domingo, 28 de novembro de 2010

O papel da manufatura em Pai & Filho

“Ninguém vai ver!” O comentário é comum em teatro quando algum acabamento ficou ruim: uma manchinha, um corte torto, uma costura mal feita etc. Eu digo: o ator vê. A manufatura e a dedicação ao detalhe nas produções da pequena companhia de teatro são motivadas por esse argumento. Na busca da verdade, o ator constrói seu universo através das referências disponibilizadas. Os elementos ao seu redor repercutem na sua percepção e, por consequência, na das personagens (Próspero que o diga, com o seu bendito sapato!). O contato com o aparelhamento estético, seja ele cru ou cozido, instrumentaliza o caminho do ator na busca da construção dessa realidade, mapeando seu horizonte.
No caso de Pai & Filho a manufatura está diretamente ligada ao universo kafkiano. Pinta o ambiente do espetáculo. A meticulosidade na construção de cada objeto repele a realidade e apresenta um mundo de coerente desconexão, buscando reproduzir essa atmosfera não natural, quase delirante, como o quarto onde são realizados castigos corporais no local de trabalho de Josef K. Busca-se a distância para aproximar. O que é um alfaiateiro? Um escrevedor? Um linheiro? Caixotes a la matrioshka? Vários elementos desfilam pelo espetáculo fazendo parte da narrativa imagética sem levantar as suspeitas do espectador quanto à sua veracidade, mesmo sabendo que ninguém escreve com rolha nem em um caderno tão grande.
Por outro lado, a manufatura de tudo aquilo que está em cena dá a imprecisão necessária para compreender estes seres, em especial o pai, de quem pensamos saber menos. A execução manual, a imperfeição do que é construído com as mãos, nos remete imediatamente à ideia de trabalho, e da sobrevivência a partir dele, imagem da obsessão por prosperidade do pai – o que nos leva imediatamente à linha, assunto de uma próxima postagem.

Um comentário:

XICO CRUZ disse...

"O Ator vai ver" nunca havia pensado sobre isso, de fato é um bom argumento.

bj.