domingo, 29 de dezembro de 2013

Estado de atenção


Como membro da Pequena Companhia de Teatro, estou sempre a matutar sobre as maneiras de exceder as fronteiras da província. A incredulidade gerada pelo fato de nossa Cia. ser sediada no estado mais pobre da federação brasileira se apresenta como uma das principais barreiras para a nacionalização das nossas ações – fator fundamental para a sustentabilidade do nosso grupo. Nos últimos anos participamos de festivais pelo Brasil afora, circulamos através de projetos nacionais, ganhamos prêmios federais, contudo, não estamos integrados ao país; estamos encerrados em um estado de miséria, atraso, descaso, descuido e desatenção. Certamente, ninguém se lembra de nós. A referência não se estabelece, por maior qualidade que você imprima à sua obra. A pergunta mais recorrente será: que aporte pode dar ao nosso projeto uma Cia. vinda de um estado desses? Ouvimos isso com frequência em nossas viagens: da surpresa com a qualidade artística das nossas atividades por sermos do Maranhão. Mas a surpresa não serve, porque vem posterior ao fato. Preconceito? Não, realidade. Sem o estofo de um estado produtor, com políticas culturais eficientes, uma produção contundente e gestores públicos sérios, não será possível se integrar ao Brasil, estar presente no inconsciente coletivo dos atores que comandam os destinos culturais deste país (mote para uma reflexão futura). O curador, o parecerista, o crítico, o conselheiro, o produtor, o selecionador, jamais atribuirá um valor prévio endossado pelo entorno produtivo e criativo do nosso estado; nos olhará sempre
com desconfiança e indagará: do-ma-ra-nhão? Soma-se ao fato, a incapacidade “lobística” dos membros da Pequena Companhia de Teatro. Fora do nosso estado, temos algumas poucas e sinceras amizades que nos auxiliam na oxigenação do nosso fazer, porém, não temos a habilidade necessária para a articulação. Falando em primeira pessoa do singular, escolhi a arte por acreditar que estaria isento de certos males que assolam o mundo, dentre eles, a influência, a negociata, os interesses, a adulação. Ledo engano. Como todos, o meio artístico é habitado por humanos e, como tais, dedicam-se aos conchavos, acertos e toda sorte de idiossincrasias que extrapolam o interesse artístico e que não fazem parte da minha formação. Não é a regra, nem a exceção. Careço desse tipo de habilidade e o meu estomago não digere qualquer situação que não seja espontânea, orgânica ou fortuita. Pois é, um romântico. Em minha defesa posso dizer que comecei fazendo teatro amador nos anos 80, no interior do Maranhão. Apesar de a miséria ser a mesma, o espírito era diferente. As coisas eram simples, bonitas e honestas.  Hoje, creio ser a obra de arte o que menos importa. Não é a exceção, nem a regra.

8 comentários:

Hamilton disse...

Muitas questões hein? E essa do entorno produtivo e criativo, me remeteu especificamente à da construção de uma fortuna crítica que ajudaria o possível selecionador a "classificar" e "entender" o contexto artístico e a especificidade da produção e dos autores.
(A crítica)Ajudaria também o espectador (eu) a degustar de outras maneiras o universo dramático que já aprecia.
Sem a preparação da leitura prévia de uma crítica, às vezes o que me ajuda na dissolução de ruídos e lacunas é o privilégio da conversa pedagógica pós-peça com os criadores.
Apresentar-se mais frequentemente em espaços sociais onde há crítica profissional, talvez vá se tornando também um caminho, ou atalho, "por fora", mais e mais relevante... Felizmente pra vocês, e infelizmente pra nós ludo-espectadores, pois ficaremos aqui ansiando por mais temporadas locais.

Deusamar Santos disse...

Caro Marcelo Flecha, Sobre o texto Estado de atenção, excelente magnifico e realista, expressa bem a nossa realidade. A arte é uma arma eficaz que poderá contribuir com o desenvolvimento e formação do ser humano, e poderá influenciar tendencias e ideologias, por isso, o descaso ou o pouco caso com políticas voltadas para as expressões artísticas culturais "independentes" e sobreviventes nesse Estado. O caso não é por acaso, qualquer instrumento que venha questionar, promover e desenvolver capacidades de pensamentos poderá viver em condições de exílio fora e dentro desse Estado. Amigo Marcelo Flecha, Parabéns pelo texto e por contribuir com o seu trabalho, com a reinvenção desse imenso país chamado do Brasil. Aproveito para desejar a vocês da Pequena Companhia de Teatro bastante aprendizado em 2014.

Marcelo Flecha disse...

Sem dúvida, Hamilton! O problema também é que, a própria fortuna crítica produzida aqui, creio ser vista com a mesma desconfiança gerada pela nossa situação historicopolítica. Contudo, são instrumentos de aproximação importantes. Agora, Deusamar, não vejo outra solução para a nossa realidade que não a de questionar, transgredir o presente para almejar algum avanço futuro. É a nossa condição, artista que você é, de desestruturas as solidadas bases da inoperância. Abraço aos dois, e obrigado pelas colocação que acentuam a discussão.

O Pessoal do Tarará disse...

Olá, grande e querido Flecha! Sendo do RN, um estado que você conhece bem, me identifico com as mesmas indagações e preocupações. Mesmo assim, estamos nós todos (Pequena, Tarará, etc) no mesmo barco, com os mesmos furos. Um 2014 melhor para todos nós! Um abraço de Dionízio do Apodi.

Marcelo Flecha disse...

Grande, Dionízio! Pois é, meu caro, torcendo para não morrer na praia!

Axé disse...

BONS VENTOS NOS LEVEM SEMPRE,TAMBÉM TENHO DIFICULDADE COM AS BAJULAÇÕES, MAS JÁ PERCEBI QUE TAMBÉM ALGUNS GOSTAM DOS CONTESTADORES,CALADOS, CRIADORES AUTORAIS E NÃO SOMENTE DOS BABÕES... O MOTIVO AINDA NÃO ME É CLARO, MAS NOSSO JARDIM É RICO DE ESPÉCIES! ABRAÇOS! RAQUEL FRANCO

Piahuy: Estúdio das Artes disse...

Certo não repetirei que a realidade aqui no Piauí é a mesma(rs), nem reivindicarei o título honorífico de estado mais pobre da federação(rs) para nós, que alívio que você já pegou a "medalha" para o Maranhão. Porém, vou refletir um negócio que não quer calar: "O que pretendemos com o teatro que fazemos?" Tenho uma fé incorrigível no que faço e os conchavos e safadezas poderão sim nos atrapalhar, mas jamais impedirão a nossa evolução como artistas e seres humanos e é por aí que eu vou, com um pequeno e necessário grupo de amigos, que não são condescendentes com o que eu faço, porque são honestos e competentes, como você Marcelo Flecha, mas nos ajudarão no cumprimento dessa busca eterna e maravilhosa que se chama TEATRO.

Marcelo Flecha disse...

Raquel, querida! Essa também é a minha esperança. Obrigado, Adriano, por atender o meu apelo e comentar aqui! Você é sempre generoso comigo! Saudades dos dois!