Margem.
Sempre estive à margem. Minha opção marginal — sobre o que eu iria fazer para o
resto da vida, a forma como iria me relacionar socialmente, as opções de
pensamento — sempre me conduziram para a margem. Teatro, reflexão, discrição,
nunca serão centrais no mundo ocidental, portanto, a vida tem me guiado para a
margem, de onde se enxerga o mundo de outra forma. Fora do centro continuo
andando, e a margem me guia para fora da periferia. O teatro, per se, já é marginal. Na sociedade
contemporânea, entre as artes, jamais poderíamos colocá-lo no centro.
Música e cinema são as linguagens que ocupam a centralidade do
interesse popular. Nossa opção de teatro acentua essa marginalidade, quando
acredita nessa linguagem como instrumento de reflexão e transformação
social. Por isso, quando ouço — Matem o marginal!, sinto-me na guilhotina.
Quando fundamos a Pequena Companhia de Teatro, sabíamos do lugar periférico que ocuparíamos no
interesse da sociedade, e nossas ações não buscaram atingir o centro, e
sim, trazer esse espectador para experimentar o olhar periférico; um olhar
diferente do olhar que costuma ser centralizado no teatro: a diversão, o
entretenimento, a glamourização, o riso fácil, a pasteurização do pensamento, e
os diversos clichês temáticos. É o que somos. Marginais. Misturo o número da 1ª
pessoa propositadamente, porque o que fazemos reflete no que penso, e o que
penso encontra eco no que fazemos. Fragmento o discurso desta postagem
propositivamente, para gerar no leitor um incômodo marginal. Um convite a sair
do óbvio, à mudança do olhar, a romper com a norma, a sair da zona de conforto.
Uma música dissonante, um espetáculo hermético, um livro de três mil páginas,
um filme em preto e branco, arrisque-se. Venha para a margem. Seja marginal.
P.S.: A
propósito, amanhã tem Pai & Filho. Última apresentação antes da Mostra SESC
Cariri de Cultura. Sua chance de iniciar o exercício.
8 comentários:
Excelente!
A margem reflete a relação dialética com centro. Ampliando as fronteiras e nucleando novos centros.
Obrigado, Rodrigo! As leituras que você faz das nossas postagens são o melhor exemplo para a postagem de hoje.
Adoro seu blog, obrigada. Me ajuda a viver e a me reconhecer como artista de teatro, ou insistente de teatro, ou seja la o que for !
Que bom, Marilda! Conhecer nossos leitores fortalece nosso propósito!
Engraçado; é como se no centro houvesse um grande triturador que envia em frangalhos para a margem aquilo ele mesmo atrai. Estou caminhando para a margem você sabe. Gostei muito desse texto. bj
Beijo, André! Estou te aguardando!
Cara... (risos). Vou me alongar, de novo (gargalhadas).
No "centro", as linguagens consagradas e fartamente digeridas de forma irreflexiva?
Na "periferia" (vista do centro), ponto de observação dos excluídos e de reaproveitamento ou reciclagem das sobras das "linguagens trituradas pelo centro"? (legal essa imagem proposta pelo André, embora acho que a estou corrompendo um pouco)
Na "margem", outro ponto de vista? (ou estou me confundindo com as palavras?) Um ponto de chegada, ou de passagem, de um caminhar consciente? Um espaço anti-espaço para reflexão?
"Senti" essas dinstinções entre "centro", "periferia" e "margem" em teu texto. Talvez eu esteja exagerando, mas confesso que intuo essa distinção na sua reflexão, mesmo que você não tenha formulado na escrita... É, acho que eu mesmo preciso dessa nuance de significados. Me desculpe se eu estiver inventando. Se estiver, pense que isto é um ponto de vista angustiado, centrifugado (risos).
Estou imaginando como se na periferia estivessem aqueles que gravitam excluídos, e na margem os que estão fora de órbita... quase como se não estivessem sob a influência imediata do centro, um status-mágico anti status-quo.
Às vezes me sinto periférico e, dependendo do dia, e do rancor (risos), tentando me infiltrar e implodir o centro, mas não me vejo caminhando para a margem (essa margem que eu tô "fantasiando" aqui).
Marcelo, olhando para trás, você diz que uma "guia" está marcada no território das linguagens: é o teatro.
E a Pequena Companhia, pode ocupar um "lugar periférico" ou um "lugar marginal", não? (de novo meu problema com a sinonímia).
Como esse lugar será criado/ocupado, dependerá das visões - o olho de quem vê, de onde vê, como também vê a si mesmo... para construir(se) num lugar/ponto de vista mais que outsider, marginal? periférico?
É isso, Hamilton. A região periférica precisa ser (re)vista. É o único lugar de onde se pode resistir sem comprometer a existência.
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