domingo, 29 de novembro de 2015

Pequena aldeia


Apesar de abrir as portas da sua sede em 2013, o ano de 2015 está oferecendo uma experiência inédita para a Pequena Companhia de Teatro: a de abrir a casa para outros grupos se apresentarem – experiência iniciada no dia 31 de outubro, com o espetáculo “Para uma avenca partindo”, de Josué Redentor.

Agora, durante a 10ª Aldeia Sesc Guajajara de Artes, nossa sede está sendo ocupada com diversas atividades: ontem as palestras “Ser indígena hoje em contexto urbano, desafios e resistência” e “Ocupa árvore”; amanhã o lançamento da revista “Palavra”, às 19h, e “Para uma avenca partindo”, às 20h30; terça o espetáculo “A escrita do Deus”, às 19h; e quarta “Velhos caem do céu como canivetes”, às 19h.

Essas experiências embrionárias servirão para fazer uma avaliação detalhada, e definirmos os rumos que tomaremos em 2016 no que se refere à cessão do nosso espaço para atividades outras que não aquelas desenvolvidas pela Pequena Companhia de Teatro.
"O fato, como tudo o que se refere ao universo teatral, me faz refletir, indagar, arguir, questionar, e escrever para você, meu discreto confidente."  
Nós quatro, membros da companhia, temos a certeza de que não queremos que nossa sede se torne uma casa de aluguel, e que, como várias experiências que conhecemos, tenhamos limitado nosso desenvolvimento artístico por comprometermos nosso espaço de trabalho com pautas, locações, agenda, calendário.

Daí em diante ainda não definimos que tipo de regimento ordenará essa demanda, portanto, enquanto a discussão interna se desenvolve, empresto minhas impressões e reflexões iniciais a este blog, instrumento onde despejo minhas opiniões, surtos, desatinos, problematizações e devaneios.

Penso que o ideal seria que tivéssemos muita vontade de abrir nossas portas para outras produções, mas que nossa própria produção fosse tão intensa – com temporadas regulares de espetáculos, oficinas, vivências, treinamentos, processos, seminários – que se encarregaria de atrapalhar essa vontade, e só disponibilizaríamos as fendas que surgissem na agenda durante o ano. Seria o melhor dos mundos, tendo em vista que tanto trabalho nos tornaria abastados, e eu esbanjaria dinheiro para minimizar minha dificuldade em lidar com ele.

 
Não sendo essa a realidade – e creio que jamais será, mesmo fazendo um  esforço para me livrar da pecha de pessimista contumaz –, acredito que a linha curatorial da cessão do nosso espaço deveria obedecer critérios que identificassem o diálogo entre o nosso fazer e a produção que se apresentasse aqui; dessa forma, ofereceríamos ao nosso espectador um recorte específico de produção teatral (ou musical, literária etc.), focalizado na pesquisa, no desenvolvimento de pensamento, na valorização da arte como instrumento provocador.

A única certeza que me impregna é que essa disponibilização deveria ser secundária. Durante sete anos sonhamos com a possibilidade de ter uma sede para conquistarmos independência criativa, autonomia espacial, alargamento técnico, desopressão financeira. Esse foi, é, e deveria continuar sendo o nosso foco – você, leitor tenaz que chegou até este ponto da postagem, não sabe a satisfação que dá ter o espaço que se quer para se produzir o que quer que seja sem a pressão de ter que produzir dinheiro para pagar o aluguel.

Como sempre digo, somos privilegiados, e temos que ter o cuidado para que nosso privilégio não se torne uma prisão pautada pelos outros, como quando precisávamos pedir para poder experimentar, pedir para poder ensaiar, pedir para poder apresentar – condição que durante sete anos vivemos e que, sabemos, não queremos iterar.

12 comentários:

Anônimo disse...

Certíssimo, certeiro Flecha! A pauta aberta deve ser secundária e, preferencialmente, para eventos do calendário artístico, ou algum evento esporádico que necessite suporte e que seja algo de relevância. Prejudicar as pesquisas e projetos da Companhia não faz mesmo o menor sentido depois de toda a luta para se estabelecer. Desta vez concordo com todas as letrinhas do seu texto. Ainda mais sendo eu um dos seus "discretos confidentes". Rosa Importante Ewerton

Marcelo Flecha disse...

Rosa Presente Ewerton! Fico feliz quando minha flecha acerta com todas as letrinhas o seu coração/pensamento! Nao desista de mim!

Dorberto Carvalho disse...

Voces podem fazer o que desejarem querido Marcelo Flecha, porque conquistaram esse direito com o próprio trabalho artístico e poética da pequena companhia de teatro. Fico feliz por ler essa reflexão, um prazer no qual só falta uma cachacinha. Grande abraço!

Marcelo Flecha disse...

Cachaça aqui não falta! Falta o amigo para refazermos o mundo. O último que refizemos não ficou muito bom, não. Abraço, e apareça!

14ª Aldeia Sesc Guajajara de Artes disse...


