domingo, 24 de dezembro de 2017

Confesso: adoro Natal!


Amanhã é Natal. Hoje é a véspera, que na Argentina recebe o singelo nome de “Noche Buena”. Como artista engajado que sou, deveria advogar contra toda essa palhaçada que envolve a data, e todas as datas comemorativas capitalistas, com seus consumos inexplicáveis, as constantes distorções de posse, banquetes e afins; mas não posso. Adoro comemorações. Natal, Ano Novo, aniversário, Páscoa, dia das mães, dos pais, das crianças, do teatro, do alfaiate; anos de namoro, de casamento, de amizade; anos de casa nova, de cidadania brasileira, de grupo, de cirurgia, de fazer teatral. Tenho total fascinação por tudo o que envolva uma celebração, sempre e quando seja um evento íntimo, aconchegante, numericamente econômico, audivelmente saudável, gastronomicamente farto e etilicamente complexo.

Peço perdão pela decepção que provoco com essa revelação aos queridos amigos revolucionários que sempre se acotovelaram comigo nesta nossa utópica empreitada de transformar o mundo. Contudo, em minha defesa, digo que é mais forte do que eu. Não consigo evitar. Gosto do clima, do consumo, das luzes, das desatinadas gargalhadas. Acho que é somente nessas comemorações que me permito a felicidade irresponsável – aquela que esquece o mundo que a entorna, e egoistamente esbanja alegria sem escrúpulos ou vergonha da farta desigualdade que povoa a realidade humana.

É Natal. Uma coisa tola, tosca, sem sentido; um deus que nasce e é filho dele mesmo, um velho barbudo de vermelho, neve em São Luís, nozes, frutas secas, peru, presentes que vão e vêm, luzes que piscam – Por quê? Para quê? –, essa fascinação pela décima segunda badalada, trenó com hienas (ou seriam renas?), meias e guirlandas; tudo errado, tudo esquisito, tudo fora de lógica, tudo do jeito que eu gosto. Se não existisse Natal o dia 25 de dezembro seria patético. Natal não, véspera, pois o Natal é uma coisa menor, assim como o 01 de janeiro. Natal é o dia da ressaca; de comer o que sobrou; de fazer de conta que estamos num dia que não existe, e a letargia é o único meio de passar por ele sem que as consequências dos irresponsáveis excessos venham à tona – se você for replicar com religiões, me perdoe, estou falando de outra coisa.

As vésperas é que são elas. Natal, Ano Novo... aqui em casa comemoramos até vésperas de aniversário; ou seja, o aniversariante tem direito a duas celebrações. Eu sempre me pergunto de onde vem esse meu fascínio por comemorações. Às vezes penso que está relacionado ao fato de ser tão ranheta, tão chato, tão mal-humorado, tão insatisfeito, tão revoltado, tão furioso, tão insuportável. É como se as comemorações fossem meu bode expiatório, meu momento de espasmo cerebral inconsequente, a parte feliz que me cabe, a perpendicular euforia em relação ao meu permanente fracasso, a dita felicidade.

Imagino que esse gosto pelos festejos esteja relacionado a uma infância suculenta; ao precoce falecimento da minha mãe e a respectiva interrupção de alguma rotina de celebração infantil; à ficção que crio do meu passado e suas idiossincrasias, não sei. Sei que sou um celebrante contumaz.

Um dia vou contar dos rituais que envolvem certas festas aqui em casa, e como Katia e eu formamos a melhor dupla de anfitriões que existe no universo, mas não hoje. Hoje me concentro exclusivamente em revelar e entender esse paradoxo; esse distúrbio de personalidade; essa distorção ideologia; essa disposição festiva que destrói toda minha reputação, construída arduamente através de uma robusta sociopatia, e do padecimento crônico de simpatia reversa.

Hoje não há postagem. Hoje apenas sussurro no seu ouvido que adoro comemorar; do meu jeito, com as peculiaridades que a minha vetustez genética me impõe, mas com a disposição de um menino que espera ansioso durante toda a madrugada a passagem de Papai Noel – no meu caso, a ansiedade se traduz muito mais na imagem do menino que espera os três reis magos que na do velho barbudo. Um menino. É como eu me sinto. Feliz Natal.


13 comentários:

Anônimo disse...

FELIZ NATAL! Você como sempre um Lord Teatrês! Aceite o neologismo. Abraços a Kátia!
Waldir Fernandes

Fernando Yamamoto disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernando Yamamoto disse...

KKKKKKKKKK!!!! Tô só imaginando como, na tua próxima palestra, você vai fazer referência a esse post!!!!

Fernando Yamamoto disse...

Eu até pensei em desfazer essa tua fantasia que você é mal-humorado, mas não teria coragem de fazer isso em pleno dia de Natal!

Unknown disse...

Que gentileza sussurrar em nossos ouvidos que adora as comemorações, o natal...se render as alegrias "bobas" da vida é revolucionário também, feliz Natal Marcelo pra ti e tua família!

Marcelo Flecha disse...

Não faça isso, meu amigo! Tenho uma reputação a zelar! Esse post é só um indulto de Natal! Saudades!

Marcelo Flecha disse...

É um sussurro íntimo, Priscylla! Não espalhe!

jeyzon leonardo disse...

Arrepiei com esse sussurro. Feliz e eletrizante festividades. Amo

Marcelo Flecha disse...

A Máscara é uma festa! Saudades!

Unknown disse...

NATAL É MARA!

dahora disse...

Acabo de ler, falta exatamente dois dias para acabar o ano. Enfim,as festas são reuniões gostosas, porém, as de final de ano , algumas são realmente gostosas, só não gosto da expressão " confraternização " passa-se o ano todo se odiando e no final finge com o tal amigo oculto. Concordo com você no quesito festa, bate papo, reunião e bom diálogo.

Marcelo Flecha disse...

Festejar é da hora!

Anônimo disse...

A alegria festiva pode ser transformadora, não só pelo motivo, mas principalmente por quem ri e celebra! Viva as festas revolucionárias de Marcelo e Kátia!