Um amigo, curador e crítico
teatral, ao se referir a mais uma das infindáveis polêmicas da semana,
brincava, em uma rede social, sobre a diferença entre pensamento, autoajuda,
sabedoria, reflexão e afins. O comentário, contido de deliberada despretensão,
caiu sobre minha cabeça com o peso da Biblioteca de Alexandria.
O que, efetivamente, tenho
escrevinhado aqui? A ideia de fazer parte de uma cosmética do pensamento atropelou meu
juízo, e desde a leitura do despretensioso comentário, não consigo deixar de me
ver como um fantoche a serviço da rede, elucubrando formas de externar o que
penso, como se isso tivesse alguma relevância. A função do exercício, para mim,
sempre foi clara, a de assentar angústias, pensamentos, reflexões que faço; mas
para esse fim bastaria arrolá-las em alguma espécie de diário, caderno de
cabeceira, lista de tiradas, arquivo como atalho no desktop. A pergunta que já
se reiterava, e que agora assume cinquenta tons de cinza (desculpem-me o
trocadilho infame) é: qual a função de tornar esse exercício público?
Como sempre levei uma vida
pacata, abrigada – com indícios de sociopatia para alguns, e de egoísta reserva
para outros –, vi na proposta lançada por Jorge de criar um blog, uma
alternativa de conexão com o exterior, uma forma de interlocução nova, onde
pudesse organizar um pensamento mais estruturado, diferentemente da fugacidade
oferecida pelas redes sociais – como já versei aqui sobre tudo o que
versarei a seguir, abordando outros aspectos. Nesse exercício vão-se sete
longos anos de ininterrupta provocação, reflexão, confissão, análise, crítica,
com a despretensão que me é cara, mas sem o fantasma de frivolidade que agora
me assola. Não, não quero isso. Não era essa minha intenção. Mas, como saber se
essa prática de escrita serve a deus ou ao diabo – sim, perdoem meu
preconceito, mas autoajuda, para mim, é coisa do capeta –, pergunta o ateu? O
que pode se produzir de sentido no limite de uma postagem? Quanto de reflexão
cabe na brevidade da blogosfera? A exposição não seria apenas uma forma de
revelar uma personalidade narcísica?
Penso teatro, preponderantemente.
Esse pensamento busca entender melhor o nosso fazer; problematizar, na medida
do possível, algumas amarras entorpecedoras; contestar máximas imutáveis, tão
frágeis quanto bolhas de sabão; e tentar aferir ao contemporâneo o seu lugar, o
de ser novo na medida em que o novo é um velho amigo de tudo o que já foi. Mas,
tudo isso serve a mim, no máximo a nós, membros da Pequena Companhia de Teatro.
Logo, como mensurar se o valor do pensamento merece extrapolar as fronteiras da
Rua do Giz? Não consigo uma resposta.
Com
o passar dos anos – e eles passaram até me aproximar do meio século – tenho
tido menor capacidade para responder, e uma abusada necessidade de perguntar, provocando
respostas que exigem um ouvido atento, fato que se contrapõe à prática que me obrigo
aqui; então, para que se precipitar no abismo das considerações?
Talvez alguma resposta
esteja incrustada no próprio pensamento; o de ser a expressão mais concreta do
espirito humano, o que nos diferencia, o que nos torna uma massa de carne
criadora do mundo que conhecemos. Quiçá, na minha bruta formação, foi no
pensamento que encontrei o melhor caminho para o parco conhecimento que carrego
– o “parco” é a contra modéstia da personalidade narcísica citada acima e
escamoteada até aqui. Talvez seja a forma que encontrei para sobreviver, neste
exagerado novo mundo de bestagens, vazios, vaidades, aberrações e banalidades;
apostando na transformação da vida a partir das reflexões geradas no caminho
para a morte.
Como advertido, e mais uma
vez, só tenho perguntas. Talvez essa seja a real motivação. Através deste
instrumento – o blog – consegui encontrar os interlocutores necessários para dar
as respostas às perguntas que passaram a me acabrunhar na derradeira etapa da
vida; e das formas mais variadas – o comentário no blog, nas redes, a
interpelação do leitor na fila do teatro, a ressalva feita pelo amigo no sofá
da sala, a mesa redonda provocada pelo assunto abordado na postagem – esse
interlocutor se apresenta para amenizar a grande angústia, a que constrói o
humano ser por não saber de coisa alguma.
Talvez. Não sei. Só sei que
diante da possível pecha de esteticista de autoajuda lhe peço, encarecidamente,
me outorgue o emblemático, pitoresco e descompromissado título de filósofo de
botequim.
5 comentários:
Um grande mestre de teatro me repassou a seguinte doutrina que considero muito válida: "- Para chegar onde estou, e poder decidir minha vida artística conforme minha vontade, tive que vender minha alma ao diabo diversas vezes, em diversas proporções, e nas mais constrangedoras circunstâncias. Doeu, não nego. Mas meu presente é fruto do meu passado, e hoje estou no lugar que sempre desejei estar."
O mundo, e o teatro que ele contém, não se muda dentro de gavetas. Cada um que escreve, fala, cria, contribui com um verso. Se é exercício narcisista? Pode ser que sim e pode ser que não. A luz nasce em todo lugar, as trevas também. Tudo serve a propósitos insondáveis, acreditemos ou não. Amor ou egolatria separam-se na medida das motivações.
Abração Flechovski.
(Risos) Esse teu mestre é um charlatão, um fanfarrão, um embusteiro... Mas você consegue, na dúvida que permeia a existência da postagem, me mostrar que ainda vale a pena. Obrigado, amigo. Abraço!
Sua fala provoca, inquieta, desassossega...
Para os fazedores de arte, ou não. Suas perguntas geram respostas, perguntas, duvidas, certezas!
Lê-lo é alimentar-se!
Quando vejo, ouço ou leio você, só penso naquela feijoada maravilhosa que você nos ofereceu! Obrigado, pela leitura, mas, principalmente, pela feijoada! (Risos)
Alimentemo-nos então, de arte e feijoada!
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