Amanhã embarco para
Teresina, finalizar minha participação no projeto SESC Dramaturgias, que me
possibilitou exercitar um diálogo profícuo sobre o texto teatral e seus
desenhos. Curiosamente, em 2017, me dedico à feitura do texto da nova montagem
da Pequena Companhia de Teatro, que parte de um conto de Jorge Luis Borges
intitulado A outra morte. Como minha escrita acontece concomitantemente ao
atravessamento geográfico que o SESC me propôs, é natural que a nova dramaturgia
venha contaminada de inúmeras problematizações que se agruparam no decorrer da
vivência dialética provocada pela minha passagem por Caxias/MA, Vitória/ES,
Maceió/AL e Teresina/PI.
O que é ser dramaturgo na
contemporaneidade? O que compreende efetivamente essa função, quando
descartamos as plurais dramaturgias atuais e nos concentramos no autor de
textos teatrais – aquele maldito, anacrônico e solitário cidadão que senta em
uma cadeira, diante de uma mesa, para escrever o que habita o palco, mesmo sem a
certeza de que esse palco seja habitado por aquilo que ele escreve?
A minha particular condição
me é favorável, pois, normalmente, o que escrevo vem sendo levado à cena por
nosso grupo, e só escrevo pela necessidade de compor um dizer para esse fim;
mas, como fica a vida do dramaturgo autônomo, aquele ser que não faz parte de
um coletivo; aquele indivíduo que imagina poder construir um discurso com
potência mínima que justifique a sua feitura e a travessia para a
tridimensionalidade, independentemente de ter perspectivas de que isso
aconteça?
O tema é delicado. Nas
quatro cidades onde discutimos o assunto, durante meu perambular sesquiano, foi
unânime a constatação da significativa diminuição do exercício da escrita para
teatro; a redução de escritores que se dispõem a enfrentar o gênero dramático;
a ausência de novos textos para possíveis montagens; a escassa produção
literária do gênero. O que sim fica claro é o deslocamento do “modus operandi”
dessa função, sua integração a um conceito maior de teatralidade, e suas
flutuações de construção e estilo, com suas respectivas idiossincrasias; mas
não é esse o foco desta postagem, e sim, a produção literária do gênero.
A quem serve, efetivamente,
o texto de teatro isolado, escrito no gabinete, descolado do atravessamento
cênico provocado por um grupo de teatro ou coletivo de artistas que o horizontalize?
Será que ainda existe espaço para? Quais motivações ainda perduram para que um
escritor pense em escrever para teatro? Sabemos que a finalidade de um texto
teatral é o palco, e, naturalmente, o escritor desse gênero só encontrará
sentido na sua produção se esta atingir esse fim. Então, que mecanismos a
contemporaneidade oferece para que essa produção ainda faça sentido?
Como sempre consigo ser mais
patético do que você imagina, vou me tomar como exemplo: um sujeito com parca
produção dramatúrgica, que não tem isso como ofício, que não se alinha com a
prática como mero exercício, e que nunca pensou em encenar os próprios textos –
ressalvo que apesar da autoria das duas últimas dramaturgias da Pequena Companhia de Teatro, estas partiram de obras literárias já existentes, e coube a mim construir
um dizer que, mesmo autônomo, se origina em outro suporte. Desde 2009 não
escrevo um texto teatral que não esteja relacionado com algum tipo de encenação
eminente, parceria pertinente, construção proeminente, ou pragmática
contratação. Literariamente
tenho até me dedicado a um romance em detrimento ao desejo de escrever para
teatro (a perversidade do seu sorriso ao ler essa sentença escancara a sua
sordidez, e posso até ouvir a sua sutil exclamação ao constatar minha pretensão:
Você?!). O que motivou o arrefecimento da minha produção na última
década, se em parte da década anterior produzi em média um texto por ano? (Como
prometi, o tosco exemplo se ancora no patético proponente.)
Você deve ter percebido que
hoje me dedico quase que exclusivamente a arguir, e penso que seja um sintoma
do que está assentado. A contemporaneidade conseguiu esvaziar as motivações que
justifiquem a dita dramaturgia convencional? Há redução de oferta, ou Caxias,
Vitória, Maceió e Teresina são exceções que confirmam uma produção de textos
teatrais prolífera, acentuada e relevante? Será sempre São Paulo o exemplo que
vem à sua cabeça para fazer a réplica? Os grupos de teatro conseguirão oxigenar
se alimentando apenas de narrativas próprias? A desnecessidade da escrita
dramatúrgica pode apequenar a busca de conhecimento técnico e, com isso,
reduzir a qualidade da produção? Ainda é possível qualificar um texto se está
desconectado de um organismo teatral embrionário? O texto teatral descolado de
uma montagem que o provoque ainda é necessário? É o crepúsculo do dramaturgo no
seu sentido etimológico?
Claro que o cano das
questões, com as críticas que se aderem, apontam diretamente para a minha
cabeça, autor que estou de um texto teatral, transposto de um conto, construído
dialogicamente, para ser montado pelo grupo de teatro do qual faço parte, e que
há tempos não escreve sob outra condição. Logo, a provocação que lhe faço não é
gratuita. Nunca foi. Pois, você, há anos, mesmo sem saber, vem servindo de
cobaia, consultora, confidente, juiz, coautor, mártir, e espero que sua
paciência e generosidade nos mantenha assim. Portanto, me responda, ou me ajude a
perguntar.
3 comentários:
Desejo mais sorte e criatividade do que as dúvidas que o motivaram neste texto. Avante gigante guerreiro Dayleon...
Engraçado, escrevi um projeto de mestrado que envolve filosofia, leitura e teatro. Lembrei muito de ti. :)
Andreilson! Você por aqui! Faça com o André, apareça sempre!
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