Amanhã é Natal. Hoje é a
véspera, que na Argentina recebe o singelo nome de “Noche Buena”. Como artista
engajado que sou, deveria advogar contra toda essa palhaçada que envolve a data,
e todas as datas comemorativas capitalistas, com seus consumos inexplicáveis,
as constantes distorções de posse, banquetes e afins; mas não posso. Adoro
comemorações. Natal, Ano Novo, aniversário, Páscoa, dia das mães, dos pais, das
crianças, do teatro, do alfaiate; anos de namoro, de casamento, de amizade; anos
de casa nova, de cidadania brasileira, de grupo, de cirurgia, de fazer teatral.
Tenho total fascinação por tudo o que envolva uma celebração, sempre e quando
seja um evento íntimo, aconchegante, numericamente econômico, audivelmente saudável,
gastronomicamente farto e etilicamente complexo.
Peço perdão pela decepção
que provoco com essa revelação aos queridos amigos revolucionários que sempre
se acotovelaram comigo nesta nossa utópica empreitada de transformar o mundo.
Contudo, em minha defesa, digo que é mais forte do que eu. Não consigo evitar.
Gosto do clima, do consumo, das luzes, das desatinadas gargalhadas. Acho que é
somente nessas comemorações que me permito a felicidade irresponsável – aquela
que esquece o mundo que a entorna, e egoistamente esbanja alegria sem escrúpulos
ou vergonha da farta desigualdade que povoa a realidade humana.
É Natal. Uma coisa tola,
tosca, sem sentido; um deus que nasce e é filho dele mesmo, um velho barbudo de
vermelho, neve em São Luís, nozes, frutas secas, peru, presentes que vão e vêm,
luzes que piscam – Por quê? Para quê? –, essa fascinação pela décima segunda
badalada, trenó com hienas (ou seriam renas?), meias e guirlandas; tudo errado,
tudo esquisito, tudo fora de lógica, tudo do jeito que eu gosto. Se não
existisse Natal o dia 25 de dezembro seria patético. Natal não, véspera, pois o
Natal é uma coisa menor, assim como o 01 de janeiro. Natal é o dia da ressaca;
de comer o que sobrou; de fazer de conta que estamos num dia que não existe, e
a letargia é o único meio de passar por ele sem que as consequências dos irresponsáveis
excessos venham à tona – se você for replicar com religiões, me perdoe, estou
falando de outra coisa.
As vésperas é que são elas.
Natal, Ano Novo... aqui em casa comemoramos até vésperas de aniversário; ou
seja, o aniversariante tem direito a duas celebrações. Eu sempre me pergunto de
onde vem esse meu fascínio por comemorações. Às vezes penso que está
relacionado ao fato de ser tão ranheta, tão chato, tão mal-humorado, tão
insatisfeito, tão revoltado, tão furioso, tão insuportável. É como se as
comemorações fossem meu bode expiatório, meu momento de espasmo cerebral
inconsequente, a parte feliz que me cabe, a perpendicular euforia em relação ao
meu permanente fracasso, a dita felicidade.
Imagino que esse gosto pelos
festejos esteja relacionado a uma infância suculenta; ao precoce falecimento da
minha mãe e a respectiva interrupção de alguma rotina de celebração infantil; à
ficção que crio do meu passado e suas idiossincrasias, não sei. Sei que sou um
celebrante contumaz.
Um dia vou contar dos
rituais que envolvem certas festas aqui em casa, e como Katia e eu formamos a
melhor dupla de anfitriões que existe no universo, mas não hoje. Hoje me
concentro exclusivamente em revelar e entender esse paradoxo; esse distúrbio de
personalidade; essa distorção ideologia; essa disposição festiva que destrói
toda minha reputação, construída arduamente através de uma robusta sociopatia,
e do padecimento crônico de simpatia reversa.
Hoje não há postagem. Hoje
apenas sussurro no seu ouvido que adoro comemorar; do meu jeito, com as
peculiaridades que a minha vetustez genética me impõe, mas com a disposição de
um menino que espera ansioso durante toda a madrugada a passagem de Papai Noel
– no meu caso, a ansiedade se traduz muito mais na imagem do menino que espera
os três reis magos que na do velho barbudo. Um menino. É como eu me sinto.
Feliz Natal.
13 comentários:
FELIZ NATAL! Você como sempre um Lord Teatrês! Aceite o neologismo. Abraços a Kátia!
Waldir Fernandes
KKKKKKKKKK!!!! Tô só imaginando como, na tua próxima palestra, você vai fazer referência a esse post!!!!
Eu até pensei em desfazer essa tua fantasia que você é mal-humorado, mas não teria coragem de fazer isso em pleno dia de Natal!
Que gentileza sussurrar em nossos ouvidos que adora as comemorações, o natal...se render as alegrias "bobas" da vida é revolucionário também, feliz Natal Marcelo pra ti e tua família!
Não faça isso, meu amigo! Tenho uma reputação a zelar! Esse post é só um indulto de Natal! Saudades!
É um sussurro íntimo, Priscylla! Não espalhe!
Arrepiei com esse sussurro. Feliz e eletrizante festividades. Amo
A Máscara é uma festa! Saudades!
NATAL É MARA!
Acabo de ler, falta exatamente dois dias para acabar o ano. Enfim,as festas são reuniões gostosas, porém, as de final de ano , algumas são realmente gostosas, só não gosto da expressão " confraternização " passa-se o ano todo se odiando e no final finge com o tal amigo oculto. Concordo com você no quesito festa, bate papo, reunião e bom diálogo.
Festejar é da hora!
A alegria festiva pode ser transformadora, não só pelo motivo, mas principalmente por quem ri e celebra! Viva as festas revolucionárias de Marcelo e Kátia!
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