Amanhã, dia 11 de julho, a
Pequena Companhia de Teatro celebra dez anos de história. Durante os dias que
antecederam a data, ocupei meu desgovernado juízo na reflexão do quão descompassadas
com a norma foram as nossas opções no decorrer desta década, fazendo-nos
trafegar na contramão na maioria das nossas ações, projetos, pensamentos e
realizações.
O leitor atento perceberá
que o que aqui faço não é um juízo de valor, e que não mensuro virtudes ou
defeitos, apenas aponto o nosso contrapasso com a atualidade, sendo por vezes
crítico, ou pelo menos ácido, ao abordar alguns dos assuntos da nossa
prática.
No que se refere à
tecnologia teatral – quando sabemos que a palavra tecnologia alude a todo e
qualquer saber técnico desenvolvido para o aprimoramento do teatro – a Pequena
Companhia de Teatro sempre transitou na contramão da pirotecnia, dos
equipamentos eletrônicos, das novidades estéticas, dos mecanismos modernos, e
focou o desenvolvimento de uma
tecnologia que favorecesse soluções simples para problemas complexos,
concebendo técnicas de praticidade, precisão, operacionalidade e efetividade;
alertando para a percepção de que é possível desenvolver tecnologia teatral a
partir do desperdício contemporâneo, sem necessariamente depender de recursos
financeiros significativos.
No exemplo que estamos
vivendo agora, outra contravenção. Sustentado pela lógica do capital, as
circulações de espetáculos devem sempre realizar suas ações no menor prazo de
tempo, buscando a otimização de recursos, e tornando as passagens pelas cidades
fugazes, tanto para quem visita quanto para quem recebe. Nossa prática, quando
são projetos propostos pela Pequena Companhia, busca a permanência na cidade
visitada pelo maior tempo possível e incluindo o maior número de atividades,
para viabilizar um intercâmbio efetivo, nos possibilitando conhecer minimamente
a cidade que nos recebe e sermos por ela reconhecidos.
Mesmo nas atividades
formativas, quando hoje prepondera a maleabilidade de conteúdo, a
horizontalidade, o improviso, a descontração, a ausência de rigidez, a
tolerância de horários, nossas oficinas concentram esforços em estabelecer um
padrão de conteúdo, uma organização programática, uma intolerância com atrasos
e ausências, uma exigência em oferecer resultados, um rigor em avaliar se os
resultados foram atingidos; uma chatice. Contramão.
Em tempos de tablets, laptop,
celulares e afins – e agora falo de uma prática minha – os registros de
processos de montagens, oficinas, observações de ensaios, análises de
circulações e reflexões são manuscritas em catálogos, diários e cadernos, que
vão se espalhando pela sede e pela casa, consumindo dezenas de canetas BIC
pretas, para depois deixar-me contrafeito ao precisar transportar os manuscritos
para o computador, palavra por palavra, quando uma necessidade de produção me
exige o transporte.
Outra curiosa oposição de sentido
percebe-se na terceirização: quando a lógica atual é a de aglutinar, através da
contratação de terceiros, para fazer como que o trabalho seja o mais coletivo
possível, nossa prática é a de concentrar o maior número de funções prováveis,
e só são buscados fora da companhia aqueles serviços que não nos sentimos
verdadeiramente capazes de realizar, não significando que aqueles a que nos
propomos tenham a excelência pressuposta para a empreita.
E a sede? Enquanto qualquer
humano normal pensa em ter uma piscina, nós queríamos ter um teatro. Próprio.
Esse desejo talvez fosse mais meu e de Katia, do que de Jorge e Cláudio. Ou,
talvez, nem de Katia, pois imagino que ela ainda sonhe em pegar sol à beira de
uma piscina. Ainda assim, investiu-se todo e qualquer centavo acumulado durante
toda uma vida para poder conquistar a independência de espaço, fundamental para
o efetivo desenvolvimento artístico de um grupo teatral dedicado à pesquisa de
linguagem.
E assim chegamos à própria
linguagem. No momento em que tempo é dinheiro, e quanto maior o número de
montagens por ano maior a possibilidade de multiplicar os ganhos, nossas
encenações levam, em média, três anos, entre o início da pesquisa e a estreia
do novo espetáculo, contramão digna de multa gravíssima e perda de sete pontos
na carteira.
Tudo na contramão; não
calculada, não programada, não pensada, mas, contramão enfim. O tortuoso
caminho de estabelecer um fazer identitário, orgânico, honesto, por vezes
reinventando a roda, por vezes sendo atropelado por ela.
