sábado, 22 de maio de 2010

Sobre a Pequena Companhia, a mímica corporal dramática, o teatro físico & outros bichos.

Ainda estou meio encucado com o teatro físico. Então, estou me debruçando sobre, tentando ver alguns aspectos, pontos de contato com o teatro da Pequena Companhia... É só uma impressão, apenas isso.



A Antropologia Teatral, como “um estudo do comportamento sociocultural e fisiológico do ser humano numa situação de representação”1, consegue ser tão abrangente a ponto de possibilitar estudos de caso, em que cada ser é único e múltiplo, pois traz consigo referências e interferências outras que não somente e tão somente as que estão em seu entorno. Há componentes genéticos, do meio, das culturas, dos ancestrais, das escolhas que foram feitas e dos reflexos dessas tomadas de decisões, do tipo de alimentação de foi ingerida por nós. "Essa afirmação permite-nos inferir que trazemos em nossos corpos a experiência da vida que se apresenta aqui e agora, como síntese da existência humana, ou do conteúdo do existir"2. E é isso que nos faz perceber que o fazer teatral não deve perder essa referência, o que, invariavelmente possibilitará o surgimento de um ator-compositor, mais comprometido com o processo que o leva à cena.

Com isso, os estados de representação são mais ricos que os de interpretação, o que repercute na proposta, tanto da Pequena Companhia de Teatro como da mímica corporal dramática, quais caminhos possíveis para a construção de uma cena em que esses referenciais que o ator traz consigo possam ser valorizados a ponto de construí-la com rigor, com qualidade, com verdade. Nessa perspectiva o trabalho do ator estará relacionado com o corpo, sua carga energética e suas possibilidades de expressão.

A energia no teatro não é metafísica; é física. Remonta a Einstein e seu objeto de estudo que trata do corpo unificado, na fase final de seu trabalho: "a energia é uma espécie de massa fundamental, porque tudo que nós chamamos de massa e que caracteriza a matéria, na realidade é a medida da energia contida"3.

A Psicologia Transpessoal reforça a idéia de que, como o nosso corpo é matéria, logo é energia condensada, e que, se possuímos traços de outras culturas em nossa formação, referências ancestrais de nossos parentes, hábitos, temos em nós um apanhado de energias do próprio cosmos, daí nossa multiplicidade inclusive no campo energético. Essa energia "é o modo pelo qual uma força atua. A atuação de uma força sobre qualquer outra provoca uma mutação. Por isso estamos num universo em mutação (...). O corpo é a manifestação de um conjunto de energias em constante mutação"4. E onde fica aquilo que nos identifica? O que é imutável em nós? O que existe em nós que estará sempre presente, posto à cena, uma técnica aprimorada? Virtuose?

Essas energias, esse múltiplo em nós, existem independentes de nossa vontade. Entretanto, podemos controlar seus fluxos e definir qual ou quais usar em dadas circunstâncias, i. e., temos o total controle delas se, claro, tivermos técnica para aprimorar a sua utilização com/em nosso corpo elétrico. Assim, o Quadro de Antagônicos existe e resiste, pois essas energias são controláveis a partir de uma técnica aprimorada, podendo usá-lo – o corpo - objetivando uma expressividade além da palavra, além de seu uso cotidiano, pois "nosso uso social do corpo é necessariamente um produto de uma cultura. Nosso corpo foi aculturado e colonizado. Ele conhece somente seus usos e as perspectivas para as quais foi educado"5, já que os rituais de nossa sociedade ― qualquer que seja ela ―, “ao exigir certas respostas predeterminadas, acabam por impor a cada um a sua ‘máscara social’ (...) a nossa maneira de andar, a nossa forma de pensar, de rir e de chorar”6.

Quando aquecemos alguma matéria, qualquer que seja ela, ao aproximarmos dela, percebemos o desprendimento de calor, antes mesmo de tocar fisicamente o objeto. “Por exemplo, o calor se dá à experiência como uma espécie de vibração da coisa, (...) um objeto muito quente avermelha, pois é o excesso de sua vibração que o faz irradiar”7.

A física explica perfeitamente bem essa situação: ...todos os átomos possuem um núcleo composto de prótons e nêutrons. Circundando este núcleo, está a eletrosfera, composta de elétrons (...). Os elétrons, além de possuírem carga elétrica negativa, ao girarem em torno de seus eixos, geram energia magnética. Sendo o nosso corpo composto de átomos, estamos circundados por um corpo eletromagnético gerado pelos átomos que o compõem8.

A fonte de energia do nosso corpo é proveniente, possivelmente, de todos os referenciais que temos, inclusive genéticos; do ar que respirarmos, e da alimentação que ingerimos, quer sólida quer líquida. Então, a qualidade de energia desprendida pelo corpo deve levar em consideração esses aspectos ― se temos um rigor na técnica. Numa análise superficial poderemos compreender facilmente como fica o nosso corpo depois de uma noite bem ou mal dormida; depois de consumir uma feijoada regada a cerveja ou de uma salada colorida regada a água mineral meia hora antes ou depois da refeição; de uma confraternização com amigos ou do velório da pessoa amada; de um passeio às margens de uma rodovia de tráfego intenso ou de uma praia paradisíaca, desnudo.

Todas essas exemplificações, mesmo que superficialmente, ilustram as modulações de uma qualidade de energia possível, i. e., podemos manipular essa energia. E reforço a idéia da Pequena Companhia de sistematizar determinadas sensações para modulação de algumas energias composicionais para a cena. E mesmo numa suposta imobilidade há, ainda, a intenção, um impulso inicial, um propósito. E assim, tomamos a respiração, o ar que entra e sai do corpo. Além de ter uma qualidade de pureza, há uma qualidade em seu fluxo, velocidade... Uma respiração advinda de um susto tem uma qualidade diferente da de um orgasmo, ou de alguém que sorrateiramente se aproxima. Quando buscamos a cena podemos, então, controlar essa energia através da respiração.
1 BARBA, Eugênio, SAVARESE, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1995. p. 8.
2 SOARES, Marília Vieira. Técnica energética: fundamentos corporais de expressão e movimento criativo. Campinas, SP, 2000. Tese (Doutorado em Artes). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. p. 36.
3 Ibidem. p. 18.
4 Ibidem. p. 03.
5 BARBA, Eugênio, SAVARESE, Nicola. Op. cit. p. 206.
6 BOAL, AUGUSTO. 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer algo através do teatro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 18.
7 PASTRE, José Luiz. Expressão e coexistência: alguns signos em Merleau-Ponty. Campinas, SP, 2002. Dissertação (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. p. 75.
8 MORETTI, Andrezza Campos. A percepção energética como guia para a composição de poéticas corporais. Campinas, SP, 2003. Dissertação (Mestrado em Artes). Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas. p. 21-22.

Nenhum comentário: