quinta-feira, 27 de setembro de 2018

mercado de cu é rola ou a profissionalização nos olhos dos outros é refresco


walter mercado, mercado das pulgas, mercado financeiro, mercado livre, mercado do peixe. uma entidade. onipresente. marginal é aquele que não se enquadra. nicho. empreendedor. compra e venda de serviços ou produtos. o teatro que faço não é produto. ator. sindicato. piso salarial. garantia de direitos trabalhistas. brodagem. modelagem. publicidade. políticas públicas de cultura.

meninxs, eu vi!

sonhei que não passava fome e que minha profissão era valorizada. ninguém que não fosse capacitado e habilitado exercia a atuação. pagava meus boletos, me apresentava gratuitamente subsidiado pelo estado (res publica) e encontrava uma potência nas pessoas que se possibilitavam ao abraço generoso da criação.

estamos tão distantes do ideal que não exercemos nossas atividades dentro do espectro das leis, pois nos consideram – os artistas – como vagabundos, mamadores de tetas governamentais, amigos que executam suas funções sem serem remunerados, sindicalistas desamparados por uma instituição ilegalmente constituída… um horror. nos colocamos com o pires na mão a mendigar esmolas, nos enquadramos como pedintes, uma subcategoria profissional, um desempregado… não somos artistas; precisamos ser mei, uma pessoa jurídica para que o mercado – principalmente no campo do audiovisual – nos acolha.

não quer, tem quem queira!

assim, marginais que somos, sentamos e choramos sobre o leite derramado. hibernamos em nossas “casavernas” sem motivação e esperança para levantar uma bandeira sequer. tudo é trágico e risível. e tudo pode piorar. e tudo é nada, sem potência, sem a ternura ou a garra que precisamos para a nossa revolução doméstica.

me vejo fazendo propaganda eleitoral, me vendendo aos lobos e posando de profissional; me vejo mudando de carreira/profissão/ideal para comprar meu apartamento a prestação, minha moto financiada, meu smartphone de última geração.

a arte deveria ser gênero de primeira necessidade, muito antes do pão. nossa sociedade rejeita essa alternativa. o mercado das urnas sustenta uma política cruel de invisibilidade artística e consequentemente uma visão alterada da realidade que nos circunda. esse poço continua sem fundo. nenhum bem, dado o quadro atual, virá nos tirar dele.



quinta-feira, 20 de setembro de 2018

as eleições e as políticas públicas de cultura


tenho o hábito de detestar discussões acaloradas virtuais. considero totalmente improdutivo polarizações e tenho preguiça de curtir, de comentar – de compartilhar dou um desconto razoável. acompanho os debates dos candidatos à presidência pela internet, pois há tempos desisti de ter televisão – ela emburrece... imagine como eu ficaria. ao governo do maranhão, acompanho as entrevistas – também virtuais –, que simulam os apresentadores do jornal nacional, mais imbecilizados ainda. em comum, nada consistente, significativo ou sequer ventilado acerca de políticas públicas para a cultura. ciro gomes tentou alguma coisa com o tico santa cruz e a michelle cabral comentou algo sobre o haddad, mas não chequei a informação. tentei buscar as propostas do boulos, mas não encontrei na página do psol seu programa ou diretrizes de governo. se são tão difíceis assim de serem verbalizadas em entrevistas, levo a crer que nenhum deles está interessado em divulgar suas propostas para esse segmento – ou não têm mesmo.



em casa chegam panfletos e informes sobre os candidatos locais e nenhum deles trata sobre o assunto. de fato, se a prefeitura e o estado não se preocupam, esse tema cai no esquecimento, e nem mais em época de propaganda eleitoral sugerem mudanças. assim, nos resta a continuidade de nada ou de coisa nenhuma; órfãos de pai e mãe, sem avós ou tias para nos criarem e nos manterem vivos; ausência total do estado na condução de políticas públicas para a cultura.

