isso porque se tornou sentença de vida.

Ah, o palhaço... vai continuar adormecido. Não dá para fugir do óbvio.  

domingo, 24 de julho de 2011

Pirataria de ideias

Ouço frequentemente as frases “nada se cria tudo se copia”, “tudo já foi feito” ou “não reinventar a roda” quando relaciono conceitos sobre a criação artística. Esses provérbios urbanos, desculpas de armazém, justificam o que de mais comum venho observando na baixa arte provinciana: a cópia (infelizmente não tenho acesso ao museu do Louvre nem vejo a Royal Shakespeare Company, mas, francamente, não creio que seja muito diferente da nossa realidade).

Marcelo França e Marcos Flecha por Lucap

O conceito de criação artística está relacionado cada vez mais a um acervo de memória, onde o artista busca, não a criação, mas, a lembrança: “vamos usar aquela imagem daquele filme”, “que tal aquela roupa daquele musical?”, “lembra daquela escultura que a gente viu?”, e por aí desfilam os caminhos criativos desses intermináveis plagiadores. Palavras como homenagem, inspiração, relação, domínio público, etc. servem para camuflar o simples fato de trocar o inventivo pelo fácil caminho da cópia – não vou abordar o copia e cola cibernético porque o texto não teria fim.

Sim, tudo já foi inventado, o que não tira o mérito de quem inventar de novo. O processo de criação, de buscar algo inédito, vai além da pesquisa, das referências, dos cânones, deve obedecer a busca incessante da ruptura, da procura do original – mesmo sabendo o que essa palavra representa na contemporaneidade. Se, obedecido esse processo, o objeto criado também foi utilizado por um tailandês enquanto ensaiava em Taormina, paciência. Contudo o caminho foi pessoal, a descoberta, pessoal, a busca, pessoal, apenas – coincidentemente – dois seres humanos, em distintos pontos do mundo, seguiram o mesmo caminho e chegaram à mesma conclusão (me lembrem de contar, um dia, sobre o final do Santo Inquérito e do Espírito da Coysa).

O sabor da criação é incomparável. Estudos, análises, acervos, viagens, são fundamentais para alicerçar o caminho do ser criativo e não para servir como banco de busca ou catalogação de clichês. Você é daqueles que cria ou que copia? Vamos inventar?

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Alguma coisa acontece, sempre

Em São Paulo a temperatura oscila dentro e fora de mim. As informações não são novas - boa parte delas -, mas as sensações são. Rostos, corpos, um desejo de espetáculo-solo se avizinha. Profusão de energias, coração acelerado, falta de atividade física, cerveja diária. Tudo isso é motivação para o dizer, somente. E pode-se estar distante, buscar mais recursos fora, mas esse desejo de pertencer a alguém e a algum grupo permanece forte. Nossa casa, nossa companhia é a melhor coisa do mundo. 
Os caminhos permanecem inalterados, as experiências se multiplicam, o fazer se solidifica. Nosso teatro é a nossa constância. Para que melhor?

domingo, 17 de julho de 2011

Dirigir

Outro dia comecei a fazer uma lista nominal de atores, atrizes, bailarinos, bailarinas e muitos não atores que dirigi nesta vida – coisas de quem é artista e não tem o que fazer. Como dirigi grandes espetáculos (falo de tamanho) tive oportunidade de trabalhar com muita gente. Hoje trabalho com dois atores em cena. A pequena companhia de teatro tem o luxo de aglutinar, em seu pequeno quadro, dois atores, um diretor e uma produtora – considero um dos quadros mais perfeitos para uma companhia formada por quatro membros.

Velhos tempos: nem suor nem rugas

O ofício – diretor ou encenador – sofreu transformações no decorrer dos anos, e eu me transformei com ele. Passei da observação à ação. Da violência à paciência. Da consciência à demência. Da ansiedade à calma. Da conveniência à intolerância. Da prática à teoria. Do gosto ao sabor. Do improviso à rotina. De amador a profissional. De admirador a amador. Do verbo ao gesto. Do excesso à essência. Do muito ao pouco. Da madrugada à noite. Da ambição à despretensão. Do sonho à realidade. Do Ger“ar-te” à pequena. Do discurso ao diálogo. Da luz à sombra. Do cozido ao cru. Da juventude à velhice. Da obsessão à obsessão... mas evito contar macarrão.

