Vamos desaparecer. Mas, do
que – ou de quem – depende a sobrevivência da nossa imagem durante essa pequena
réstia de tempo que antecede o esquecimento definitivo da nossa existência após
a morte? De uma árvore? De um filho? De um livro?
Ideias como as do
desaparecimento, das imprecisões da história, da memória e suas flutuações
ficcionais, perpassam toda a narrativa da nova montagem que a Pequena Companhia
de Teatro prepara para 2018, e com ela emergem as angústias do cronista que,
não tendo pouco o que fazer, ainda se compromete com uma prática que adiciona o
pior tempero possível ao assunto: a instável e efêmera escrita em suportes
virtuais.
Por quanto tempo nossos
entes queridos lembrarão das nossas façanhas até que o esquecimento vença essa
resistência empedernida que o afeto impõe aos pobres familiares ou amigos que
ficam?
De alguma maneira, nossa
vida é balizada pelas marcas que vamos deixando no decorrer da passagem; uma
tosca anedota sempre lembrada, um feito familiar ímpar, uma batalha caseira
vencida, um gol importante na várzea; pequenas pedras que formam no inconsciente
coletivo do nosso entorno a imagem do que somos para os outros – único ponto de
vista possível de sobrevida, pois o que somos mesmo morre conosco no exato
segundo em que o surrado coração para.
Pensar que não nos preocupa
o funesto desaparecimento definitivo é uma pretensão que por si só já demonstra
a intensão de se perpetuar, pelo menos na própria ideia da não preocupação com
o assunto, e nesse caso, é a presunção da sentença que auxiliará o marginal –
no sentido de estar à margem do pensamento comum – na prorrogação do apagamento
absoluto.
Queremos sim marcar nossa
passagem, de alguma maneira, pela contagem regressiva que chamamos vida.
Queremos ser lembrados, pelo menos um pouquinho, pois dessas pequenas
lembranças depende a nossa existência. Uma personagem do novo espetáculo diz: sem
a memória de alguém sobre mim eu não tenho história. Nossa existência depende
dos outros. Da tenacidade dos outros em manter a nossa memória viva, até que
não seja mais possível resistir, e o esquecimento seja fato.
O entendimento da finitude
incondicional é a sombra que acompanha o homem, e motor de muito do que vamos
construindo durante a nossa trajetória, na tentativa de fazer pequenas marcas
nos que demonstram que a nossa vida tem alguma serventia. Parentes, amigos, colegas,
responsáveis por nos presentificar após a morte em frases como “fulana adorava
reclamar”, “beltrano era um chorão”, “você lembra de cicrana?”. Não. Chegará um
momento em que ninguém mais lembrará de cicrana, por mais generosa que seja a
intenção daqueles que resistiram abnegadamente ao seu esquecimento; as gerações
se encarregarão de apagar cada fragmento da sua memória, todas as suas
lembranças, e a sua vida terá desaparecido definitivamente.
Na postagem anterior a esta
perguntava sobre as concessões que devemos ou não fazer para o espectador. Um
tema tão espinhoso como esse não seria nossa primeira opção se resolvêssemos
ouvir o clamor da contemporaneidade por amenidades, fugacidades, virtualidades
e afins. Mas, entendemos que os corrigidos quinze segundos de fama dizem muito
do desespero que vivemos ao tentar abraçar nossa vida como única e
peculiarmente significante, pois a velocidade da informação, o excesso de
imagens, a vertiginosa jornada, exigem muito mais esforço para se provar uma
existência; parafraseando um caro e resignado amigo, a árvore, o livro e o filho
não são mais sinônimos de concretude.
História, memória,
esquecimento, matéria-prima delicada. Dizer do que não sabemos é sempre
ameaçador. Abordar assuntos que nos fragilizam é sempre dolorido, tendo em
vista que todos nós, membros da Pequena Companhia de Teatro, estamos próximos
dos cinquenta anos. Talvez, ao buscar contribuir de alguma forma para essa
reflexão, estejamos encontrando uma maneira de tentar prolongar a lembrança da
existência da Pequena Companhia de Teatro no Maranhão, pois, sabemos que daqui
a algumas décadas ninguém se lembrará de nós, e estaremos mergulhados no
labirinto das infinitas existências que povoaram o mundo sem deixar rastro.
Labirinto como o do exercício
dramatúrgico ao que venho me propondo na empreitada do novo espetáculo, e que
hoje exercito aqui ao escrever estas tortuosas linhas. Espero estar deixando o
rastro de coesão e coerência necessários para que se encontre a saída.
2 comentários:
Vocês serem esquecidos?
Impossível! Senão por aqueles que não possuem memórias ou se perderam num futuro que ainda está por vir.
Tema muito dolorido ese, inclusive porque nos atentamos mais ao que os outros nos confessam sobre nós e muito pouco ao que nos confessamos a nós mesmos.
Você tá fudido mesmo porque acredita que a vida acaba, mas eu sei que, mesmo após morto, ainda guardarei na memória a Pequena CIA de Teatro.
Para esse tema, uma frase pra te perturbar/inspirar:
“Nada há puro, nada há impuro! Eu sou consciência, testemunha silenciosa do sonho de mim mesma!”
Grato pela reflexão poética do seu texto
Você demora a comentar aqui, mas quando comenta arrebenta meu coração de emoção! Obrigado pelas palavras, amigo!
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