diariamente estamos trabalhando para a montagem do novo espetáculo, sem financiamento público ou privado, fazendo nosso papel e ocupando um espaço que deveria ser subsidiado. somos o retrato daqueles que não se vergam diante da incapacidade monstruosa daqueles que têm o papel de cuidar para que nossa comunidade esteja permanentemente refletindo sobre a realidade. vivemos numa mobilização tacanha e imbecil na virtualidade. o que nos falta, ainda, é o encontro; espaços de interlocução estão cada vez mais raros. sentimo-nos sós; olhamos para um lado, para o outro e só vemos pessoas pela janela do computador. o mundo está bastante chato é uma primeira assertiva. a segunda é que a arte deve provocar reflexão, análise e impacto. já a terceira, é que permanecemos marginais, jogados ao limbo, desesperançosos com qualquer mudança.

o que nos sobra senão permanecermos exercendo nosso ofício? nossa mobilização se estabelece na condução do que nos move. continuar a fazer o que insistem em minar, em desmobilizar é a nossa maior resposta, nosso maior posicionamento, nossa maior política.

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

rastros e memórias: do registro ao treinamento e a criação atoral na pequena companhia de teatro (4/4)



a memória é acionada em todas essas etapas, em vários aspectos e circunstâncias. na parte pré-expressiva, o corpo aciona a memória e a memória aciona o corpo em fluxo, para sentir as referências que tem acerca das palavras que servirão de estímulo às sensações, para posterior geração de significados, independentemente de que a memória não seja clara o suficiente para adquirir forma consistente e orgânica, verdadeira e crível no corpo.
tomemos como exemplo dois atores: o primeiro que esteja com sobrepeso e que leve uma vida sedentária e o segundo que pratica atividade física de alto impacto e que tem a musculatura visivelmente definida. ambos exercitarão a tensão. o primeiro terá dificuldades iniciais em recorrer à memória para sentir tencionamentos em seu corpo e não passará verdade a quem o observa. o segundo não terá essa mesma dificuldade, pois o exercício cotidiano fará com que a memória exponha, com certa facilidade, essa sensação, e será crível aos olhos do espectador. com a prática do procedimento, ambos terão a oportunidade de fortalecer essa memória, criar novas memórias a partir dessa experiência e acioná-las mais organicamente num outro momento do processo de treinamento e/ou montagem de um espetáculo. ambos, depois, exercitariam o relaxamento (antagônico da tensão) e as performances seriam outras; o primeiro ator teria mais facilidade em ser orgânico em sua performance, e o segundo teria que praticar mais, inversamente à primeira exemplificação. assim, quanto mais tempo se exercita o método, mais potencial terá a memória em recorrer às sensações porque passou, pois que o “hábito” fortalece a “experiência útil” de aplicarmos a técnica em “acontecimentos semelhantes” posteriormente, como a repetição dos ensaios, a rememoração e o constante revisitar para as apresentações (menezes, 2000).
na expressividade, ambos os atores acionam a memória para experimentar essas sensações na construção de suas personagens; se ela é essencialmente tensa, apressada, ágil, lenta, masculinizada, feminilizada e, em cada um dos antagônicos elencados no procedimento adotado, dá a quem exercita um caráter de verdade a partir das sensações existentes no corpo.
escolhas físicas repercutem nas características da personagem. nesse momento não são acrescentadas memórias psicologizantes, como a lembrança de alguém que poderia ser considerada apressada, lenta, pesada, feminina etc, para a composição da personagem, pois como estética e politicamente a companhia não se coaduna com o realismo/naturalismo, bem como fortalece e valoriza a dramaturgia atoral, o corpo dita um ritmo diferenciado na composição das personagens, o que distancia da ideia de se espelhar em alguém que se conheceu, recuperando na memória sua forma de andar, de dizer, de agir, em detrimento das composições que o próprio corpo representará a partir das sensações que as palavras do procedimento, numa recuperação ou formação de memórias, sentenciará.
no terceiro momento, há uma espécie de reforço da memória para fazer com que a composição da personagem se solidifique, dê organicidade e permanência no tempo e também nas ações físicas necessárias à compreensão da diegese do espetáculo, gerando com o corpo e em conjunto com as outras dramaturgias sua própria dramaturgia atoral, em que o corpo do ator articule uma dimensão dialética com o texto, com a luz, com o cenário, com o espaço etc.
