Queria ter a clareza das
grandes certezas: a morte, a vida, o sabor irretocável do presunto cru. Queria
o amigo da sentença absoluta; queria saber sem duvidar; queria que alguém me
dissesse, com absoluta certeza, quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha; alguém
que sentenciasse o sexo dos anjos; queria a resposta para a pergunta de alguns
anos atrás: com quantos paus se faz uma canoa? Mas não. Tudo na vida é dúvida, incerteza,
cambaleio, titubeio.
Sempre que embarco em uma
jornada dialética como a que me propuseram para estes dias, com o SESC Dramaturgias, me deparo com a fragilidade das minhas certezas, com a pretensão
dos meus saberes, com o embaraço dos meus pavoneios, com a vaidade camuflada e
suas idiossincrasias. Como sou encenador por ofício, as poucas certezas que
carrego estão relacionadas a essa prática, o mais é penumbra, desassossego.
Essa sensação faz como que a
exposição provocada por uma atividade formativa faça emergir um torvelinho de
inquietações que servem para temperar o pensamento, conduzir o procedimento,
equilibrar o diálogo, domar os excessos e transformar o encontro em troca e o
exercício em aprendizado.
O tempo que me trouxe até
estas paragens – longos anos em busca de um fazer teatral honesto e orgânico – me
fez constatar o quanto o conhecimento pode ser um perigoso instrumento de
poder, e como esse poder é muitas vezes utilizado como mecanismo de opressão.
Minha luta sempre se estabeleceu na tentativa de jamais cortejar esse poder,
nem ciceronear aqueles que entendem o conhecimento como propriedade. Se a alma
não é generosa, a exploração que o poder pode provocar é nefasta.
Por isso a experiência
artística é tão provocadora. Os enlaces que ocorrem em uma oficina de cunho
artístico como a que estou facilitando vão muito além das estruturas formais
organizadas, e transitam por um ambiente muito mais amável, franco, desafiador,
gerando o terreno oportuno para a troca desinteressada, o fortalecimento do
diálogo, a amabilidade dos pares; diluindo graciosamente todas as dúvidas que
apresentei no prólogo, e reforçando a suspeita de que este é o lugar onde eu
deveria estar hoje, ontem, e onde se apresente a oportunidade de desenvolver
uma boa conversa.
Já ministrei oficinas em 27
cidade de 14 estados, acredite. E em todos esses encontros a sensação primária
de abismo perdurou pelo tempo que separa o convite do encontro. Quando o
encontro acontece, emerge o cálido palpite de estarmos, juntos, construindo
algo novo, fora da curva; provocando as estruturas, transformando o inequívoco,
idealizando um mundo novo, outro, que o da realidade que hoje nos oprime e aflige
– principalmente quando o presente do país que habitamos é tão dilacerantemente
medonho. Uma personagem de um texto de Wilson Coêlho – querido amigo que este
projeto possibilitou reencontrar –, cujo título roubei para titular esta
postagem, diz; “me parece que os equívocos somente existem para os idealistas”.
Talvez eu esteja totalmente equivocado, idealista que sou, e nossas ações,
encontros, discussões, não reponham uma única mordida deste abocanhado Brasil.
Mas, pelo menos, tenho o privilégio de saber que os equívocos existem –
parafraseando a personagem Dram –, e que de tanto errar, quem sabe um dia, possamos
acertar a mão e construir um lugar ideal. São só dúvidas, suspeitas, palpites,
desejos. A única certeza que perdura,
encontro a encontro, é a de que sempre aprendi mais do que ensinei.
2 comentários:
Saudades, Marcelo. Tens incertezas, mas tenho uma: tu és legal demais (sim, as pessoas que se reconhecem e dizem chatas são legais, rs). Tu és uma referência pelos menos do teatro para mim. Aliás, vou te ligar em breve para um convite. Um abraço forte!
Salve, Andre! Rapaz, nosso encontro serviu para reforçar uma admiração mútua... Vendo a luta de vocês me recorda muito meu início de carreira, a luta para manter a chama em Balsas... o teatro só vive graças à resistência de pouco! Segunda a gente se vê! Saudades
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