Papelão, rolha, jornal, lixas, madeiras de descarte, lâmpadas caseiras, banners, latas de refrigerantes, tubos e cones
de papelão, sucata de ferro, CDs, cintos, ventilador, carreteis, plástico,
estrela do PT, resíduos de cobre, pingômetro, linha, refletor de jardim,
molduras, carcaça de vitrola, vela, tesoura da dona Zilma, couro, para-brisas
de carro, cabos de vassoura, panelas, porta, embalagem de cigarro, latas de
conserva, papel de imprensa, farol, tecidos, presente da Sílvia, penas, sacos
de sapatos, tábua de carne, resíduos elétricos, faca de açougue, arame,
agulhas, colares, colheres de pau, porta partitura, fios de nylon, sem contar os inomináveis penduricalhos das
caixas de som do ser humano – personagem da nossa última montagem.
Todos esses materiais estão contidos nas
cenografias e iluminações de “Velhos caem do céu como canivetes” e “Pai &
Filho”, nossos últimos espetáculos, que permanecem em repertório. Alguns desses
elementos você não consegue identificá-los, não os reconhece, e é esse o nosso
proposito estético quando desenvolvemos nossos cenários e iluminações. Esses
elementos encontram-se, mesmo aparentes, ressignificados em seus dizeres, e
tentam auxiliar as personagens nas suas narrativas. Revelar a cênica ocultando
a matéria-prima é a finalidade da estética – parafraseando toscamente Oscar
Wilde.
A palestra “Desconstrução estética de
uma companhia”, que passaremos a oferecer junto com a circulação dos nossos
espetáculos, na última apresentação em cada cidade, enquanto acontece a desmontagem
de cenário e luz, busca aproximar o espectador especializado das tecnologias desenvolvidas
pela Pequena Companhia de Teatro para formar seu arcabouço cenográfico (a
partir de materiais recicláveis) e de iluminação (a partir de fontes luminosas
de baixo consumo). Nela o espectador poderá não só dialogar sobre o nosso
processo, mas principalmente manipular elementos, tocar texturas, descobrir
efeitos, questionar soluções, e aprofundar o debate sobre os motivos das
escolhas estéticas para os dizeres artísticos.
Paralelo às questões artísticas –
absolutas e primordiais na escolha dos materiais –, a formatação da palestra e
a lida com essa inúmera quantidade de resíduos tem me provocado a reflexão
quanto ao que, efetivamente, precisamos para viver, e o quanto vamos somando
proporcionalmente ao que vamos descartando. O consumo é o grande conceito a ser
problematizado na contemporaneidade, e o teatro pode ser um instrumento de
exposição do nosso desperdício.
Caberia apenas incorporar um conceito
sustentável. Para se construir uma encenação a partir de elementos residuais não
é necessário incorporar uma estética suja, feia, pensada como lixo, fedor,
decadência. A sociedade atual oferece a variedade de resíduos e descartes que o
espetáculo demandar, sempre e quando se tenha o olhar atento para o entorno, e
um diálogo permanente com a cidade que nos abriga. Quer madeira? Tem. Quer
plástico? Tem. Quer ferro? Tem. Quer papel? Tem. Quer dióxido de silício? Tem.
Sem contar o auxílio na viabilidade financeira.
Quantos grupos de teatro hoje esbarram em orçamentos estratosféricos para a
confecção de cenografia e aquisição ou locação de iluminação, sem perceber que há
um entorno pulsante oferecendo-se para o usufruto? Basta estabelecer uma visão
estratégica, identificação e catalogando os locais e ciclos de descarte das
mais diversas matérias-primas disponíveis na cidade, o armazenamento exclusivo
dos materiais mais raros, o passeio esporádico para identificar novas fontes, e
o cuidado para não se tornar um acumulador compulsivo – etapa mais difícil da
empreitada. Com esse simples procedimento chega-se a uma economia em torno de
80% do valor final das despesas com recursos materiais de qualquer encenação.
Sustentabilidade e economia, em um só procedimento. Como sei disso? Em maior ou
menor escala, essa vem sendo a nossa prática nos últimos dez anos.
3 comentários:
O cara além de falar sozinho, fala no plural.
Mas fala bonito.
Jorge, é só treta ^^
(Gargalhadas, para os dois.)
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