para que o corpo aprenda, apreenda e se recupere em sua dimensão de gerador de significados, há a necessidade de seguir os rastros das mesmas sensações, desde o processo pré-expressivo, mas principalmente a partir do expressivo, retomando a composição que caracteriza cada uma das personagens, e que nomenclaturamos como origem: momento que, dentro de um espaço de tempo, o ator recupera, relembra através de movimentos1, a corporeidade de sua personagem.
no espetáculo “pai & filho”, em que eu faço o pai, preciso de 15 minutos para que meu corpo se lembre e se reorganize na estrutura corpórea da personagem. seguindo uma rotina, e já devidamente caracterizado, os pés enraizados e alinhados à cintura pélvica, com a pélvis encaixada, conto mentalmente 10 segundos para elevar a cabeça, como se alongasse a coluna; mais 10 segundos e encaixo os ombros, como se puxassem lateralmente a ambos; 10 segundos e elevo o peitoral como se fosse um pombo ou como se projetasse os mamilos para o teto; 10 segundos, como se puxassem o meu corpo para trás, objetivando reencontrar o ponto de equilíbrio, contraio as omoplatas; 10 ou 20 segundos nessa posição (no teatro antropológico, na mímica corporal dramática, na dança, convencionou-se chamar de posição neutra ou zero). sentindo o peso (o antagônico que guiará toda a personagem) da gravidade sobre os ombros, vou lentamente fazendo com que o corpo se curve em direção ao chão. cabeça, pescoço, ombros, cintura escapular, tronco, joelhos flexionados, braços pendendo ao lado do corpo, até que os dedos das mãos alcancem o chão. inspiração e expiração fortes, porém lentas. o corpo reage a esse peso com a força (antagônico que auxilia o peso na construção de significados e que irá antagonizar com ele a escrita do ator), elevando-o até ficar novamente na posição neutra. esse movimento se repete por duas vezes. os olhos se abrem e percorrem o espaço acima, abaixo, lateral esquerda e direita, se fecharão para a repetição do movimento de ir ao solo a partir da força da gravidade mais duas vezes. após, o corpo está pronto para se deslocar como a personagem e começar a projetar partes do texto e a exigir do corpo que retome, relembre, algumas ações em mímica da personagem, no espetáculo, como atarraxar uma lâmpada, borrifar veneno, costurar a própria calça e a camiseta do filho, andar em ritmos diferentes etc. depois de 15 minutos, calço os sapatos, coloco o alfaiateiro no ombro direito e o linheiro no ombro esquerdo e pego o rolo de tecido com a mão direita e o coloco sob o braço direito e pouso a mão esquerda sobre o rolo de tecido, e espero o momento do início do espetáculo.
o teatro é efêmero e cada apresentação é diferente da outra porque existem muitas variáveis envolvidas. entretanto, esse percurso será exigido para que se recupere a ideia original da obra de arte, aquilo que fez com que ela fosse exposta à apreciação pública. para que tenha efeito essa ideia original, necessário se faz que aproximemos cada uma das apresentações como se fosse uma única em forma e conteúdo.
alguns instrumentos são utilizados para preservação e recuperação da memória na pequena companhia de teatro: diário de encenação, catálogo de ideias, filmagens, fotografias, clipping, produção textual, arquivos digitais, que são acionados quando há alguma querela entre as memórias individuais para recuperar uma cena, uma ação ou movimentação específica. os atores na companhia nunca tiveram a prática do registro escrito. algumas tentativas foram experienciadas, mas há um lapso temporal importante entre a execução do movimento, da ação e do gesto para a tomada das anotações. se for no instante do acontecimento, desgasta o ritmo do processo criativo. se se deixa para um outro momento, a escrita fica comprometida, dada a distância da sensação, do fato.
independentemente da não sistematização dos registros coletados desde seu surgimento, a pequena companhia de teatro tem esse hábito como mecanismo de contar sua própria história. quanto mais informações forem preservadas, mais possibilidade haverá de a história ser contada pela perspectiva de seus integrantes, em que pese o desinteresse do estado em preservar a história do teatro de grupo no país.
1 diferentemente do vocábulo ação que se caracteriza por ter, necessariamente, uma intenção, o movimento apenas o é.



