domingo, 10 de dezembro de 2017

Velhos em movimento


A urgência de encontrar pontes de diálogo, neste momento de aridez cultural forjada pela ausência de políticas públicas, promove um exercício criativo, provocando os grupos de teatro do país a saírem da caixinha e buscarem mecanismos de interlocução outros que os apresentados nos últimos anos.

Recentemente participei do seminário Conversas Teatro em Movimento, promovido pelo Programa Petrobras Distribuidora de Cultura, em São Paulo, onde foram anunciados os 57 espetáculos, dos 647 inscritos, que circularão pelo país com o patrocínio do programa, em 2018 – dentre eles, nosso Velhos caem do céu como canivetes. A notícia é requentada, mas a reflexão pretende munir-se de um anacrônico ineditismo para tentar enredar o leitor na teia de inutilidades que normalmente teço para manter-me fiel ao propósito de fazê-lo perder tempo.

O encontro promoveu a reunião de grande parte dos grupos de teatro do país que são referência para nós, seja pela produção artística, seja pelas formas organizacionais, seja pelos mecanismos de resistência desenvolvidos.



Como já confessei aqui, esse tipo de reunião me torna um vampiro. Quando me encontro entre colegas que celebram a mesma sorte de viver de teatro e padecem das mesmas agruras, passo a vampirizar cada reflexão, cada problematização; tento extrair de cada papo, de cada discussão, o máximo que minha burrice permite; procuro dialogar até que a síntese seja a mais razoável possível, sem perder de vista sua condição de nova tese. Um vampiro. Vampirizo meus pares sem pudor, na tentativa de extrair deles aquela singular sabedoria que só se revela num papo entre amigos.

Nesse tipo de seminário, reunião, palestra, colóquio, o que está posto formalmente sofre o desafio de conseguir superar em importância tudo aquilo que é dito nos bastidores, nas entrelinhas, nas camadas afetivas; fazendo-nos suspeitar que a relevância da ação esteja naquilo que aparentemente é a simples estrutura social que permite a sua viabilidade: o encontro. Não que o seminário em si não tenha valor, apenas pontuo valores diferentes. É como se a estrutura do pensamento apresentado formalmente nas mesas propostas só encontrasse tangibilidade nos sussurros da informalidade.

Suspeito que os promotores do evento tenham total consciência da importância do atravessamento entre o formal e o informal, e o quanto um retroalimenta o outro, com a especificidade que cada qual traz para a construção de um pensamento estruturante para o teatro de grupo do país.

Na busca de pistas visando encontrar alternativas para enfrentar o delicado momento vivido pelos grupos de teatro de pesquisa, me deparei com uma singela, óbvia, contudo potente: o rastro, a pegada, a marca. Toda pegada é uma pista do trajeto seguido por alguém. Ao deixarmos o nosso rastro de trabalho, de enfrentamento, de resistência, sem perceber estamos deixando pistas para que outros consigam superar obstáculos, experimentar alternativas, atrair outra sorte. Quando a Pequena Companhia de Teatro resiste, insiste e não desiste, está deixando uma pista, um rastro passível de se seguir para encarar situações similares, mesmo que por companhias diferentes. Da mesma forma, ao entender as pegadas deixadas por coletivos que observamos, nós também vamos reconduzindo trajetórias, suspeitando dos atalhos, atravessando pontes, ligando o tempestuoso presente ao futuro próspero.

Não existe um único encontro que não deixe em mim uma marca. Logo, meus queridos amigos vão deixando rastros das suas experiências, pegadas que posso seguir para amortizar o peso da existência. Por isso agradeço a cada um deles, meus contrafeitos mestres – como salientei no link que você não abriu e que elucida a conclusão desta postagem.

5 comentários:

Rute disse...

Faço um paralelo com a Academia: no que diz respeito à mim, tenho mais carinho pelo aprendizado sobre arte nas rodas de conversa entre amigos,nas discussões sobre a natureza da arte na cama entre o riso e um beijo e nas mesas de bar em que se discutia arte contemporânea do que numa sala fria às 7:30 da manhã de uma quinta feira, entre slides e anotações. Óbvio que não diminuo meu aprendizado formal, devo a ele meu emprego. Mas no que se refere aos rastros, a informalidade sempre deixou um caminho mais interessante traçado.

Fernando Minicuci Yamamot disse...

Copioso título... O velho aqui tinha certeza que era ele em movimento!!!!

Marcelo Flecha disse...

Algo preciso fazer para que alguém leia! (Risos)

Marcelo Flecha disse...

Rute disse...

Faço um paralelo com a Academia: no que diz respeito à mim, tenho mais carinho pelo aprendizado sobre arte nas rodas de conversa entre amigos,nas discussões sobre a natureza da arte na cama entre o riso e um beijo e nas mesas de bar em que se discutia arte contemporânea do que numa sala fria às 7:30 da manhã de uma quinta feira, entre slides e anotações. Óbvio que não diminuo meu aprendizado formal, devo a ele meu emprego. Mas no que se refere aos rastros, a informalidade sempre deixou um caminho mais interessante traçado.

Marcelo Flecha disse...

Acho que a palavra carinho é emblemática. É como se o afeto fosse um condutor mais eficiente para o nosso aprendizado. Fico feliz em perceber que não sou o único maluco. Apareça, Rute!