Sábado retrasado, dia
primeiro de abril, completamos quatro anos de sede própria – sim, esta era a
postagem da semana passada que a preguiça não me deixou concluir. Exatamente
nesse dia, em 2013, iniciávamos os ensaios do espetáculo Velhos caem do céu como canivetes, e fruíamos pela primeira vez de uma independência espacial almejada
há anos.
Sempre suspeitamos que ter
sede própria não garantiria uma fonte de renda direta, e sim, indireta. Desde
muito antes de adquirirmos o casarão, entendíamos que pensar o teatro como
espaço de locação – imaginando ser possível usufruir financeiramente dessa
vantagem – era um dos graves equívocos que cometiam os grupos que almejavam ter
um lugar seu, pois são raríssimos os exemplos em que espaços se auto sustentam
ao ponto de superar as próprias despesas de manutenção.
O que sim entendíamos como
uma grande fonte de renda indireta era a autonomia que o grupo ganharia ao
dispor de um ambiente próprio para a experimentação artística, potencializando
o nosso fazer, alargando a produção, e como isso, aumentando nossos ganhos
indiretamente – partindo do princípio de que, quanto maior a qualidade
artística desenvolvida, maior o número de convites e contratos firmando no
decorrer do ano.
Quatro anos depois, todas
essas suspeitas se confirmaram. A grande virtude de ter sede própria é, sem
dúvida, a autonomia criativa, a independente espacialidade, a possibilidade de
experimentação ilimitada, e a certeza de poder oferecer essa experimentação descolada
da situação sócio-político-cultural da cidade que nos habita – como agora,
quando iniciamos o processo de montagem do novo espetáculo e a grande maioria
dos teatros de São Luís estão fechados. Nós não precisamos pensar na data de
estreia, nem na extensão da temporada, nem no valor das pautas, nem na
quantidade de ensaios gerais possíveis. Nós não dependemos de espaço para
estabelecer um cronograma de ensaios. Nós não esperamos os ensaios prévios à
estreia para as experimentações cenográficas ou de luz. Nada. A partir do
momento que adquirimos a nossa casa, todos os entraves referentes ao
condicionamento gerado pela locação do espaço para ensaio e apresentações foram
eliminados. Esse é o grande ganho.
Também confirmamos o equívoco
de imaginar o espaço como fonte de renda direta, não apenas a partir da nossa
experiência, mas pela luta inglória de diversos grupos parceiros que enfrentam
a barra de dividir o tempo entre a produção artística e a gestão do teatro, tendo
que inventar um sem fim de atividades para garantir a sustentabilidade do lugar
quando ele não é próprio e exige um faturamento mínimo para garantir o pagamento
do aluguel.
Essa sempre foi a única
certeza nossa: só valeria a pena ter uma sede se fosse própria. Nunca pensamos
em alugar um espaço nem para depositar a tralha que já ocupava sala e corredor
da antiga residência. Essa condição é fundamental para o conforto ao que me
refiro nesta postagem. Se o grupo não depende do espaço para garantir o
pagamento do aluguel do próprio espaço, a pressão quanto à necessidade de locar, promover,
movimentar, divulgar, otimizar, desaparece, e não se corre o risco de ter a
sala ocupada no memento em que se precisa dela para as atividades artísticas, e
nem há necessidade de forjar-se cozinheiro, garçom, promotor, bilheteiro – apesar
de ser voto vencido, pois, a depender dos meus pares, já teriam me colocado na
frete de um forno de pizza, pois há rumores de que sou melhor pizzaiolo que
diretor.
Por mais criativo que
tentemos ser na pluralização de atividades, temporadas, projetos, feijoadas, a
conta não fecha. Mesmo a ideia de atividades formativas, em uma cidade onde a
classe artística é pequena, o fôlego da oferta de oficinas pagas não excede o
primeiro ano de ocupação – por mais inventivo que seja o grupo na arte de
descobrir relevâncias significativas no seu fazer a ponto de serem democratizadas.