quinta-feira, 6 de setembro de 2018

rastros e memórias: do registro ao treinamento e a criação atoral na pequena companhia de teatro (3/4)



o quadro de antagônicos, metodologia adotada pela pequena companhia de teatro, é alicerçada em palavras, aos pares, e que sugerem sinestesias, dando ideia de antagonismos para fortalecer o conflito inerente ao fazer teatral – aqui mais especificamente relacionado ao drama –, a saber: peso/leveza; força/fraqueza; dilatação/retração; agilidade/dureza; velocidade/lentidão; masculino/feminino; samurai/gueixa; tensão/relaxamento; mínimo/máximo; contenção/expansão.
essas palavras devem ser experienciadas no corpo do ator, não de forma ilustrativa, figurativa, como alguém fazendo força ou carregando um peso, o que equivaleria a uma intenção, resultando em uma ação1. como o corpo é acionado quando se pensa no vocábulo “força”, e não se demonstre força, mas que seja forte por si só? nesse momento, a memória é acionada para referenciar as representações de força que o ator detém em sua lembrança e outras experiências que possam fazem com que as palavras façam algum sentido para o ator,
essas palavras têm significados específicos e conflitantes em sua etimologia. como sugerem sinestesias, o ator, em seu treinamento, deve senti-las, sem contudo interpretá-las ou representá-las, e concomitante a essa experiência, o encenador também deverá perceber essa sensação e, consequentemente, o espectador, mas esse último como traço da personagem representada. nesse pequeno recorte, temos três experiências possíveis: a de quem sente, a de quem vê quem sente e a de quem sente o que vê2. nesta metodologia, o ator faz suas escolhas e dialoga com o encenador. reconhecer a metodologia e participar dela só fará sentido se o trabalho do ator sobre si mesmo for exercida e abrigada.
a memória também é acionada quando da preparação para entrar em cena, quando, num dado momento, os atores se posicionam para originar suas personagens, isto é, fazer com que a repetição de determinados movimentos faça com que o corpo se lembre da estrutura físico/energética conseguida na sala de ensaio.
o corpo, através desse treinamento, sistematiza sinestesicamente sua própria compreensão. o corpo reflete sobre “as coisas em si” e, posteriormente, uma “reflexão sobre os rastros”, “uma espécie de vestígio” (gagnebin, 1997).
mesmo sendo método, há diferenças de compreensão e de entendimento, pois que os corpos são diferentes e diferentes também são suas composições e histórias. haverá sempre uma singularidade da execução desses procedimentos e em seus resultados em cena. diferentes atores, mesmo procedimento, diferentes percepções e diferentes resultados. nesse aspecto, privilegiar a escrita do ator equivale a aceitar a diversidade de resultados num mesmo processo.
a metodologia preconizada pela pequena companhia de teatro delineia momentos diferentes para exercitar o corpo, dividindo o trabalho em três momentos que são, ao mesmo tempo dissociados e interseccionados: pré-expressivo, expressivo e dramatúrgico. o primeiro exercita o sistema sem compromisso com construção de personagens ou definições de ações ou intenções de cena. o segundo já se preocupa com construção de personagens, excluindo antagônicos que não se coadunam com as outras dramaturgias ou que não encontram ressonância ou afinidade com a organicidade que se busca. o terceiro momento já expressa a necessidade de elaboração de ações a partir da dramaturgia do autor, articulando intenções, fala e ações. esses momentos existem em separado temporalmente, mas não se excluem, pois são praticados no mesmo dia em sala de ensaio, mas o foco é sempre em um deles, em que pese a racionalidade da escolha.

1 para a primeira parte do treinamento e composição de personagens, a eficiência do método só será possível mediante a compreensão do ator sobre a diferença entre movimento e ação. o movimento será exigido mais na primeira parte do treinamento; já a ação, num momento posterior, quando a estrutura física da personagem estará já codificada.
2 podemos fazer um paralelo com a memória que é recuperada pelo corpo do ator, que viveu o momento e o recuperou pela lembrança; o encenador que vê, escuta a articula, através de suas memórias com as do ator que lhe são apresentadas através de representações corporais; e o espectador, que sente, cria sua memória através da experiência dos outros (halbwachs, 2006). também podemos aqui referenciar pollak (1992), quando trata sobre “os elementos constitutivos da memória” em “acontecimentos vividos pessoalmente” e “vividos por tabela”.

domingo, 2 de setembro de 2018

Qual é a sua verdade?