Querido Marcelo

Feliz demais pelo fato da Aldeia ter sido acolhida em suas dependências. O Sesc ainda não tem seu próprio teatro (o teatro tá em construção na Avenida dos Holandeses) e nós ficamos desesperados com a mudança de data e da perda total das poucas pautas que nos restava para realização de celebração dos 10 anos a Aldeia Sesc Guajajara de Artes. Como assim??? Precisávamos de outras pautas e tivemos que rever toda a programação, repensar o conceito por conta dos processos,deixar de fora alguns trabalhos, enfim! Mas creio que o seu espaço de fato não deverá ceder as exigências e obrigações mercadológicas nunca! Afinal foram anos de luta e trabalho do grupo. Acredito que vocês terão sempre bom senso pra acolher propostas interessantes que dialoguem com os conceitos com os quais vocês acreditam. Não muito longe esse espaço será palco de muitos outros trabalhos, de vocês e de outros que vocês acreditam. Vocês terão sua própria dinâmica e programação. Será referencia de gestão, um lugar mágico que nos conectará sempre com o universo artístico, com o estudo e fruição! E vamos em frente.Estaremos juntos!

Marcelo Flecha disse...

A experiência na aldeia está sendo crucial para as nossas discussões, e o SESC é um parceiro basilar da Pequena Companhia de Teatro, juntos há dez anos, em aldeias, publicações, circulações, montagens, reflexões, estamos fazendo a nossa parte para termos um Maranhão mais digno. Salud!

Rute Ferreira disse...

Lá vou eu dizer o que já foi dito, sob o risco de me tornar chata (desde o post do "procura-se atores" haha). Marcelo, penso que tornar a casa (que particularmente, adoro) um espaço de "aluguel" para outros artistas seja dar meia volta ao tempo em que eram vocês que precisavam desse tipo de espaço alugado. É a outra face da mesma moeda, e nesse caso, embora pareça, a ordem dos fatores não altera o resultado. O fato de a Pequena ter um espaço para criação que pertence a ela propõe aos artistas da cidade uma oportunidade de reflexão: onde estão os nossos espaços? Como os espaços culturais públicos podem ser melhor aproveitados?
O que eu acho muito válido da parte de vocês é a possibilidade de ceder a casa para programações eventuais, mas daí a compartilhar a casa, num sentido mais amplo, hum... tenho cá minha torcida de nariz. Os prós são tentadores, mas pergunto: numa política dessas, teriam montado Velhos... com a mesma liberdade e autonomia que, suponho, tiveram?
De qualquer forma, creio que tu tem juízo de sobra pra acolher artistas e propostas que, te parafraseando, não sejam meros estupradores de pensamentos e que façam valer a subida daquela ladeira e os lances de escada.
Grande abraço!

Rute

Marcelo Flecha disse...

Menina arretada! Quando eu crescer quero ser assim. Vou fazer um blog "Rute comenta", reunindo os comentários da comentarista mais assídua do blog da Pequena! Sem você isto seria um deserto! (Os de cima que não me leiam...) Abraço, querida!

Elizandra Rocha disse...

Flecha que acerta na mosca! Parabéns!

Beth Néspoli disse...

Flecha, no post anterior, que eu não comentei, você perguntava sobre abrir ou não o grupo para novos integrantes. Não comentei porque não tinha, e não tenho, convicção alguma sobre o tema. Uma parte de mim, a que falava mais forte, dizia que era melhor continuar do jeito que está, afinal, embora só tenha visto o último trabalho de vocês, me pareceu que o grupo não atingira, e parecia longe de atingir, aquele ponto de esgotamento ou estagnação que pede sangue novo para provocasse uma necessária (à boa arte) instabilidade. Achava que havia pulsação interna intensa o suficiente para alimentar sensibilidade e imaginário por mais tempo. Mas era apenas impressão de quem olha de muito longe. Quase uma leviandade opinar sobre isso. Já quanto à possível abertura da sede a outros coletivos, bem, acho que de forma alguma seria o caso de transformar em espaço de aluguel, mas compartilhar em eventos especiais ou, mais esporadicamente, com grupos de afinidade, nossa, por que não? E acho que daí pode vir, mesmo que muito indiretamente, até algum alimento também para o trabalho da companhia. É isso. Apenas um oi de quem está longe geograficamente, mas perto em afeto e admiração.

Marcelo Flecha disse...

Beth, querida! Uma alegria ler suas palavras por aqui! A passagem de vocês foi muito importante, principalmente pela possibilidade de revisar nossos padrões de interlocução, e ver essa interlocução se estendendo a este fórum, me deixa muito confiante na insistência de me manter provocando por aqui, durante estes últimos cinco longos anos. O que você aponta, nos dois casos, corrobora com as nossas suspeitas, e penso que manter o diálogo aberto favorecerá nossas escolhas. Obrigado pela atenção, e espero que suas visitas ao blog não sejam apensas frutos do rescaldo do magnetismos desta ilha - alcunhada de Ilha Magnética - e que possamos apreciar suas opiniões quando você achar pertinente. Grande abraço, e saudades!

Marcelo Flecha disse...

Acertando em você, Elizandra, já estou satisfeito!