domingo, 3 de maio de 2015

Canção para o pequeno ato


Um provérbio africano atribuído a Eduardo Galeano, ou vice-versa – não tenho fonte segura que garanta a origem da sentença –, sintetiza o pensamento da Pequena Companhia de Teatro desde sua fundação: Mucha gente pequeña, em lugares pequeños, haciendo cosas pequeñas, pueden cambiar el mundo.  É nisso que acreditamos. É nisso que acredito. Nunca imaginei, esperei, pretendi ou sonhei que nossas ações encontrassem eco e reverberação imediata, muito menos que contribuíssem para qualquer tipo de transformação em curto prazo. Sou um homem que sempre investiu no longo prazo, mesmo sem deixar filhos biológicos para herdar qualquer tipo de transformação defendida por mim. O sonho de construir um mundo melhor nunca se relacionou com o melhor futuro para os meus; sempre pensei nos meus, nos teus, nos nossos, e sempre acreditei que a vida com teatro seria melhor para todos. Melhor no sentido existencial, não no sentido midiático da felicidade a qualquer preço, do desespero do ter, da exposição do ser, da aparência do estar, da salvação do crer; seria melhor porque o teatro confunde as certezas, acachapa a soberba, refuta o conformismo, sabota a impaciência. Numa sociedade atrofiada pela celebração da frivolidade, o teatro é a pequena pedra no sapato, que faz manquejar o dono do andar mais elegante, porém, nunca estará entre as estatísticas das atividades que influenciam o mundo, nem será capa, chamada, destaque, assunto. A influência do teatro é uma questão antropológica: você não a percebe, não a celebra, ela está. O que aqui escrevo não é uma declaração de princípios, é apenas a aclaração do por que a pequenez defendida pelo provérbio me é tão cara. São as pequenas coisas que movimentam meu entusiasmo teatral: a peculiar atmosfera da sala, o olhar virginal do espectador, as batidas de Molière, a rudeza do encontro cara a cara e a consumação da arte sem edição. Pequenas e intensas coisas. A imensidão dos grandes projetos quase sempre naufraga na própria pretensão. O teatro é uma dessas pequenas coisas que podem mudar o mundo, fazê-lo refletir e refleti-lo para que se veja. As ações pequenas comem pelas beiradas, sabendo que não se atinge o centro sem passar pela periferia. Eu falo por mim, a Pequena Companhia de Teatro fala através das suas ações e, claro, através do próprio nome: Pequena. Foi pensando nisso que Katia, Jorge e eu a denominamos em uma tarde à beira-mar. Depois de passados dez anos, não consigo encontrar nome mais acertado para a nossa empreitada.

7 comentários:

Anônimo disse...

É o raciocínio que tenho como professora de teatro, Marcelo. O raciocínio que Paulo Freire e Peter Brook também sustentam. Sei que soa romântico as vezes, soa utópico e até ingênuo... Mas eu ainda prefiro acreditar que as mudanças que realmente geram uma transformação efetiva, residem nas miudezas. Vida longa à Pequena, que a seu modo, é grande. Abraço da tiradora de onda, que não brincou, pq hoje o assunto foi sério. Hahaha :*

Marcelo Flecha disse...

O mundo anda muito megalômano, Rute, e eu, sem paciência para esse mundo. Seus comentários, independentemente do tom, amenizam minha ranhetice. Abraço!

André disse...

não vou comentar, xau

André disse...

não vou comentar, xau

Marcelo Flecha disse...

Para não comentar, comentou duas vezes, André.

TonySilvaAtriz disse...

"...Sou um homem que sempre investiu no longo prazo, mesmo sem deixar filhos biológicos para herdar qualquer tipo de transformação defendida por mim. O sonho de construir um mundo melhor nunca se relacionou com o melhor futuro para os meus; sempre pensei nos meus, nos teus, nos nossos, e sempre acreditei que a vida com teatro seria melhor para todos. Melhor no sentido existencial, não no sentido midiático da felicidade a qualquer preço, do desespero do ter, da exposição do ser, da aparência do estar, da salvação do crer; seria melhor porque o teatro confunde as certezas, acachapa a soberba, refuta o conformismo, sabota a impaciência. Numa sociedade atrofiada pela celebração da frivolidade, o teatro é a pequena pedra no sapato, que faz manquejar o dono do andar mais elegante, porém, nunca estará entre as estatísticas das atividades que influenciam o mundo, nem será capa, chamada, destaque, assunto. A influência do teatro é uma questão antropológica: você não a percebe, não a celebra, ela está...."
estou transcrevendo pois o pensamento da pequena é a pura essência do fazer teatral.Concordo com em numero,gênero e grau dos meus, dos nossos,dos teus e que o teatro é,foi e será sempre o meio de transformação do meio onde vivemos.Nunca será citado como formas,métodos...etc.Ele faz,transforma e dita as normas sem ferir algo ou alguém.Essa é a nossa forma de mudanças.Beijosssss.Te amo.Vamos nos encontrar em breve.

Marcelo Flecha disse...

Saudades, Tony! Não vejo a hora!