domingo, 10 de junho de 2018

Enquanto nós latimos, a caravana passa!


Nós, artistas, temos por hábito reclamar da gestão, e atribuímos grande porcentagem da nossa desdita à incompetência gerencial de toda e qualquer instituição, seja ela pública ou privada. Hoje tenho um fato que me permite fazer de advogado do diabo, e desenvolver uma análise que fará o contraponto a essa permanente vigilância, virando a metralhadora contra nós mesmos.

Embarco, neste exato momento, para Macapá. Ano passado participei do SESC Dramaturgias, como tanto tratei aqui; e qual foi a minha surpresa e alegria ao receber o convite para participar novamente este ano, agora com a oficina sobre a dramaturgia do ator? Mas, o maior espanto não veio com o convite, e sim, com a necessidade de mudança do formato anterior, pois os resultados atingidos no ano passado não alcançaram as expectativas.


Explico: em 2017 o projeto oferecia oficinas de dramaturgia com formato de 32h/aula, divididas em dois encontros, com um significativo tempo de estudos, maturação e produção entre um encontro e outro, iniciativa que me era muito cara, como destaquei aqui, aqui, aqui... Eis o meu assombro quando recebo a informação de que o formato agora obedeceria a carga horária de 20h, em um encontro único. Ao indagar os gestores sobre os motivos da mudança, recebo como resposta o argumento que é objeto da reflexão que hoje proponho: na maioria das oficinas ministradas se comprovou um esvaziamento significativo entre o primeiro encontro e o segundo.

Como? A instituição oferece maior carga horária, dois momentos para aperfeiçoamento da pesquisa, intervalo entre os encontros para desenvolvimento das práticas – aumentando despesas, exigindo grande empenho por parte dos idealizadores para sensibilizar os promotores – e a classe artística responde com evasão, desinteresse, desprestígio? Se fosse um caso isolado poderíamos atribuir o fato à qualidade profissional do oficineiro, mas, sendo a grande maioria, a teoria cai por terra antes mesmo de levantar voo.


E daí vem a provocação que hoje faço: é muito fácil reclamar, exigir, reivindicar; difícil é trabalhar, pesquisar, estudar, praticar. Como pode ser que percamos algo tão valioso por pura displicência nossa? Não é o primeiro projeto, edital, programa, fomento, que perdemos por falta de empenho, disposição, prontidão, assiduidade e, claro, reivindicação.

Como sempre dou a primeira cajadada em mim mesmo, me perguntem quantas oficinas do SESC Dramaturgias frequentei antes de ser convidado para participar do projeto como oficineiro? Nenhuma! Sempre tinha uma circulação, uma montagem, uma visita, um jantar, um jogo de botão. Será? Ou sou gênio demais, e não tenho nada para aprender com artistas que admiro como Fernando Lopes, Wilson Coelho, Vinícius Piedade, Pedro Vilela, Henrique Fontes, Altemar Di Monteiro, só para citar amigos? Entendem onde quero chegar? Quanto nós, artistas, somos responsáveis por nossa condição? Estou eximindo os gestores? Claro que não. Eles têm a obrigação de atender as demandas de uma classe, mas se a oferta não for absorvida, evidentemente que a reivindicação escancara sua esterilidade. 


Como no caso que hoje problematizo: quantas vezes reclamamos que as atividades formativas precisavam alargar a sua carga horária, pois as práticas recentes estavam mais para pequenas vivências que para oficinas propriamente ditas? Quantas discussões perpassaram o assunto nesta mesma sala onde agora escrevo, com atores das mais diversas funções do fazer teatral? E quando se disponibiliza uma atividade com carga horária que se equipara a de meia disciplina de qualquer curso superior – o que não é pouco para uma oficina – respondemos com evasão.   

