quinta-feira, 4 de outubro de 2018

miserere


a chatice virou prima-irmã da incerteza e da insegurança, e nestes dias de dúvidas, tudo é reconfigurado numa fração de segundos: nosso voto nunca foi tão incerto.


miséria. miséria. o mundo que você me traz é uma miséria. 
você não pode me culpar por ter tentado evitar toda essa miséria, diz a personagem.


sempre nos arvoramos em dizer que fazemos só teatro e que vivemos financeiramente dele. desde o golpe que tirou a presidenta dilma, legitimamente escolhida pelo voto direto, as artes vêm sofrendo um desmonte em suas políticas de financiamento e fortalecimento dos segmentos, através da inexistência de editais públicos e de ações efetivas do ministério da cultura. mobilização e o ministério é preservado. contudo, sem as garantias anteriormente implantadas pela gestão de lula e dilma. hashtags criadas, palavras de ordem aos borbotões, ocupações pelo país. alguma coisa mudou? insatisfações persistem no tempo e o abismo se precipita. eleições. quanto mais se fala, mais se solidifica. preguiça em ler sobre tudo – até sobre meu candidato.




entendo que nossa carne não tem a fibra que devia ter... 
estamos todos adormecidos, uma espécie de letargia mórbida que nos faz aceitar tudo... 
não há um mínimo de resistência…, diz a personagem.


e lá vem as manifestações antecedidas por mobilizações virtuais. caras-pintadas, cidades acionadas… e o tiro sai pela culatra. amplia-se a discussão, o rancor, o ódio.


esta semana tive uma experiência atípica. experimentei exercitar uma ação terrorista proposta dentro da programação do conexão dança e intervimos na rua grande. ouvi desaforos, incômodos desnecessários, nome de candidatos e partidos sendo associados à ação. não me causou desconforto o experimento, não é isso. porém, a reflexão que faço e questiono – não tenho respostas para quase nada – é que passo a crer que importa mais uma justificativa inócua de nossa incapacidade de propor e fazer mudanças através de atitudes contraproducentes.


preciso ler “zona autônoma temporária”, de hakim bey, sugerido pela princesa, para compreender melhor onde me encaixo, onde a arte se encontra, onde estarei depois das eleições, como sobreviverei. tudo é tão obscuro e latente, que escolher um candidato hoje não equivale a votar nele amanhã; que as propostas defendidas hoje não serão, necessariamente, as que serão postas em prática; começar ensaios de um novo espetáculo de teatro não quer dizer, necessariamente, estreá-lo dentro do previsto.


numa época de ânimos aflorados, de posicionamentos incisivos, cortantes, minha acidez e ironias acabaram por perder força. a modorrice impera no meu castelo de cartas. espero o passar das horas e a conjuntura astral melhorar para propor alguma coisa que, não só me tire dessa parvoíce, como também seja algo com um mínimo de dignidade de nota.

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