Sempre que surge
um tema, recebo dezenas de nenhuns pedidos para escrever sobre. Desta
feita é quanto a mensuração de valor e qualificação da pesquisa teatral realizada
fora da universidade. Para o Houaiss pesquisa é um conjunto de atividades que
têm por finalidade a descoberta de novos conhecimentos no domínio científico
literário, artístico etc. A apropriação indébita dessa palavra por parte da
academia gerou uma cruel ditadura que parece preconizar que uma pesquisa só tem
valor investigativo se referendada por alguma universidade. Não estou aqui a
satanizar a pesquisa acadêmica, até porque ela possui um prestigio que fala per se. O meu bedelho meto-o na defesa
das pesquisas realizadas fora da órbita universitária, região que compreende o
resto do mundo. A defesa ocorre no intuito de incitar a prática, porque sem o
endosso canônico, percebo que artistas depreciam suas investigações ou correm
em busca de um aval cientificista – se advogo em causa própria é por não ter
visto outros muitos advogando por nós. A maioria dos fazedores teatrais desenvolve
pesquisa de campo, ou bibliográfica, ou empírica, ou laboratorial, ou descritiva,
ou experimental, mesmo que, às vezes, ela não tenha a menor noção disso; porque
arte não é ciência, mesmo que tentem enquadrá-la com tal. Essa vantagem faz da
arte a única atividade humana capaz de desconstruir as rígidas estruturas
formais e possibilitar um leque de caminhos outros na abordagem de uma
investigação. Você pode pesquisar teatro a partir do seu corpo ou pode fazer do
desprezo pelo seu corpo um objeto de pesquisa. O que digo é que a liberdade artística
pode ser tão fértil quanto a metodologia acadêmica. Digamos que um grupo de
teatro trabalhe décadas na busca de conhecimentos que auxiliem os seus membros
no domínio de uma técnica que possibilite o acesso a uma representação orgânica,
e logre seu objetivo. Essa pesquisa não é mais importante para o teatro que a
teorização sobre a influência de Bach no trabalho de Brecht? Respeitar a
pesquisa fora da universidade não subtrai valor à pesquisa acadêmica. Apenas
reconhece esforços no desenvolvimento de tecnologias teatrais em todos os âmbitos
possíveis, e a sala de ensaio é um dos espaços mais fecundos para a
pesquisa teatral. Digo, o desenvolvimento de qualquer conhecimento teatral
depende da harmonia entre o que se investiga no campus e o que se experimenta
no mundo.
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2 comentários:
01/02/2014. Cássia Pires comentou via Facebook: Acabo de ler, adoro esse tipo de invasões (rs) [refere-se ao compartilhamento do link na sua linha do tempo] e concordo plenamente com você Marcelo Flecha pesquisar está além de qualquer muro, muitos das minhas referencias artísticas não estão ligados ao campo acadêmico, o importante é que essa investigação seja feita com seriedade e dedicação como é o caso da "Pequena companhia de Teatro". Um grande abraço meu querido!
10/02/14. Michelle Cabral comentou via Facebook: desculpe a demora em comentar [refere-se ao compartilhamento do link na sua linha do tempo]. Gostei e acho um tema muito necessário. Eu acrescentaria apenas que na última década essa realidade "preconceituosa e discriminatória" quanto a produção intelectual do artista tem se diluído bastante. Não creio que a academia ainda tenha o poder de legitimar quem ou o que se pesquisa no atual contexto. Um dos fatores que penso, tem contribuído para o enfraquecimento desse "poder" é a entrada dos artistas dentro das instituição de ensino e de fomento à pesquisa. O lado bom disso tudo é que o campo artístico, me parece ser o que mais se apropriou do termo pesquisa. Hoje é muito raro encontrar um artista ou grupo artístico (seja em que linguagem for) que não reivindique para si esse papel, também de pesquisador. É como diz a canção popular "não se pode deter o rio que corre pro mar"... Parabéns o blog da Pequena Companhia é show. Eu nunca consigo escrever nele, acho que não aceita meu hotmail... Abraços a todos!
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