Tempos velhos: efeito para os defeitos


Quando concluir a lista de atores, vou publicá-la, para podermos brincar de quem está e quem não está.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Lango-Lango Retardatário

Algumas coisas marcam forte o ritmo que conduz o condenado à forca. Mostrar-se sempre foi uma exercício de força, confiança, desapego. Não sou assim em boa parte do que sou fora dos palcos. Há muito andava observando o chão com medo de encontrar olhos me espreitando. Hoje é um pouco diferente disso. 

Mas, o palhaço ficou dormindo, deixou de sair, não se propôs a levar torta na cara, não olhou e compartilhou o suficiente. O medo se instaurou no corpo de um ator que comumente busca a transgressão como suporte para o viver. Assim, um pouco morreu. 

Dizem as línguas dos outros que cada coisa tem seu tempo. Acredito nisso quando quero. Quando não, descarto. A monotonia do ofício é quebrada quando do ofício parte-se para o orifício. 
A figura

Limpar a casa, renovar o guarda-roupas, refazer as tarefas de casa. Muita coisa muda/ou. O nome permanece o mesmo, quase uma sentença.

E do palco à praça, do conforto ao desapego. O corpo deixa uma parte de si surfar no vento. Quebra-se a maldição, busca-se a redenção. E o palhaço, o que é? É ladrão de homem sem chulé!

domingo, 10 de julho de 2011

A personagem

(Ainda sobre a dramaturgia do ator.)

Uma personagem é muito mais que uma estrutura física codificada para a ação. É uma composição de energias que decorre da fisicidade impressa pelo ator no processo de construção. Essa composição vai solidificando o perfil, a aura, a imagem da personagem. Enxerga-se a personagem na vida que ela emana e não no texto que verbaliza ou na forma que a caracteriza. Nossa busca está em dar vida a seres críveis mesmo apresentados em formatos incríveis. Suas estruturas físicas devem conter a funcionalidade necessária para sua existência, sem cair na virtuose como simples muleta. A estranheza que buscamos tenta deslocar o olhar do espectador para além do simples encontro, ampliando as deformidades do ser. Esse ser é sua essência. Essa caminhada caracteriza a pequena companhia e ajuda a conceituar sua principal dramaturgia, a do ator.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

A palavra no ator

O diálogo que se estabelece entre o Pai e o Filho é meio monocórdico. Dá a sensação de que os atores falam desse modo individualmente também: um diálogo que se repete, sempre. Ou são dois monólogos? E assim sendo, eles se ouvem, mas possivelmente não se escutam. Essa repetição tem equivalência na vida: dia após dia, tudo é mais do mesmo, e ao mesmo tempo se renova. É que buscamos falar algo além da palavra oralizada. 
Com isso, o corpo do ator em cena se estabelecerá de uma outra maneira, ressignificando a palavra dita. 

domingo, 3 de julho de 2011

Lentidão


Tenho o raciocínio lento. Eficiente, mas lento. Seja artístico ou científico, lento. Produzir cada uma destas postagens implica em uma semana de labuta. Palavra que entra, palavra que sai, palavra que volta, palavra que cai. Fonética, fonologia, sintaxe, semântica, sêmola, fermento, água e sal. Além da consulta final a Cláudio Aurélio Marconcine. No teatro é igual – ou pior. Novo processo de montagem e o raciocínio é espremido, da alvorada à madrugada, para chegar a uma gota de luz. Cada detalhezinho besta, do espetáculo que vocês veem, consumiu dias de pensamento. Cada ensaio demandou horas de preparação. Invejo o raciocínio rápido! Tenho um amigo cuja velocidade de raciocínio é assustadora – sua humildade me impede de revelar o nome. Com essa dádiva eu estaria assoviando e chupando cana. A lentidão do meu raciocínio me permite, no máximo, estas parcimoniosas linhas. Se eu fosse cronista, e tivesse que produzir uma lauda por semana, estaria frito. Como combino meia dúzia de palavras, estou apenas ferventando.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Jivago

Eu tenho um prazer enorme em fazer teatro.  As verdades nunca são absolutas. Fundamentalmente, estabelecemos uma verdade para nós. Gosto de trabalhar na Pequena Companhia porque a dramaturgia do ator está bastante presente, conjugada às demais dramaturgias. Uma de minhas verdades é que teatro é arte de ator. 

Mas, reaprendo sempre e percebo que o diretor existe, que o cenógrafo existe, que o figurinista existe, que o produtor existe. A vida se reinventa, a arte também.  A nossa arte vai além da própria palavra oralizada. Está no corpo, no gestus. Preciso teorizar um pouco mais acerca desse fazer. É que o teatro nunca se/me esgota. Não quero me economizar. Apenas Dr. Jivago.