sábado, 29 de dezembro de 2012

Ano novo, feliz!


Tento traduzir duas frases que ouvi em Buenos Aires, apesar de saber que toda tradução é uma traição. Uma, dita pelo querido amigo Eduardo, e cunhadas por um jogador de golfe, dizia: quanto mais eu treino mais sorte tenho. A outra, proferida por Doña Nidya, e creio ser de autor anônimo, sentenciava: que a inspiração me encontre trabalhando. Estes aforismos me fizeram refletir sobre a relevância que costumo dar à sorte que a Pequena Companhia de Teatro vem tendo nos últimos anos. De fato, se somássemos os anos de trabalho dos membros da Pequena, beiraríamos o século (risos).  Experiências, frustrações, ações, apostas, desafios, labor, labuta – batalhas que não podem ser desprezadas no momento de contabilizar os resultados. Nossa sorte é amante do nosso empenho. Uma amante exigente, quase latina. Quanto mais dá, mais esforço demanda. Vagarosamente, começo a (re)conhecer as sementes enterradas na caminhada e a recolher os frutos com menor acanhamento. Até porque, um incrédulo falando de sorte é tão cômico quanto um artista esperando a inspiração.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Ano sai; ano entra

O que esperar do próximo ano se não o inesperado? Tudo está esquematizado. Agendas batidas, compromissos feitos. Comida garantida à mesa, mudanças, início de processo, projetos aprovados a serem executados. Se não há o inesperado, passemos logo para 2014, pois o que sei de 2013 já é o suficiente. 

Então, esse inesperado estará na efetivação das ações planejadas, qual personagem serei na nova montagem e o resultado da composição, se o que produzirei em xilogravuras durante os cursos será digno de nota, se terei momentos memoráveis na nova casa, se as viagens me trarão novas ideias para novos processos/projetos. 

Gosto de ficar acomodado na cama vendo filmes. Muitas coisas se repetem na minha vida, mas são como as apresentações de teatro: sempre o mesmo espetáculo, os mesmos atores, mas é diferente, mutável. Engano-me em dizer que tudo está planejado. Pode até ser, mas me esqueço que a vida se faz no fluxo, no pulsar do corpo e no respirar das gentes. Tudo está por ser feito.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Deus é Fidel


Movimento, classe, gente de teatro. Quem são e o que fazem no Maranhão? Tenho percebido insistentemente uma necessidade de articulação da classe teatral no Maranhão em fóruns, palestras, mesas-redondas. Todas as atividades com pouquíssima frequência e fico a refletir sobre essa pretensa necessidade que poucos percebem e pela ausência de representatividade nos fóruns quando acontecem. Faço algumas considerações a partir dessa constatação, só para polemizar.

Quando priorizamos algo ele torna-se fundamental à nossa sobrevivência enquanto ser: comer, vestir, trabalhar, amar. Quem prioriza o teatro em sua vida, no Maranhão, contamos nos dedos. Conheço poucos.

São Luís não é Maranhão. Quem faz teatro em São Luís se esquece que existem outras cidades no estado tanto que não conhecem a realidade da cena teatral nelas, por isso excluem-nas de seus discursos.

Teatro de grupo ou teatro de elenco? Como contar com alguém que sei que está comigo por tempo determinado, como articular com ele uma reflexão sobre as políticas públicas de cultura se só há espaço para ensaios?

Como se produz conhecimento se não há espaço para o diálogo, para a reflexão e a crítica? Tudo o que vemos tem que ser lindo e maravilhoso; que continuem assim. Política da boa vizinhança que dificulta o crescimento e a reflexão crítica.

Dizem por aí que essa mediocridade não é característica exclusiva do teatro; as universidades estão cheias de gente que não pensa, não reflete, não questiona, se ressente, se esconde, se enruste e que se sente satisfeita com uns trocados, com uns aplausos e alguns tapinhas nas costas.

Nossa, que angústia!

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Velhos buenos aires

As postagens estão em ritmo de férias. Atrasos e ausências. O ócio nos imprime um estado letárgico e a mente não responde aos chamados. Eu, em Buenos Aires, vestido de turista, penso menos que pouco. Faz bem. O descanso mental abre o espectro para outas sensações que não são menos vitais do que o pensar. Hoje sentia a tarde portenha com uma particular desesperança. Acabava de visitar o Museu Evita e revisitar lutas por direitos que hoje parecem ficção, como o voto feminino. A desesperança surge ao constatar o quão pouco a humanidade avançou. Preconceito, fome, injustiça. Parecemos fadados a lidar como essas realidades ad infinitum. O ser humano continua surpreendendo. Menos para bem do que para mal. Velhos tratará um pouco disso. Como se o teatro tivesse o poder de dar cabo de algum assunto. A pretensão da arte consegue ser mais patética que a própria realidade.

domingo, 2 de dezembro de 2012

O estrangeiro

Estamos prestes a embarcar para Buenos Aires, minha cidade natal. Meia companhia, Katia e eu. Ainda não é com Pai & Filho, mas será, espero que em breve. Férias, depois de um ano produtivo. Tempo para rever parentes, amigos e oportunidade para estreitar laços teatrais. A possibilidade de retorno sempre me provoca certo desconforto. Depois de trinta e cinco anos, a cidade não me pertence mais. A sensação de pertencimento sempre me foi dificultada pela precoce saída de um país para o outro. É a impressão de ser estrangeiro em qualquer parte. A reflexão em forma de poema que segue trata do assunto.
 
 
Passagem
 
para onde meus restos?
 
desabitado estarei
entregue à sorte
sem país ou povo
neste exílio eterno
a sete palmos do fogo
vestindo madeira
sob mármore dado
privado do mínimo
imóvel à distância
instalado em ossos
ocupando lugar
 
repatriado pro nada
desterrado e morto
estorvando os outros
distante dos meus
deixados pra sempre
nos ventres negados
nas vagas do mundo
albergue transitório
onde o passo afasta
a paisagem vasta
do que chamam lar
 
o andar castrado
os cabelos presos
unhas sobre a pele
caixão de matéria
sem destino exato
transcendência turva
em poemas parcos
digitais sem nome
falsa intensidade
no varal errante
devendo calar
 
pobre na miséria
os dentes cariados
homem racionado
tapete de mágoas
sem rumo sem guia
dividido em lascas
pouca identidade
nunca tive pátria
negado por todos
não vi minha terra
sobrou este corpo
  
quem quer enterrar?