quinta-feira, 18 de outubro de 2018

faca de dois legumes




em época de vacas magras, a ideia de transitar pelas contradições é tábua de salvação para o fazer cultural-artístico no maranhão, um estado que privilegia os grandes eventos e desconstrói a participação da comunidade em criar sua arte, dar vazão à sua subjetividade. sem recursos e estímulos torna-se inviável querer gestar cultura.

se falarmos na prefeitura municipal de são luís, a prática se alinha e se afina com a do estado do maranhão. o governo federal inexiste desde o golpe que tirou dilma roussef da presidência e pelo andar da carruagem o futuro que nos aguarda é aterrador.

com a frequente e continuada ausência do poder público viabilizando o fazer artístico-cultural, as práticas e os olhos se voltaram para a iniciativa privada como sesc, sesi, o boticário, itau, valle do rio doce e uma dezena de instituições que são, de alguma forma, subsidiadas com recursos públicos, quer proveniente da arrecadação do governo e posterior repasse, por meio de contribuições que as empresas são obrigadas a pagar sobre o valor da sua folha de pagamento, quer pela lei da renúncia fiscal, em que as empresas, através de suas fundações, determinam onde disporão seus recursos, arbitrando suas programações.

quando nos aceitamos e nos reconhecemos sobreviventes na arte e, na atual conjuntura, não nos predispusermos à esfera da contradição, não conseguiremos elaborar o pensamento para nos encaixarmos (esse é o termo adequado) nos parâmetros estabelecidos pela iniciativa privada. o discurso de pensar na obrigatoriedade do estado (no sentido de nação) como agente subsidiador de práticas artísticas, pede passagem para aceitar a interferência da iniciativa privada em atribuir valor à sua obra. mediado pelo estado a perspectiva se restringia a valores, geografia e linguagem. não se atribuía valor estético nem político à obra como fator de seleção.

o diálogo estabelecido nessa reflexão parte do pressuposto que, mesmo sendo entidades privadas (em alguns casos são paraestatais), os recursos destinados às suas ações são públicos.

nossa prática só se efetivará se repensarmos nosso processo, nossas angústias. não sairemos ilesos dessa reflexão. mas, precisamos repensar nossa função enquanto artistas ou enquanto padeiros, copeiros, serventes. a época dos editais públicos deixou de existir. a ideia de sobreviver sem mudar nosso discurso e nossa prática não tem mais espaço. se não nos pluralizarmos, deixaremos de ser profissionais na arte para sermos outra coisa - qualquer coisa - para sobrevivermos em uma sociedade que pensa diferente da gente a ponto de não nos quererem mais. estamos morrendo aos poucos. nossa sobriedade se esgota para dar lugar ao delírio de quem passa fome buscando uma migalha de pão para o jantar, vendo sua dignidade de esvair como areia entre os dedos.

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