A crítica à gestão, seja pública ou privada, essa vocês conhecem, e está em uma porcentagem significativa de tudo o que escrevo aqui. Hoje queria tentar fazer uma avaliação sobre as nossas responsabilidades. Alguém reclamou da mudança do formato do SESC Dramaturgias para uma carga horária menor? Alguém poderia reclamar, com a assiduidade que apresentamos? Enquanto não tivermos o entendimento da responsabilidade que uma reivindicação gera naquele que reivindica, continuaremos bradando indiscriminadamente, reivindicando o óbvio; e seremos tratados como bufões, arautos do caos, bocas-de-confusão.


Claro que, a partir da postagem, o artista absoluto saltará em defesa de si próprio, tentando virar a metralhadora novamente para o projeto ou a instituição, dizendo que blá-blá-blá. Pare! Que, neste caso específico, fica feio. Os fatos são irrefutáveis até para mim, defensor ardoroso do formato anterior, e crítico contumaz de tudo e de todos – os números inibiram a minha réplica quando se fez necessária.

10 comentários:

Beth Néspoli disse...

A luta pela arte teatral tem muitas trincheiras. Importante avançar em diferentes pontos do território. Abraço e força ao grupo. Longe, mas acompanhando.

Leidson Ferraz disse...

Pois é, Marcelo. Infelizmente também sinto que as raras oportunidades que temos de nos reciclar são pouco aproveitadas. E geralmente a grande desculpa é o horário em que as oficinas e cursos acontecem, à tarde, porque os organizadores dos eventos partem da perspectiva de que nós, artistas, temos o tempo todo livre. Isto também é algo a se pensar. Escrevo do Recife e recentemente tivemos aqui uma oficina de crítica teatral com a Daniele Ávila Small e menos de dez pessoas estavam em sala de aula, o que é uma pena. É perdendo momentos de reflexão como este que o teatro de alguns artistas segue, muitas vezes centrado apenas em seu próprio umbigo. E só no umbigo.

Leidson Ferraz (jornalista e pesquisador do teatro)

André Lisboa disse...

Marcelo, saudades. Texto importante este.

Unknown disse...

semprei cantei essa Pedra desde que fui tecnico de teatro no sesc e pude comprovar o mesmo quando rodei pelo Palco Giratório. creio que o lance das oficinas nesse projeto deveriam ter duas premissas: 1) cabe o questionamento de tentar ouvir das pessoas onde a oficina vai rolar, não custa muito perguntar O QUE VOCÊS GOSTARIAM DE RECEBER AQUI? 02) acho que em vez de uma oficina de 20h em dois dias corrr várias cidades....porque o sesc não aposta em vários oficineiros , cada um num extremo por 30, 60 dias desenvolvendo uma pesquisa que resulte num experimento cênico maturado? .....isso daria emprego pra muito artistas e muitos resultados haveriam de surgir com mais densidade...

Marcelo Flecha disse...

Obrigado, Beth! Saber do seu olhar para com o nosso trabalho no enternece! Saudades!

Marcelo Flecha disse...

É isso Leidson. Pese a todos os problemas de gestão que possamos apontar, um esvaziamento desse que você cita é imperdoável. Apareça mais!

Marcelo Flecha disse...

Você é um sumido, André. Nem te cobro mais a visita!

Marcelo Flecha disse...

Salve, Sandro! Esse sua última proposta seria a glória, amigo! Mas ainda acho que se não ocuparmos os espaços de formação que estão postos, tempos poucas possibilidades de que surjam novos. Mais vale a sua reflexão, e o bom contraponto, como sempre! Saudades, amigo!

Unknown disse...

Excelente reflexão. Cada vez menos registramos redução no número de participantes nas ações do Dramaturgias. Assustador é ter uma universidade federal com um "curso de teatro" que não vem estimulando seus alunos a valorizar essas ações. Está sobrando desculpas por hora.

Marcelo Flecha disse...

Obrigado pela acolhida, amigo! Foi uma delícia voltar a Macapá! E uma frase sua me marcou, e corrobora com tudo o que aqui se discute: "a certeza de que eles serão multiplicadores". Acho que é o que nos move, e deverá mover sempre!
Até breve!