o
quadro de antagônicos, metodologia adotada pela pequena companhia de
teatro, é alicerçada em palavras, aos pares, e que sugerem
sinestesias, dando
ideia de antagonismos para fortalecer o conflito inerente ao fazer
teatral – aqui mais especificamente relacionado ao drama –, a
saber: peso/leveza; força/fraqueza; dilatação/retração;
agilidade/dureza; velocidade/lentidão; masculino/feminino;
samurai/gueixa; tensão/relaxamento; mínimo/máximo;
contenção/expansão.
essas
palavras devem ser experienciadas no corpo do ator, não de forma
ilustrativa, figurativa, como alguém fazendo força ou carregando um
peso, o que equivaleria a uma intenção, resultando em uma ação1.
como o corpo é acionado quando se pensa no vocábulo “força”, e
não se demonstre força, mas que seja forte por si só? nesse
momento, a memória é acionada para referenciar as representações
de força que o ator detém em sua lembrança e outras experiências
que possam fazem com que as palavras façam algum sentido para o
ator,
essas
palavras têm significados específicos e conflitantes em sua
etimologia. como sugerem sinestesias, o ator, em seu treinamento,
deve senti-las, sem contudo interpretá-las ou representá-las, e
concomitante a essa experiência, o encenador também deverá
perceber essa sensação e, consequentemente, o espectador, mas esse
último como traço da personagem representada. nesse pequeno
recorte, temos três experiências possíveis: a de quem sente, a de
quem vê quem sente e a de quem sente o que vê2.
nesta metodologia, o ator faz suas escolhas e dialoga com o
encenador. reconhecer a metodologia e participar dela só fará
sentido se o trabalho do ator sobre si mesmo for exercida e abrigada.
a
memória também é acionada quando da preparação para entrar em
cena, quando, num dado momento, os atores se posicionam para originar
suas personagens, isto é, fazer com que a repetição de
determinados movimentos faça com que o corpo se lembre da estrutura
físico/energética conseguida na sala de ensaio.
o
corpo, através desse treinamento, sistematiza sinestesicamente sua
própria compreensão. o corpo reflete sobre “as coisas em si” e,
posteriormente, uma “reflexão sobre os rastros”, “uma espécie
de vestígio” (gagnebin,
1997).
mesmo
sendo método, há diferenças de compreensão e de entendimento,
pois que os corpos são diferentes e diferentes também são suas
composições e histórias. haverá sempre uma singularidade da
execução desses procedimentos e em seus resultados em cena.
diferentes atores, mesmo procedimento, diferentes percepções e
diferentes resultados. nesse aspecto, privilegiar a escrita do ator
equivale a aceitar a diversidade de resultados num mesmo processo.
a
metodologia preconizada pela pequena companhia de teatro delineia
momentos diferentes para exercitar o corpo, dividindo o trabalho em
três momentos que são, ao mesmo tempo dissociados e
interseccionados: pré-expressivo, expressivo e dramatúrgico. o
primeiro exercita o sistema sem compromisso com construção de
personagens ou definições de ações ou intenções de cena. o
segundo já se preocupa com construção de personagens, excluindo
antagônicos que não se coadunam com as outras dramaturgias ou que
não encontram ressonância ou afinidade com a organicidade que se
busca. o terceiro momento já expressa a necessidade de elaboração
de ações a partir da dramaturgia do autor, articulando intenções,
fala e ações. esses momentos existem em separado temporalmente, mas
não se excluem, pois são praticados no mesmo dia em sala de ensaio,
mas o foco é sempre em um deles, em que pese a racionalidade da
escolha.
1 para a primeira parte do treinamento e composição de personagens,
a eficiência do método só será possível mediante a compreensão
do ator sobre a diferença entre movimento e ação. o movimento
será exigido mais na primeira parte do treinamento; já a ação,
num momento posterior, quando a estrutura física da personagem
estará já codificada.
2 podemos fazer um paralelo com a memória que é recuperada pelo
corpo do ator, que viveu o momento e o recuperou pela lembrança; o
encenador que vê, escuta a articula, através de suas memórias com
as do ator que lhe são apresentadas através de representações
corporais; e o espectador, que sente, cria sua memória através da
experiência dos outros (halbwachs, 2006). também podemos aqui
referenciar pollak (1992), quando trata sobre “os elementos
constitutivos da memória” em “acontecimentos vividos
pessoalmente” e “vividos por tabela”.
Um comentário:
Pela pequena prática em oficina com Marcelo Flecha, o texto esclarecer bem o momento, é direto e o Quadro de antagônicos aponta como um caminho viável da busca por um teatro verdadeiro. A relação entre ator e personagem é necessária e para dar esse significação do corpo do ator mostra que não se esgota no fato de ser personagem. O “método” apresentado pela companhia mostra como agir com essas relações entre as camadas de signos que agem no espaço teatral.Aires de Oliveira
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