Encerramos a quarta semana do processo de montagem de Ensaio sobre a memória, novo espetáculo da Pequena Companhia de Teatro, com previsão de estreia para novembro, inspirado no conto A Outra Morte, de Jorge Luis Borges. No elenco, Jyesse Ferreira, Xico Cruz e Cláudio Marconcine (Nem tudo é verdade. No parágrafo há falsas verdades, verdades omitidas e quase mentiras).

Independentemente de método, procedimento, sistema, invencionice, metodologia ou caos, qualquer fazedor teatral quer, no fundo no fundo, atingir a verdade cênica – aquela célula orgânica, pulsante e crível chamada de bom espetáculo. Queremos atingir a verdade. Queremos que o espectador reconheça no nosso fazer a honestidade, empenho e reflexão que só a verdade pode reverberar. Queremos um diálogo verdadeiro, franco. O que o teatro deseja é estabelecer com o espectador um pacto de confidencialidade íntimo, verdadeiro; sem simulacros, sem mentiras, sem meias-verdades, sem falsidades, sem desculpas de botequim, sem falsas promessas, sem confissões dúbias – sem que o espectador fique com aquela sensaçãozinha desagradável de pensar: essa Pequena tá me enrolando. Para nós, teatreiros, o espetáculo é o nosso confessionário: nele assentamos o nosso compromisso de fidelidade com a plateia, e a única coisa que pode dar atestamento a esse voto é a verdade. Exagerei? Não creio. Num mundo tão blasé, o teatro exige de nós intensidade, e como o que exercito neste blog é a tentativa de traduzir o que lá se passa, sempre me apresento a você assim, com a intensidade de quem acredita na eternidade da nossa relação – mesmo sabendo que você, traiçoeira leitora, leitor infiel, me trocaria antes do fim deste parágrafo por qualquer escritorzinho mixuruca que sussurre ao seu ouvido palavrinhas doces.


Mas, o que é a verdade? O que na nossa vida é verdade? Quantas verdades padecem em poucos meses? Quantas verdades são trocadas por vinténs? Quantas verdades sucumbem a um bom argumento? Quantas verdades um olhar consegue esconder? Quantas verdades são destruídas pelo acúmulo de pequenas mentiras? Quantas mentiras se tornam verdades pela simples repetição? Quantas das nossas histórias são verdadeiras? Quantas verdades são política? Quantas condenações aconteceram por verdades forjadas? Quanto de verdade a história nos contou?

Nossa montagem propõe tratar disso, e daquilo, e daquilo outro. E hoje se depara com a busca da verdade no seu principal instrumento dramático: o ator. É nesta fase, em sala de ensaio, que tudo o que se busca, se experimenta, se experiencia e se pesquisa, tenta fazer pulsar no corpo do ator essa verdade cênica que traduzirá com eficiência todos os dizeres que propomos reflexionar no espetáculo. Conseguir isso é o nosso desafio, e único condutor que norteia a nossa empreitada.

A prova disso é o quanto o Quadro de Antagônicos – nosso método de montagem – vem sofrendo modificações, alterações, reconfigurações, a partir de cada encenação. Como o que buscamos é a verdade cênica, o que sistematizamos até aqui nunca foi posto como norma, e sempre estivemos atentos a qualquer tipo de engessamento que essa metodologia pudesse apresentar, tendo em vista que o que nos motiva e guia é o resultado final: um espetáculo honesto.


Porém, a verdade, em tempos áridos como os de hoje, costuma ser frágil. E por isso nos entusiasmamos com a ideia de refletir sobre a memória, a história, a verdade, a tortura... frágil como o filamento de uma lâmpada incandescente. Frágil como uma promessa. Frágil como o último suspiro. Frágil como uma paixão adolescente. Frágil como o desejo de construir uma sociedade mais justa. Frágil como o sonho mais repetido neste blog: mudar o mundo.

Mas não se aflija, tenha em mim uma âncora de esperança. Há verdades incorruptíveis que me perpassam desde o dia em que me percebi fazendo teatro. Por exemplo: não sou homem de fases, de momentos; sempre fui de eternidades. Minha opção pelo teatro é minha melhor causídica. Penso na Pequena eternamente; morrerei nela, mesmo que amanhã seja expulso por excesso de intensidade. Nunca neguei ser um indivíduo insuportável. Portanto, sei que estou sujeito a isso.