quinta-feira, 23 de agosto de 2018

rastros e memórias: do registro ao treinamento e a criação atoral na pequena companhia de teatro (1/4)


o teatro sempre teve na memória uma de suas maiores aliadas, tanto no aspecto mais perceptível, que é, a cada récita, recuperar as marcas e o texto que foram exercitados na temporada de ensaios, como também sendo mecanismo de construção das personagens que dissimularão a realidade na ficção.
na construção desse processo, o efêmero – força motriz do teatro – insiste em fazer com que cada apresentação seja única, pois com muitas variáveis – espaço de apresentação, temperatura, estado de saúde dos atores, humores, ser uma arte presencial –, não se é possível repetir as mesmas sensações em todas as apresentações, tanto na perspectiva de quem atua quanto na de quem especta.
como os métodos e procedimentos adotados pelos grupos de teatro em suas montagens são variados, variada também é como a memória é acionada ou exigida pelos envolvidos.
na pequena companhia de teatro, utiliza-se de um único procedimento metodológico para treinamento de seus atores e composição de personagens para seus espetáculos. busca, no decorrer de sua existência, compor uma estética que privilegie a dramaturgia do ator. com isso, distancia-se de um teatro de estética naturalista e se aproxima de um teatro que busca no “extracotidiano” (burnier, 2001; barba, 1995; ferracini, 2001) uma alternativa de potencializar o trabalho do ator. nesse aspecto, a memória já se efetiva numa outra abordagem. enquanto que no teatro que se diz naturalista a “memória emotiva” (stanislávski, 2001) auxilia o ator na composição de seus estados e intenções de fala, pelo viés da interpretação, na pequena companhia a “memória individual” (halbwachs, 1999) e a “identidade” (bauman, 2005; silva, 2000) de seus membros é quem dará a substância necessária ao ator para “representar” (burnier, 2001; barba, 1995; ferracini, 2001) e ao encenador para, efetivamente, em sua formas singulares de ver, perceber e sentir o mundo, viabilizar a cena.
essas sensações são possíveis a partir da percepção do “ser-no-mundo” (saramago, 2012), que é, ao mesmo tempo, gerador de significados e significante, pois que a escrita do ator se estabelece mediante as ações do corpo na construção de representações, a partir do que experienciou, se filiou, se pertenceu e deixou-se pertencer. como cada ator tem suas singularidades e sua história individual de vida, e como esse teatro não é um teatro interpretativo, mas sim representativo, cada ator compõe a partir de seus referenciais existentes no corpo e na sua história. nesse tipo de teatro, desconsidera-se o physique du rôle, pois se representa algo à sua maneira, e de forma extracotidiana.
a memória estabelece-se também, na pequena companhia de teatro, através de registros áudio-visuais. um amontoado de fotos, vídeos, escritos, croquis, material gráfico, depoimentos, anotações, recortes de jornal, projetos elaborados, figurinos, elementos de cena, que tendem ao esquecimento quando não são revisitados, mas contam a história coletiva de um grupo de quatro amigos e que está registrado; memórias que contam uma história não oficial do teatro de grupo de pesquisa em drama no maranhão.

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