Semana passada estive em
Caxias/MA, a convite do Grupo Fama, para acompanhar a montagem de “A Garota
& o Anjo”, processo que vem sendo urdido há mais de um ano, e que agora
ganha um corpo mais dramático – motivo pelo qual suspeito que o chamado tenha
se estendido a mim, pois o grupo desenvolve um trabalho mais relacionado com a
comédia, o popular e a rua. Lá também ministrei a oficina sobre o Quadro de
Antagônicos para o SESC, parceria que teve como objetivo custear as despesas da
minha ida.
Não terei maior ingerência na montagem. A cena já está construída, o conceito estabelecido, a estética definida, a dramaturgia escrita; fui convidado para acompanhar o processo final; observar, apontar, sugerir, e tentar contribuir de alguma maneira para o amadurecimento da cena. O procedimento que utilizamos foi o de eu conduzir os ensaios – principal instrumento de aperfeiçoamento teatral que acredito. Trabalhamos até a exaustão durantes os três dias do encontro. Levando em consideração que a oficina ocorreu no sábado e domingo pela manhã, ensaiamos nos turnos restantes, desde a minha chegada, na sexta à noite, até a minha partida, domingo, tarde da noite.
Não terei maior ingerência na montagem. A cena já está construída, o conceito estabelecido, a estética definida, a dramaturgia escrita; fui convidado para acompanhar o processo final; observar, apontar, sugerir, e tentar contribuir de alguma maneira para o amadurecimento da cena. O procedimento que utilizamos foi o de eu conduzir os ensaios – principal instrumento de aperfeiçoamento teatral que acredito. Trabalhamos até a exaustão durantes os três dias do encontro. Levando em consideração que a oficina ocorreu no sábado e domingo pela manhã, ensaiamos nos turnos restantes, desde a minha chegada, na sexta à noite, até a minha partida, domingo, tarde da noite.
A
experiência me trouxe sensações que pensava estarem congeladas neste vetusto
coração teatreiro. Alguns de vocês sabem que, tanto Cláudio quanto eu, fomos criados
artisticamente no interior do Maranhão, mais precisamente nas cidades de
Imperatriz e Balsas, trinta anos atrás. O impacto de encontrar um grupo
maranhense em uma trajetória de luta tão similar à que percorremos, me fez
lamentar o estado em que vivemos e o país que padecemos.
Como
é possível que em trinta anos nada tenha mudado? Como é possível que as
condições de trabalho de um grupo de teatro no interior do Maranhão, depois de três
décadas, sejam apenas as condições que o grupo estruturou independentemente, a
partir de uma resistência inaudita que precisaria ser estudada? As
idiossincrasias de habitar o Maranhão são tão severas que adormece a nossa
percepção, e passamos anos sendo pisados sem reagir.
Já
a experiência em si trouxe o tempero que adoça a amarga realidade e faz tudo
acontecer. Ver esses meninos trabalhando me deixou eufórico. Não me leiam
pretensioso. Trato-os assim por ser contemporâneo de teatro do pai do ator
mais velho do grupo, que tem mais de 30 anos. Descobrir essa filiação me fez
perceber o quão próximo estou da morte. Cada movimento, cada palavra, cada
gesto carregava a ancestralidade de luta de todos nós, paridos no interior do
estado. A ousadia na escolha do tema, a guinada na proposta artística do grupo,
a busca de sair de uma posição de conforto, a disposição afetiva, energética,
física, emocional; tudo convergia para reavivar a memória de um tempo duro,
importante para a nossa trajetória, e que nos trouxe – Cláudio e eu – até onde chegamos
hoje: o lugar nenhum chamado Pequena Companhia de Teatro.
Me
vi no desejo de interlocução. Na necessidade que também sentia de dialogar além
das fronteiras de Balsas – em um tempo onde não existia internet –, e no
descaso dos gestores de cultura em promover esse intercâmbio. Circulávamos
entre Imperatriz e Balsas com recursos próprios. Trabalhávamos dia e noite para
poder ensaiar de madrugada. Oferecíamos aos amigos que nos visitavam o que
podíamos. Construíamos a nossa cena com o desperdício de uma sociedade consumista
e indiferente ao fazer teatral. Nada mudou. Nada mudou? Nada. Tudo igual. Eles
resistem através das mesmas práticas que nos possibilitaram resistir, mesmo em
um estado que pela primeira vez convive com uma experiência comunista. Até
nisso o teatro de grupo do Maranhão tem azar: com as atuais políticas públicas
do governo vemos avanços em diversas áreas sociais, mas quem pode se interessar
por algo tão inútil quanto um grupo de pessoas usando o teatro para questionar
as injustiças do país? Caberia lembrar ao nosso governador que o teatro de
grupo é a experiência comunista, por excelência.
Mas
a colheita da visita não foi de dor e sim de frescor. Me entusiasmou ver que o
teatro ainda é possível. Me revigorou saber que um grupo de teatro, em Caxias,
está fazendo a diferença para a sua comunidade. Me provocou pensar que neste
país ainda se faz teatro contra tudo e contra todos. São quatro lindos e
queridos teatristas. Cada um com a sua peculiar potência cênica, seu particular
humor, sua inesperada personalidade, suas diferentes leituras de mundo e suas
obscenas idades: Adriele tem 19 anos; Rodrigo, 20; André, 24 e Igor, 34.
Indivíduos plurais, reunidos no mais improvável lugar de fama: um grupo de
teatro (Não podia perder a piada referente ao nome do grupo, pois rimos muito
falando do assunto). Agora, eles tentam provocar o espectador com os
desdobramentos da relação entre um anjo e uma mulher, e me dão o prazer e a
alegria de poder acompanhar a empreitada da montagem.
Porém,
tem sempre um gesto, uma incompreensão, uma palavra, um mal-entendido, uma
situação que nos mostra que estamos vivendo e, como vida, nada pode ser
perfeito. Ainda bem. Detalhe para uma possível postagem futura. Não convide o
ermitão para sair da ermida. Você não vai saber lidar com ele.
4 comentários:
Sinto-me privilegiado, assim como todo o Grupo Fama. Virar postagem no Blog da Pequena Companhia de Teatro, minha inspiração de luta é combustível para que possamos continuar lutando e resistindo a esses tempos difíceis! Marcelo Flecha meu caro, minha gratidão, minha admiração por você não tem tamanho, é imensa! Que essa parceria crie raiz e dure! Muito obrigado meu rei.
Eu é que agradeço, André. Como digo na postagem, foi uma experiência importante para mim. Abraço!
Fazer arte, sempre foi um ato de rebeldia e mesmo depois de tantos anos ainda é... não me sinto esperançosa aos próximos anos, talvez eu esteja sendo pessimista mas sinto tempos nebulosos, mesmo com uma melhora aqui e outra lá...mas ler coisas assim sempre acendem uma luz! Parabéns ao grupo!
Devo dizer, caí de paraquedas de volta a esta companhia e, a cada processo acompanhado sinto em cada estrutura a resistência que prestamos diante da dificuldade do fazer teatral no interior maranhense, cuja bagagem consiste em persistência e a vontade do fazer. É gratificante para nós que, com a grandiosidade adquirida da Pequena Companhia de Teatro nos tornamos razão de divulgação, uma vez que admiramos aos montes o trabalho da Pequena. Gratidão, hoje e sempre.
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