domingo, 4 de novembro de 2018

Como montar um espetáculo em tempos de crise?


Como sempre. Como todo grupo de teatro brasileiro fez nestes últimos trinta anos em que me entendo por teatreiro. Sem dinheiro, sem apoio, sem aceno, sem visibilidade, sem holofotes, sem marqueteiro, sem diploma, sem lenço, sem documento, sem perspectiva, sem futuro. Com vigor, com vontade, com tesão, com afeto, com empenho, com afinco, com humor, com desejo, com responsabilidade, com sobriedade, com corpo, com sangue, com sonhos, com utopia.

Ensaio sobre a memória é o nosso projeto de vida atual. É o que queremos e precisamos fazer, independentemente das condições dadas – ou surrupiadas – para a sua execução. É a nossa necessidade. É o que o nosso comprometimento demanda. É o grito que precisamos dar para não sermos omissos no momento em que o país mais precisa do teatro de grupo. Como podemos perder a memória assim? Como a nossa falta de memória pode ter nos levado a isto que estamos vivendo? Como diria uma personagem da nossa peça: “Entendo que nossa carne não tem a fibra que devia ter... estamos todos adormecidos, uma espécie de letargia mórbida que nos faz aceitar tudo... não há um mínimo de resistência”. Como a memória pode ser tão frágil ao ponto de padecerem as lembranças mais atrozes que a humanidade conseguiu produzir?

É o que estamos tentando entender. O que é memória? O que é história? O que estamos fazendo com o nosso passado? O que sabemos do nosso passado? Por que a memória insiste em se esconder quando o país mais precisa dela? Sabemos o que fazer: resistir, combater, anarquizar, questionar, surpreender, assaltar. O teatro de grupo sempre soube o que fazer, e nunca se escorou na falta de recursos para calar um grito, pois crise para o teatro de grupo neste país sempre foi rotina. Sabe como a Pequena está fazendo? No peito. Não me perguntem como, não me perguntem o porquê, só posso dizer que fazemos porque é necessário.

Sempre acreditei nisso, no nosso poder de resistência. Mesmo agora, quando a nossa montagem recebe um golpe grave, agudo, resistimos; nos readaptamos, nos reconstruímos, nos regeneramos; nos reconhecemos vivos, pulsantes, combativos; dispostos a erguer a voz da memória, a combater a distopia, a revisitar os percalços da história, a passear pelo cambaleio do passado para tentar entender o titubeio do presente – é que teatro de grupo é de outra natureza; quanto mais nos podam, mais crescemos.

A solução está em lançar mão de velhas formas e tentar formatar caminhos menos ortodoxos. Alargar as parcerias, intensificar o diálogo, refletir sobre as ocorrências do passado, dissociar da prática a possível letargia gerada pelas intempéries – Cláudio tem transitado bem por esse pensamento nas últimas postagens. Um novo espetáculo se constrói do que pulsa no seu entorno sócio-político-cultural, mesmo que o seu dizer esteja descolado na sua temática. Não é o nosso caso, pois a temática abordada pelo destino de Pedro Damián dialoga diretamente com a atual conjuntura; mas também tentamos incorporar essa atmosfera na busca da potência pulsante que as agruras de uma realidade jamais esperada nos apresenta, e conduzimos nossa prática para além do universo ficcional, capilarizando na montagem as estratégicas que a nova ordem nos impõe.

O caminho mais acorde com a nova realidade é a guerrilha. Valer-se das táticas de guerrilha para a montagem, para a divulgação, a repercussão, para o financiamento, para a manutenção. Agora estamos sós. Não se espere nada do poder público federal. Muda o rumo. Remontar práticas passadas – passamos por tudo isso inúmeras vezes – e invencionar práticas futuras. Agora, mais do que nunca, recupero uma das postagens de maior repercussão deste blog: Entretecendo a teia da revolução.

Em outra postagem perdida no limbo cibernético eu imaginava a pergunta solidária da fiel leitora e do cruel leitor: o que eu, do meu lugar de plateia, posso fazer pelo fortalecimento do teatro de grupo brasileiro num tempo de crise como esse? Hoje, mais do que nunca, suas possiblidades são inúmeras. Se não achar uma única resposta, me provoque, pois pode ser o tema da minha próxima postagem.

 

9 comentários:

André Lisboa disse...

Já dei algumas sugestões de financiamento coletivo, que pode ser feito via http://apoia.se ou outras plataformas. Acredito que pode ser um caminho, pois os apoiadores podem contribuir ao longo de todo o período da montagem, com cartao de crédito ou até boleto. Um abraço, amigo! Se fizeres a campanha, contribuirei certamente! ;)

Unknown disse...

E os atores? Por que te-los. E se não tê-los como fazer o nosso teatro. Teatro de grupo corre no terreiro ora circudando os pares, ora adoçando os patrocinadores.

Marcelo Flecha disse...

Estamos trabalhando nisso, amigo, a partir da sua sugestão! Saudades!

Marcelo Flecha disse...

Identifique-se, anônimo! (Risos)

Unknown disse...

Momento oportuno sua postagem eu já estou a um.passo de desistir do" fazer "teatro.

Anônimo disse...

'necessidade', 'revolução', 'guerrilha', 'resistência'...
Que papo mais carcomido, meu velho.
A fixação nesses cacoetes é a eterna adolescência do artista brasileiro... virgindade de revolução, aquele desejozinho nunca satisfeito de ver a magia negra comunista produzir absolutismo perpétuo e cadáveres sem conta. Já se vão décadas...
A partir daí nada se cria... ainda mais obras de arte!
Memória, meu velho? Memória porra nenhuma. Isso aí é nostalgia stalinista.


Marcelo Flecha disse...

Salve, anônimo! O anonimato é uma plataforma um tanto quanto frágil para iniciar uma interlocução, meu velho.

Leia-se Mundi disse...

parabéns e futuros de liberdade a persistência em coletivos e grupos e discurso de livre pensar e praticAR arte livre, ainda é a melhor solução à sobrevivência de nosso Teatro que não é orquestrado por discurso anônimo, ou fiel de balança cega de deuses com pés de lama, maquiados de divindades de ouro de tolo

Anônimo disse...

Tem aqueles que se defendem atrás do anonimato
e tem aqueles que se diluem numa linguagem ideologizada e maculada.
Aponto corretamente que o senhor Flecha não está consciente do abuso que faz de uma linguagem contaminada pelo jargão comunista:
Armar 'resistência', usar métodos de 'guerrilha'...? Ora, isto é sobre arte ou sobre Ho Chi Minh? O objetivo final aqui é iluminar as pessoas ou colocá-las em prol de mais uma revolução fracassada?
Pra quê usar jargões de gente assassina?
Pra quê sonhar com coisas sublimes usando palavras de morte?
Para quê iludir-se e iludir aos outros falando como se estivéssemos sob a bota de alguma tirania?
Saiamos da caverna.