domingo, 7 de maio de 2017

Dram Act Urge


Queria ter a clareza das grandes certezas: a morte, a vida, o sabor irretocável do presunto cru. Queria o amigo da sentença absoluta; queria saber sem duvidar; queria que alguém me dissesse, com absoluta certeza, quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha; alguém que sentenciasse o sexo dos anjos; queria a resposta para a pergunta de alguns anos atrás: com quantos paus se faz uma canoa? Mas não. Tudo na vida é dúvida, incerteza, cambaleio, titubeio.
Sempre que embarco em uma jornada dialética como a que me propuseram para estes dias, com o SESC Dramaturgias, me deparo com a fragilidade das minhas certezas, com a pretensão dos meus saberes, com o embaraço dos meus pavoneios, com a vaidade camuflada e suas idiossincrasias. Como sou encenador por ofício, as poucas certezas que carrego estão relacionadas a essa prática, o mais é penumbra, desassossego.
Essa sensação faz como que a exposição provocada por uma atividade formativa faça emergir um torvelinho de inquietações que servem para temperar o pensamento, conduzir o procedimento, equilibrar o diálogo, domar os excessos e transformar o encontro em troca e o exercício em aprendizado.
O tempo que me trouxe até estas paragens – longos anos em busca de um fazer teatral honesto e orgânico – me fez constatar o quanto o conhecimento pode ser um perigoso instrumento de poder, e como esse poder é muitas vezes utilizado como mecanismo de opressão. Minha luta sempre se estabeleceu na tentativa de jamais cortejar esse poder, nem ciceronear aqueles que entendem o conhecimento como propriedade. Se a alma não é generosa, a exploração que o poder pode provocar é nefasta.
Por isso a experiência artística é tão provocadora. Os enlaces que ocorrem em uma oficina de cunho artístico como a que estou facilitando vão muito além das estruturas formais organizadas, e transitam por um ambiente muito mais amável, franco, desafiador, gerando o terreno oportuno para a troca desinteressada, o fortalecimento do diálogo, a amabilidade dos pares; diluindo graciosamente todas as dúvidas que apresentei no prólogo, e reforçando a suspeita de que este é o lugar onde eu deveria estar hoje, ontem, e onde se apresente a oportunidade de desenvolver uma boa conversa.
Já ministrei oficinas em 27 cidade de 14 estados, acredite. E em todos esses encontros a sensação primária de abismo perdurou pelo tempo que separa o convite do encontro. Quando o encontro acontece, emerge o cálido palpite de estarmos, juntos, construindo algo novo, fora da curva; provocando as estruturas, transformando o inequívoco, idealizando um mundo novo, outro, que o da realidade que hoje nos oprime e aflige – principalmente quando o presente do país que habitamos é tão dilacerantemente medonho. Uma personagem de um texto de Wilson Coêlho – querido amigo que este projeto possibilitou reencontrar –, cujo título roubei para titular esta postagem, diz; “me parece que os equívocos somente existem para os idealistas”. Talvez eu esteja totalmente equivocado, idealista que sou, e nossas ações, encontros, discussões, não reponham uma única mordida deste abocanhado Brasil. Mas, pelo menos, tenho o privilégio de saber que os equívocos existem – parafraseando a personagem Dram –, e que de tanto errar, quem sabe um dia, possamos acertar a mão e construir um lugar ideal. São só dúvidas, suspeitas, palpites, desejos.  A única certeza que perdura, encontro a encontro, é a de que sempre aprendi mais do que ensinei.

2 comentários:

André disse...

Saudades, Marcelo. Tens incertezas, mas tenho uma: tu és legal demais (sim, as pessoas que se reconhecem e dizem chatas são legais, rs). Tu és uma referência pelos menos do teatro para mim. Aliás, vou te ligar em breve para um convite. Um abraço forte!

Marcelo Flecha disse...

Salve, Andre! Rapaz, nosso encontro serviu para reforçar uma admiração mútua... Vendo a luta de vocês me recorda muito meu início de carreira, a luta para manter a chama em Balsas... o teatro só vive graças à resistência de pouco! Segunda a gente se vê! Saudades