E quanto do tempo necessário para a criação artística é demandado por essa
busca constante da viabilidade econômica da casa? Quanto do artista deve ficar
para depois pela necessidade de garantir o aluguel do mês?
Hoje, a locação da Pequena
Companhia de Teatro se dá especificamente a partir da afinidade artística ou
afetiva para com a proposta que busca se apresentar na nossa casa, pois sabemos
que, mesmo que conseguíssemos locar a sede na sua capacidade máxima durante
todo o ano, o valor arrecadado não chegaria a 10% do valor garantido com a nossa
produção artística, conseguida a partir da disponibilidade do espaço para a criação
dos nossos espetáculos, oficinas e afins.
Reitero: não imagine uma
sede própria como fonte de renda direta. Se o projeto for ter uma sede, pense
nela como o principal instrumento de transformação, evolução e alçamento da
produção artística produzida, o que, consequentemente, trará o retorno
financeiro compatível com o empenho – sempre e quando você seja melhor artista
que bilheteiro.
Sei que a postagem de hoje serve
de alerta para alguns, de confirmação para outros, de desilusão para muitos. A
ideia era essa. Procurei ser o mais pragmático possível para não alimentar as
diversas fantasias geradas por qualquer coletivo teatral que tenha como foco a
conquista do espaço próprio. Também sei que falo de uma posição privilegiada,
pois somos proprietários da nossa sede e independentes social e politicamente.
Contudo, seria desonesto da minha parte não apresentar nossa experiência e deixar
pairar a dúvida de que um artista pode, um dia, imaginar viver de renda – era
só o que faltava.
6 comentários:
Constatação!
Caro amigo-irmão,
Com essa postagem de alguma forma você está respondendo questões de uma postagem sua anterior: Pra quê? Por quê?... infinitos questionamentos de quem se propõe a participar/escrevendo nessa grande rede que, em sua maioria, é tão esburacada em tão estranhas pretensões, e quase sempre, afogada em infindáveis veeiros vis de violências, porém, por vezes, é tocada pelo prazer e dor de apenas rabiscar leves traços de existência. A quem vale? Quem sabe?! Do que vale? Vidas, com certeza.
É verdade, amigo! Nem tinha reparado, mas, de fato, está postagem responde muito ao resultado conseguido a partir das opções que questionei na postagem "O outro passado". E sua permanente ressalva à severidade que me imponho tem me ajudado, singularmente, a aproveitar o pouco muito que ainda nos resta. Obrigado por me acompanhar sempre nessa travessia!
Adoro constatar sua presença aqui, Bárbaras!
é amigo os tempos são sombrios! Por estas bandas muitas companhias tem fechado seus espaços, outras procurando parceiros para dividir seus alugueis e manutenções ( do próprio espaço , acervo e etc...). Por aqui estamos tentando reencontrar ou reinventar novas forma para manutenção do nosso espaço criativo. Ações que estejam coladas ao pensamento artístico e pedagógico tão caro a Maria (Nossa mestra). Nossa luta destes meses tem sido não entrar para essa triste estatística de fechamento de sedes. Não queremos ceder a essa pressão...e já que temos a invenção ao nosso lado vamos ver até onde conseguimos caminhar! Não vejo a hora de que a pequena cia possa cruzar com cia Teatro Balagan para um papo, uma conversa, um jantar... seja por aqui ou por aí.
Minha torcida é para que a Pequena Cia se mostre cada vez mais grande em seus sonhos e na manutenção deles! Obrigada por este post. Realmente ter uma sede é lindo artisticamente, criativamente mas em contraponto sua manutenção não é simples e requer muitas estratégias!
Que o passado possa de alguma forma nos lançar para o futuro com esperança!
bjs carinhoso.
É, amiga! A luta continua, e o objetivo da postagem era esse mesmo. Mostrar que nem tudo são luzes e aplausos nessa tentativa de se manter teatrando. Há muitos coletivos repensando passos e estruturas para seguir! Nós continuaremos! Saudades!
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