Tem certas coisas que me dão um prazer
singular. Meu pai confeccionou nossa mesa de jantar; meu permanente contato com
ela, por motivos óbvios, promove um vaivém de prazeres que se manifestam, pela
beleza estética do móvel, pela história contida na confecção, pela lembrança da
afetividade truculenta do sujeito; prazeres. Subo para o teatro e me deito nas
tábuas onde passeiam o pai, o filho, o ser humano, o ser alado; deitado, penso,
me espreguiço, rabisco, rabujo, me levanto, martelo, torno a me deitar, me
deixo; prazeres. Preparar o jantar para a Katia, um vinho um beijo um queijo.
Prazeres ínfimos, íntimos, despretensiosos. Escrevo uma página do romance, leio
uma do livro, fabulo a justificativa do projeto, olho para o nada e me abarroto
de tudo. Prazeres. A saborosa atmosfera criada quando um ensaio é bom, a
cumplicidade do olhar, a completude de encenar. O amigo que aparece, um licor,
um cigarro, um soneto, um abraço, um afeto. Cuidar das plantas, dormir até
meio-dia. Amanhecer, mesmo que entardeça,
e escolher na estante em qual das cuias vou preparar o mate – ato de
lembranças, pessoas, momentos, encontros; prazeres. Olhar para o Ulysses na
estante e desprezar suas mil páginas, sabendo que ele é obrigado a me esperar. Ser
o anfitrião, soltar um palavrão. Ouvir o sussurrar do colibri que insiste em
procurar a flor mais difícil, aquela que se encontra no nosso pátio, no baixo
de doze metros de paredes; prazeres. Não fazer nada; não ir à praia, mais saber
que ela está lá. A chegada inesperada do livro comprado pela internet. Ouvir
algumas pessoas me chamar pelo redutivo do meu nome, Marce, e ressurgir, sem
que fosse planejada, uma prática comum da minha primeira infância. Conversar.
Ouvir tango. Escolher o formato de um novo diário de montagem, catalogar
ideias. A companhia de Gatita; o carro na estrada; o silêncio da madrugada; sorver
o vinagre que sobra da salada; prazeres. Como o de escrever em um blog o
sentido de todas as coisas que não fazem o menor sentido... Não falo de
arrebatamento, de euforia, de assalto. Falo de pequenos prazeres. Fosse assim o
dia derradeiro, morreria feliz.
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4 comentários:
Este eu li. Rs. Prazeres, você é um imoral schopenhaueriano, hahaha. Somos. Um abraço. Não esquece aquela parada.
Salve, sumido!
Que texto delicioso, chega a ter perfume :)
Pois apareça mais e delicie-se, Priscylla!
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