domingo, 26 de julho de 2015

Conversa sobre pequenos prazeres


Tem certas coisas que me dão um prazer singular. Meu pai confeccionou nossa mesa de jantar; meu permanente contato com ela, por motivos óbvios, promove um vaivém de prazeres que se manifestam, pela beleza estética do móvel, pela história contida na confecção, pela lembrança da afetividade truculenta do sujeito; prazeres. Subo para o teatro e me deito nas tábuas onde passeiam o pai, o filho, o ser humano, o ser alado; deitado, penso, me espreguiço, rabisco, rabujo, me levanto, martelo, torno a me deitar, me deixo; prazeres. Preparar o jantar para a Katia, um vinho um beijo um queijo. Prazeres ínfimos, íntimos, despretensiosos. Escrevo uma página do romance, leio uma do livro, fabulo a justificativa do projeto, olho para o nada e me abarroto de tudo. Prazeres. A saborosa atmosfera criada quando um ensaio é bom, a cumplicidade do olhar, a completude de encenar. O amigo que aparece, um licor, um cigarro, um soneto, um abraço, um afeto. Cuidar das plantas, dormir até meio-dia.  Amanhecer, mesmo que entardeça, e escolher na estante em qual das cuias vou preparar o mate – ato de lembranças, pessoas, momentos, encontros; prazeres. Olhar para o Ulysses na estante e desprezar suas mil páginas, sabendo que ele é obrigado a me esperar. Ser o anfitrião, soltar um palavrão. Ouvir o sussurrar do colibri que insiste em procurar a flor mais difícil, aquela que se encontra no nosso pátio, no baixo de doze metros de paredes; prazeres. Não fazer nada; não ir à praia, mais saber que ela está lá. A chegada inesperada do livro comprado pela internet. Ouvir algumas pessoas me chamar pelo redutivo do meu nome, Marce, e ressurgir, sem que fosse planejada, uma prática comum da minha primeira infância. Conversar. Ouvir tango. Escolher o formato de um novo diário de montagem, catalogar ideias. A companhia de Gatita; o carro na estrada; o silêncio da madrugada; sorver o vinagre que sobra da salada; prazeres. Como o de escrever em um blog o sentido de todas as coisas que não fazem o menor sentido... Não falo de arrebatamento, de euforia, de assalto. Falo de pequenos prazeres. Fosse assim o dia derradeiro, morreria feliz.   

4 comentários:

Anônimo disse...

Este eu li. Rs. Prazeres, você é um imoral schopenhaueriano, hahaha. Somos. Um abraço. Não esquece aquela parada.

Marcelo Flecha disse...

Salve, sumido!

Unknown disse...

Que texto delicioso, chega a ter perfume :)

Marcelo Flecha disse...

Pois apareça mais e delicie-se, Priscylla!