Como supracitado, o que faço
aqui é uma reflexão sobre a nossa jornada, nesse dia que antecede o do nosso
aniversário, sem apontar erros ou acertos, pois, acredito que na arte não
exista certo ou errado, existem caminhos; e se bem sabemos que o caminho de dez
anos não nos torna gênios, ele serve, com certeza, para descobrirmos que nós
possuímos a soma dos quatro piores gênios que possa existir em um grupo de
teatro – adoro antanáclases.
15 comentários:
Parabéns pelo trabalho e pela boa luta de existirem enquanto pessoas, artistas e grupo, realizando um trabalho de qualidade artística respeitável.
Muitas décadas mais, se for o desejo.
Caro amigo, Jair! Permita-me que já o trate assim. É que o nosso contato na oficina, aqui em Campo Grande foi tão prazeroso que a sensação de proximidade é inevitável. Agradeço sua generosidade, grande abraço!
NA contramão dos padrões e tempo mínimo estipulado, da pressa e da pressão pelo faz-me-rir...acredito que foi um corajoso e digno caminho que escolheram. Eu em minha humilde opinião, as vezes por uns metros de distância, onde acalento meus anseios de arte em estudo de música (também!) sempre gosto de citar "a pequena companhia ali",- Assista! Você tem!. Sem babações nem nada. Acho que a gente não tem só que admirar quem tá longe da gente, nos flashs, em cartaz no Arthur...
Me encanta a concepção cênica que usam, a construção cenográfica,a dramaturgia de uma riqueza (será que se aprende a fazer isso? Me questiono sempre)a interpretação carregada de um não sei o que...Que quando acaba o espetáculo a gente fica: esse cara era o personagem? Até as linhas do seu rosto não são mais as mesmas!
Acho que isso que chamam de entrar num personagem a ponto de não reconhecermos o personagem na pessoa que o interpreta. É Um v-effect não programado, mas é ISSO!
Meus parabéns..
Sendo bem fofa e carinhosa até. .Como qualquer admirador : adoro o trabalho de vocês. Um beijo..Meus sinceros Parabéns.
Força sempre.
Eduarda, querida, as suas palavras e a sua presença são parte da nossa celebração! Obrigado!
Viva!!!! Viva!!! Dez vezes viva!!!!! Vida longa, meus queridos!!! E nos vemos já em Teresina, Flêtcha!!!!!
PARABÉNSSSSS PRA VOCÊS NESTA DATA QUERIDA,MUITAS...AI EU DEIXEI PRA QUE VOCÊS COMPLETEM. QUANTOS PASSOS FORAM DADOS,QUANTAS VEREDAS FORAM ABERTAS,QUANTOS CAMINHOS PERCORRIDOS,QUANTOS PENSAMENTOS,QUANTAS IDEIAS...QUANTOS...ESTOU TÃO FELIZ POIS TEMOS A PEQUENA TRAÇANDO HISTORIA,DESENHANDO MUNDOS E DESCREVENDO SONHOS...PARABÉNSSSSSSSSSSSSSSSS.
Caramba! Essa contramão que vocês pegaram nem atalho é!
Pode ser que tenha alguma coisa errada na sinalização da vida, digo, da via!
Risos,
Hamilton
sou apenas um aprendiz que diz.... vivas a pequena.
exercício entregue professor!
Fernando, Tony, Hamilton, Jeyson, amigos queridos!! Essa história foi construída entre todos nós, e somo felizardos por isso! Obrigado a vocês todos! E, Fernando, já estou fazendo a mala! (Risos)
Rapaz, faço gosto desta contramão. Felicidades. A PEquena Cia é um grupo de amigos queridos e que guardo bem no coração! Mais mil anos!!!
Parabéns, guerreiros pelo trabalho extraordinário da pequena companhia sucesso
Parabéns, guerreiros pelo trabalho extraordinário da pequena companhia sucesso
Caro primo Flecha, acredito que Menos é Mais, e o trabalho de vocês é, sem dúvida, muito "Mais". Parabéns a todos.
Espero poder compartilhar contigo estudos de transposição literária para teatro e cinema, seus ensinamentos abriram novos caminhos para o meu trabalho.
Forte abraço.
Fábio Flecha
Querido Fabio! Foi um prazer! Espero que nossa parceria se efetive! Grande abraço!
Querido Marcelo, gostaria de falar contigo sobre seu processo de trabalho num projeto para o audiovisual, temos um edital aberto para desenvolvimento e acredito que podemos trabalhar juntos nisso, gostaria de passar maiores informações sobre esse desafio. Meu email é flecha@renderbrasil.com
Forte abraço
Fabio Flecha
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