Estou cansado
de ver artistas abrindo concessão por tudo: dinheiro, religião, crítica,
opressão. Uso hoje o dinheiro como objeto de provocação. Estou cansado de
assistir a obras que não são o que seriam, porque a redução de custos comprimiu
a arte a ponto de mutilá-la. O cenário não cabe no orçamento? Faço de um
barbante meu castelo. Não dá para pagar a banda inteira? Vou de voz e violão. A
grana não cobre a contratação de luz? Faço da minha incandescência uma soturna
escuridão. Artistas vão de multimídia a monobloco em fração de segundos para
adaptar conceitos, sem se ater aos efeitos, que na maioria das vezes se tornam
defeitos. Estou cansado da argumentação etimológica, com palavras de ordem –
pós, contemporaneidade, processo, efemeridade, flexibilidade –, para camuflar a
óbvia necessidade de faturar. Estou cansado de ouvir a frase “artista tem que
sobreviver” como argumento para estuprar a arte, o pensamento, a paixão, a
víscera, a vocação. Estou cansado de ouvir a explicação do artista me dizendo
como é a apresentação original, o quão genial é a obra pressuposta, enquanto eu
vejo o Frankenstein que ele criou para poder chegar até aqui apertando o
orçamento. Estou cansado de que mintam na minha cara sem pudor, estou cansado
da conivência do espectador, estou cansado da ausência de fervor. Estou cansado
de ficar em casa com medo do que vou encarar no teatro, no museu, na praça. Onde foram parar as deliciosas
frases “botei do meu bolso”, “gastei tudo o que eu tinha”, “tomei prejuízo”,
para explicar a odisseia que foi conseguir trazer essa obra magnífica a um
estado tão periférico como o Maranhão? Estou cansado de boas ideias e péssima
execução. Estou cansado de ser condescendente para não magoar o amigo, de ser
hipócrita para não parecer sempre crítico, de ser taxado por não comungar com a
mediocridade, de ser o excêntrico porque não engulo qualquer coisa. Estou
cansado da ideia de que qualquer coisa é melhor que nada, quando o nada é bem
melhor do que qualquer coisa. Estou cansado de levar gato por lebre, apesar de
preferir gatos. Não aleije sua obra, não flexibilize em demasia, não venda seu
rigor, não comprometa seu dizer, não subestime o espectador. Recentemente vivemos
uma situação similar, onde precisamos ajustar nossa montagem a um projeto de circulação, e o norte do país verá Velhos caem do céu como canivetes sem um
centímetro de prejuízo em relação ao espectador que assiste o espetáculo em nossa
sede; não fosse assim, não veria. Portanto, não me venham com arengas.
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2 comentários:
Como diria o poeta Arnaldo Antunes, "antes a dívida que a mesquinhez".
Que ironia... (Risos)
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