Sorrateiramente, a atual
conjuntura político-cultural brasileira, que atende pelo nome de desmonte,
ataca o teatro de grupo do país no seu ponto mais sensível: a montagem de novos
espetáculos. Nos últimos tempos, acompanhamos o minguar de toda e qualquer
iniciativa do Ministério de Cultura no que se refere a projetos de apoio a
montagens inéditas, e a consolidação dessa realidade não é fortuita.
Se a ideia é desconstruir a
teia de pensamento reivindicatório que o teatro de grupo representa – com sua
profunda capilarização por todo o país –, qual a melhor forma de descoser essa
potente rede de contestação? Atacando a produção inédita.
Perceba que projetos de
circulação, apesar de escassos, ainda perduram nas esferas públicas e privadas,
contudo, todo e qualquer programa que incentivava novas montagens desapareceu
como num passe de mágica. Com isso, enquanto circula-se pelo país com o
repertório existente, vai se perdendo o fôlego que o novo espetáculo dá para a
continuidade da trajetória dos coletivos do país; ou seja, um desmonte
sorrateiro, perspicaz, ladino, criminoso. Quando grupos menos estruturados, ou
com menor poder de articulação, forem pleitear os poucos projetos de circulação
que ainda existirem, perceberão que não conseguiram viabilizar um novo
espetáculo para circular, fazendo minguar o volume de novas montagens no país.
Por consequência, ao constatar o encolhimento da produção de novos espetáculos,
o próprio projeto de circulação remanescente passa a não fazer sentido, justificando-se
a extinção, e consolidando o desmonte da rede de grupos. Nem montagem nem
circulação; cala-se o grito.
Agora, o que os detentores
do poder já deveriam ter entendido é que o couro do teatro de grupo do país é feito
de uma textura indefectível e indecifrável; ele não rasga, não tora, não pui,
não cede; está além da vaidade individual, além do mercado, além das
prioridades pessoais do artista; ele resiste porque seu objetivo sempre foi a
consolidação de uma sociedade mais justa, igualitária, humana. É o que o teatro
de grupo busca com sua inacabável resistência, embrenhada nos mais recônditos
recantos do país.
Portanto, não adianta puxar,
esticar, pressionar, desmontar, pois, a nova montagem é a principal arma de
contestação de uma companhia de teatro, e para manter esse instrumento vivo, os
coletivos sempre reinventarão mecanismos outros que os postos no seu tempo,
colaborativos, autofinanciados, agregativos, comunitários, pactuais; garantindo
o grito que um novo espetáculo dá, quando a cortina se abre pela primeira vez.
Claro que grupos ficarão
pelo caminho, outros se dissolverão por acreditar na oratória do mercado,
alguns tropicarão entre sonho e realidade, diversos cederão aos apelos do
consumo; mas a grande maioria dos grupos de teatro deste interminável Brasil
resistirão, como sempre, por entender que a sua responsabilidade transcende o
desejo individual. Ela evoca o bem comum, único objetivo que faz com que os
artistas mais diversos se congreguem nessa difícil e desafiadora micro-sociedade-igualitária
chamada grupo de teatro.